11 julho 2016

Eles atropelaram a crise

“Decidimos mudar o nosso foco movidos por um mapeamento dos nichos onde estão as maiores oportunidades” José Rizzo Fundador da Pollux

‘Perguntaram-me o que achava da crise. Pensei a respeito e decidi que não participaria dela.” A frase, atribuída ao fundador do Walmart, Sam Walton, tornou-se célebre após ser proferida durante a recessão econômica de 2008, nos Estados Unidos. A máxima é constantemente reeditada por empresários em palestras mundo afora. A princípio, pode parecer um blefe ou uma declaração um tanto fora da realidade de quem enfrenta momentos dramáticos na economia, como é o caso dos homens e mulheres de negócios do Brasil. Entretanto, o pragmatismo e a coragem para investir foram justamente os traços mais identificados numa pesquisa recente entre os empreendedores que conseguem expandir seus negócios velozmente neste momento.

Afinal, qual o segredo dos líderes que conseguem ultrapassar os principais obstáculos? E de que forma eles encaram a crise? Para encontrar respostas para questões como essas, a Endeavor, com apoio da Neoway, empresa de soluções de Big Data, realizou o estudo Desafios dos Empreendedores Brasileiros 2016. A pesquisa é feita anualmente com pequenas e médias empresas, divididas em três categorias — “geral” (crescimento de até 40% nos últimos três anos em número de funcionários), “alta performance” (expansão superior a 40% no mesmo período) e “alto impacto” (31 empreendedores apoiados pela Endeavor com crescimento médio de 99% em três anos).

Neste ano, foram feitas mil entrevistas com empresas de todas as regiões do Brasil. Também faz parte da pesquisa uma análise dos negócios do setor de tecnologia da informação (TIC). Esse trabalho foi patrocinado pelo banco J.P. Morgan, por meio do programa J.P. Morgan Chase Foundation. O resultado foi publicado com exclusividade pela revista “Pequenas Empresas & Grandes Negócios".
Sabia-se desde o início que os homens e as mulheres de negócios entrevistados apontariam diversas dificuldades — e foi o que aconteceu. Quando questionados sobre quais são as “dores mais sentidas”, numa escala de zero a dez, eis as principais: gestão de pessoas, gestão financeira, o peso da burocracia e dos impostos, os desafios para implantar melhorias em produtos e serviços e os obstáculos para aprimorar processos de marketing e vendas.

São problemas que quase todos os empreendedores brasileiros enfrentaram, enfrentam ou vão enfrentar em algum momento de sua trajetória à frente de um negócio. Porém, ao analisar as respostas de empreendedores de “alto impacto”, é possível notar que eles culpam menos o ambiente externo e mais a competência da própria empresa para resolver os seus problemas. Quando questionados sobre o quanto a crise e os desafios “dentro de casa” estão afetando os resultados do negócio (numa proporção de 0% a 100%), a crise aparece com 43% e a competência interna, com 57%. É o inverso do que dizem os empreendedores em geral, para quem a crise é a responsável por 60% dos resultados.

SEM TANTO MIMIMI

— Os empreendedores de alto impacto não terceirizam suas responsabilidades para o governo — afirma Juliano Seabra, diretor-geral da Endeavor no Brasil. — É claro que estamos passando por um momento difícil para todo mundo, mas eles olham para dentro de casa e se perguntam persistentemente em quais aspectos ainda podem melhorar para ganhar competitividade e fazer frente aos problemas de fora.

Foi essa característica que fez com que José Rizzo, fundador da Pollux, de Joinville, em Santa Catarina, não deixasse que a queda abrupta nos investimentos da indústria destruísse o sonho de posicionar sua empresa num terreno particularmente difícil de atuar: automação de linhas de montagem.

Dominado por grandes conglomerados multinacionais, o setor exige investimentos constantes para viabilizar pesquisas de novos softwares e técnicas modernas de fabricação. Vista dessa forma, a simples existência há duas décadas da Pollux, especializada no fornecimento de robôs, sistemas de inspeção da qualidade e projetos de engenharia industrial, já pode ser considerada uma vitória. Desde 2007, a maior parte do faturamento da empresa vem do mercado automotivo. Em 2015, enquanto a produção de veículos caiu 23% no país, a Pollux duplicou suas receitas. Neste ano, prevê crescer mais 30%, chegando a R$ 65 milhões.

NA CONTRAMÃO DAS EXPECTATIVAS

— Há dois anos, fizemos um extenso mapeamento do nosso mercado para identificar quais companhias investiriam em fábricas inteligentes, apesar do cenário adverso — diz Rizzo. — O setor automobilístico é muito grande. A venda de carros populares caiu, mas os modelos premium e de luxo continuam em ascensão, com montadoras trazendo fábricas para cá. Decidimos focar todo o nosso time comercial para prospectar essas empresas, o que aumentou muito a conversão em vendas.

