25 abril 2012

Sob controle

Em um primeiro momento, a expressão "governança tributária" pode soar estranha até mesmo aos ouvidos de profissionais familiarizados com a linguagem das grandes corporações e do mercado de capitais. Trata-se de um conceito que pode ser confundido tanto com governança corporativa ou com planejamento tributário.

Na realidade, é isso e um pouco mais. "Governança tributária é o conjunto de procedimentos de gestão que visam à coordenação, controle e revisão dos procedimentos tributários", explica o advogado Gilberto Luiz do Amaral, coordenador de estudos do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). O objetivo é proporcionar a redução de riscos fiscais e permitir mais consistência e transparência das demonstrações financeiras.

 O conceito ganhou força há cerca de dez anos, após os escândalos que envolveram as americanas Enron e WorldCom. No Brasil, a governança tributária passou a ser mais considerada, ainda que timidamente, após 2001, quando houve a reformulação da Lei das S/A e, com mais força, a partir do ano seguinte, quando a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) lançou sua cartilha abordando a governança. Entrou de vez na agenda das maiores corporações após a decisão da Bovespa em estabelecer três patamares de classificação para as companhias abertas - Nível 1, Nível 2 e Novo Mercado, o que aumentou o grau de responsabilidades das empresas quanto às suas posturas, decisões e transparência junto aos acionistas e mercado em geral.

 Não há um conjunto ou manual de normas para a governança tributária. O que existe são práticas e obediência aos princípios gerais da governança corporativa, tais como agir com moralidade e ética, dentro da legalidade, compliance, buscar preservar a reputação e a dignidade dos administradores e, com isso, almejar a lucratividade. "São normas personalizadas de acordo com o perfil de cada empresa. Uma coisa é certa: quem não fizer a correta governança tributária. Não estará cumprindo a governança corporativa", afirma Amaral.

 O cumprimento das boas práticas tributárias não é exclusivo das companhias abertas, sendo recomendado também para pequenas e médias empresas. "Elas podem criar comitês internos de estudo e viabilização de procedimentos de planejamento tributário ou contratar uma empresa especializada, que lhe oferecerá todo o trabalho", explica o advogado João Eloi Olenike, presidente do IBPT. Porém, ele admite que o sistema tributário brasileiro não é um ambiente amigável para implantação de um modelo estruturado de governança tributária. "Há uma alta de carga de tributos, uma grande complexidade quanto ao modelo tributário e quanto à forma de cobrança, o que exige um pouco mais de percepção e criatividade dos profissionais." 

Essa complexidade gera situações paradoxais. Segundo estudo do IBPT, 29,11% das companhias listadas na Bovespa em 2009 faziam parte da dívida ativa da União, índice três vezes acima do nível de países desenvolvidos e em desenvolvimento. A inadimplência é atribuída principalmente à alta carga de tributos - são 86, entre impostos (diretos e indiretos), taxas e contribuições - mas também a gestões mal conduzidas na área tributária.

 Para João Laudo de Camargo, conselheiro de administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativo (IBGC), dentro do chamado modelo ideal, é possível esquematizar uma estrutura organizacional capaz de gerir uma eficiente governança tributária. No caso de uma Sociedade Anônima, a estrutura teria a presença de um conselho fiscal- eleito pelos acionistas, responsável pela definição e acompanhamento da governança tributária -, pelo conselho de administração, que cuidaria de temas "macro", inclusive tributários, por um comitê de gestão tributária, composto por especialistas capazes não só de formular estratégias na área, como atender as demandas e dúvidas dos demais departamentos e, finalmente, por uma auditoria externa.

 Uma empresa que age dentro da conformidade minimiza seus riscos, que podem tanto atingir a sua imagem, como principalmente as suas contas. Segundo Olenike, do IBGC, a multa mínima por omissão de receitas, no âmbito federal, é de 75%, podendo chegar a 150% caso haja a comprovação de dolo na operação e alcançar até 225% em determinados casos, quando a companhia se negar a fornecer a documentação solicitada pelo órgão fiscalizador.

