06 setembro 2017

Como atua o Cade em fusões internacionais?

Se autarquia rejeitar operação, ela não se concretiza no resto do mundo

Desde a Lei 12.529/11, a nova Lei do Cade, um em cada cinco atos de concentração ordinários analisados pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) dependem de algum tipo de cooperação internacional, o que representa 20% dos casos. Este ano, por exemplo, o colegiado do órgão antitruste aprovou a operação brasileira entre as empresas americanas Dow Chemical e a DuPont, condicionando à venda de ativos.

O dado é da Assessoria Internacional da autarquia e foi confirmado ao JOTA em entrevista concedida pelo conselheiro Paulo Burnier da Silveira, ex-chefe da área internacional do Cade.

“A cooperação internacional ocorre nos âmbitos bilateral e multilateral. No primeiro, o Cade troca experiências e melhores práticas com autoridades de concorrência estrangeiras. No segundo, o Cade participa de discussões internacionais de foros”, indica a descrição da área internacional do órgão antitruste.

Em cinco anos da nova Lei 12.529/11, o conselheiro aponta que a cooperação internacional é positiva, principalmente analisando o reconhecimento internacional do Cade. Recentemente, por exemplo, o órgão antitruste venceu o prêmio de melhor agência das Américas pelo segundo ano consecutivo.

“As autoridades das jurisdições envolvidas na operação compartilham documentos e softwares, fora as reuniões que realizamos com eles por meio de calls“, explica o conselheiro Paulo Burnier.

A cooperação internacional acontece em duas etapas: primeiro, a Superintendência-Geral (SG) do Cade busca as autoridades internacionais, antes da elaboração da nota técnica da operação. Posteriormente, antes do ato de concentração ir a julgamento no plenário da autarquia, o conselheiro relator pode, também, buscar as autoridades internacionais.

Eventual reprovação

A análise prévia de atos de concentração, dada ao órgão antitruste brasileiro por força da nova lei, remete a uma pergunta: o que acontece se o Cade reprovar uma operação internacional?

“A operação não é implementada em nenhum lugar do mundo“, responde o conselheiro Paulo Burnier. “Justamente por isso que existe a cooperação internacional, para que o Cade e outras autoridades antitruste evitem aplicar remédios contraditórios ou inconsistentes.”

Marcelo Nunes Oliveira, coordenador-geral do Cade, aponta que “é preciso ter sincronia” entre as jurisdições “para negociar os remédios efetivos”.

“Quando há discrepância, há custos para as requerentes, podendo até inviabilizar a operação. Sorte que muitos dos atos de concentração não precisam de remédios, mas a falta de sincronia pode gerar problemas”, alertou Nunes Oliveira.

ACs internacionais

Na prática, porém, não há falta de sincronia entre as jurisdições, apontam os especialistas. Márcio de Oliveira Júnior, ex-conselheiro do Cade, diz que quando há problemas concorrenciais no Brasil, as empresas levam ao Cade “o pacote pronto” para negociar com a autoridade da defesa da concorrência.

“As requerentes se antecipam e apresentam os remédios à autarquia, como possível venda de ativos, para atender as preocupações concorrenciais do Cade”, disse Márcio de Oliveira.

Outra saída, diz o conselheiro, é o chamado Carve-out Agreement: nesse tipo de acordo, as empresas excluem uma jurisdição da fusão, realizando-a somente em outros países. Essa medida, no entanto, geralmente não é aceita pelas autoridades internacionais em razão da dificuldade de monitoramento, que pode causar possíveis condutas anticoncorrenciais.

“Esse acordo carve-out pode gerar algum tipo de coordenação ilícita das empresas na jurisdição que ficou excluída da fusão, já que no resto do mundo elas são uma só empresa”, apontou Márcio de Oliveira.

Confira cinco atos de concentração internacional relevantes nos cinco anos da lei do Cade:

1 – Mach/Syniverse (2013) – (08700.001 824/2013-4): foi o primeiro da Nova Lei que envolveu cooperação internacional (sobretudo com DG-Comp), inclusive com uso da minuta de “Termo de Renúncia à Confidencialidade”, bilíngue (inglês/português), elaborado pela Assessoria Internacional do Cade e que tem sido usado em todos os demais casos em seguida.

Resultado: a operação foi aprovada com base no acordo proposto pelas requerentes, que consiste no desinvestimento de ativos.

2 – Holcim/Lafarge (2014) – (08700.009645/2014-3): Cade julgou antes das demais autoridades; utilização pela 1ª vez de um trustee único, entre as diversas autoridades da concorrência, para monitorar o cumprimento dos acordos.

Resultado: a operação foi aprovada com base no acordo proposto pelas requerentes, que consiste em desinvestimentos.

3 – Continental/Veyance (2015) – (08700.004185/2014-50):  problemas locais importantes no mercado brasileiro.

Resultado: a operação foi aprovada com base no acordo proposto pelas requerentes

4 – Cisco/Technicolor (2016): caso de gun jumping (fecharam a operação no exterior, antes do sinal verde do Brasil e da Colombia).

Resultado: a operação foi aprovada com base no acordo proposto pelas requerentes, que prevê o pagamento de R$ 30 milhões em razão da infração.

5 – Dow/Dupont (2017) – (08700.005937/2016-61): problemas concorrenciais globais e locais, com remédios globais e locais ao mercado brasileiro, incentivo à utilização de um único trustee.

Resultado: a operação foi aprovada com base no acordo proposto pelas requerentes, que prevê desinvestimentos em ativos relacionados a sementes de milho. Guilherme Pimenta Leia mais em jota 05/09/2017

06 setembro 2017



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