 Mesmo em casos em que a empresa aja de forma responsável quanto às suas despesas, há sempre a possibilidade de recuperação de créditos, que podem ser projetados de forma mais clara dentro de um modelo de governança tributária. "Essa prática exige total controle das guias de recolhimento, da escrituração de livros fiscais e a elaboração de obrigações acessórias relacionadas aos tributos indiretos sobre insumos, mercadorias, produtos e serviços, cuja tributação é de aproximadamente 47% da arrecadação", afirma Roberto Cunha, sócio da prática de impostos indiretos & Aduaneiros da KPMG.

Apesar das críticas ao pesado sistema tributário, as perspectivas são positivas para uma maior consciência por parte do empresariado nacional quanto à gestão dos tributos. O consultor José Othon de Almeida, da Deloitte, cita a implantação do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped) e a implementação gradativa do International Financial Reporting Standards (IFRS) como fatores que deixam as empresas mais expostas e atentas às suas demonstrações.

 Tecnologia ajuda a aprimorar a fiscalização 

 Ao mesmo tempo em que as companhias afinam os seus procedimentos de compliance e boas normas de governança, os órgãos fiscalizadores aprimoram os mecanismos de apuração e recolhimento de tributos por meio de sofisticados sistemas de tecnologia.

A grande revolução no universo fiscal ocorreu em 2007, quando o governo federal lançou o Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), uma ambiciosa iniciativa da Receita Federal para racionalizar e uniformizar as informações contábeis e fiscais de todas as empresas, envolvendo todos os tributos em escala federal, estadual e municipal.

 A primeira fase foi com a criação das Notas Fiscais Eletrônicas (NF-e) para operações comerciais, visando prioritariamente o controle do ICMS e do IPI, além de eliminar tradicionais "jeitinhos" históricos usados em talonários de papel, como notas fiscais "frias" ou "espelhadas" (diferentes valores nas vias). "Notamos que na medida em que o controle aumenta, tem havido um menor nível de sonegação", afirma Caio Cândido, subsecretário da Receita Federal.

 A Receita agora está empenhada em implantar a obrigatoriedade da Escrituração Fiscal Digital relativa à cobrança e restituição de créditos relativos ao Pis/Pasep e Cofins. O processo envolve, em um primeiro momento, as empresas de lucro real, atingindo posteriormente as de lucro presumido e as instituições financeiras. Antes do sistema digital, havia um volume exagerado de empresas solicitando créditos de compensação.

 Há também o benefício da desburocratização. "No ano passado, já eliminamos seis declarações que anteriormente eram encaminhadas pelas empresas e vamos fazer o mesmo com a Declarações de Informações Pessoa Jurídica (DIPJ)", diz Cândido.

 O cronograma de implantação do Sped não é uniforme em todo o país. Está em estágio mais avançado em São Paulo, onde a NF-e vigora desde 2006, com obrigatoriedade desde 2008 para todas as empresas.

Das cerca de 6 milhões de NF-e emitidas diariamente, 2,5 milhões saem do território paulista. Segundo Marcelo Fernandez, supervisor de fiscalização da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, em 2013 será iniciado um processo para a emissão de Cupom Fiscal Eletrônico em todas as relações entre o varejo e o consumidor -ainda hoje, muitos pequenos varejistas usam papel. Entre as empresas, diz, a adesão no Estado é superior a 90%. Segundo Fernandez, as exceções são empresas que possuem estoque de talões de nota em papel.

 No Rio de Janeiro, os esforços são para superar o tempo perdido. Segundo Luiz Henrique Casemiro, sub-secretário de Receita da Secretaria Estadual da Fazenda, o Estado ficou por mais de 20 anos sem concursos para auditores e apenas recentemente pôde incorporar 400 novos profissionais concursados. No momento, a secretaria fluminense está desenvolvendo o sistema de gerenciamento de crédito tributário para cruzamento de dados das empresas e ainda mais dois projetos visando o contribuinte pessoa física, envolvendo a cobrança do IPVA e do ITD (de transmissão de doações). "Vamos implantar, no segundo semestre, sistemas de inteligência para fortalecer a cobrança de ICMS. Em determinados assuntos estamos atrasados", admite Casemiro. "Mas a vantagem é que aprendemos com os erros cometidos pelos outros" Fonte: Valor Econômico 25/04/2012

25 abril 2012



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