A Pollux também reformulou seu modelo de negócios no início de 2016 para driblar o congelamento da demanda da clientela mais antiga. Antes, uma montadora tinha que pagar em torno de R$ 400 mil, em média, para adquirir cada robozinho e o serviço de engenharia acoplado. Agora, é possível alugar o maquinário e o suporte técnico a partir de R$ 10 mil por mês, em projetos sob demanda.
Um aspecto importante detectado entre as empresas que mais crescem é que elas não se deixam abater por questões complexas como burocracia, regulações jurídicas e custo da mão de obra com carteira assinada.

— Essa é uma caraterística importante do empreendedor ambicioso: ele sabe que construir uma empresa bem-sucedida passa por correr riscos, gerar empregos, ganhar escala e inovar — diz Pablo Ribeiro, diretor de pesquisas e mobilização da Endeavor. — Com isso, a empresa deixa de ser uma mera fonte de renda de subsistência para virar a forma como os sócios deixam um legado.

Nesse ponto, não tem mistério: para ganhar escala, é preciso investir em mão de obra qualificada e infraestrutura, livrando-se da mentalidade de que esse desembolso é apenas custo. Esse é o caso da paulista Printi, uma gráfica que nasceu recebendo pedidos on-line e terceirizando a produção de flyers, banners e cartões de visita para grandes indústrias.

— Logo no início, percebemos que ganharíamos muito mais produtividade se passássemos a fabricar tudo dentro de casa, controlando do nosso jeito todas as etapas de produção — diz Florian Hagenbuch, de 29 anos, cofundador da Printi.

De um ano para cá, a empresa passou a atender por conta própria 90% das encomendas, contra 40% no passado. Para isso, os fundadores venderam uma parte do negócio para a francesa Vistaprint, líder de mercado nos Estados Unidos e na Europa. O dinheiro foi usado para comprar máquinas e contratar gente do setor gráfico. Em 2015, a verba destinada ao investimento de softwares e ao treinamento de funcionários praticamente dobrou. Por outro lado, a produtividade e, consequentemente, as margens de lucro subiram.

— Incorporamos metade da margem conquistada para o negócio e a outra metade foi repassada aos clientes sob a forma de serviços mais baratos — diz Hagenbuch. Na fase de arranque, contar com a ajuda de mentores mais experientes parece ser fundamental, sobretudo em momentos de instabilidade econômica.

— Temos atualmente uma geração de empreendedores que ainda não havia passado por crises profundas e inflação acelerada, situações que demandam revisão consistente da operação — diz Seabra, da Endeavor.

O estudo apontou que, entre os negócios de alta performance e de alto impacto, 58% e 100% recebem “mentoria”, respectivamente.

— Os empreendedores que lideram as startups mais promissoras têm fortes vínculos com donos de outras empresas de sucesso — afirma Seabra. — Relacionamentos como esses aumentam as chances de crescimento.

Gabriel Benarrós, de 27 anos, sócio da manauara Ingresse, plataforma on-line que ajuda a organizar eventos e administrar inscrições, se cercou de aproximadamente 15 mentores. A empresa os procura sempre que precisa resolver problemas. Além disso, Banarrós e seus sócios contam com a ajuda de coaches que os ajudam a identificar seus desafios.

— Não pode ser um bate-papo muito solto. Me organizo para enviar com antecedência um resumo sobre as situações que serão discutidas — diz Benarrós.

CONSELHEIRO FIEL

Um de seus fiéis conselheiros é o empresário Gustavo Ziller, fundador e executivo de empresas da área mobile e mentor da Endeavor para táticas de vendas e estruturação de processos comerciais.

— Certa vez, o Gustavo me ensinou que, numa negociação com grandes empresas, a velocidade para fechar o contrato é muito importante. O tempo corre contra o elo mais fraco da cadeia. Fui percebendo que ele tinha toda razão — afirma Benarrós.

Ele também se reúne com frequência com Romero Rodrigues, fundador do Buscapé, que já lhe auxiliou a reorganizar as equipes da Ingresse, de modo que o trabalho se tornasse mais produtivo.

Em 2015, a empresa triplicou de tamanho, movimentando cerca de R$ 70 milhões na venda de tickets on-line (o site fica com um percentual das transações). Alguns mentores têm um contrato de remuneração ou participação acionária.

Não é nenhuma novidade que bons relacionamentos podem ajudar a faturar mais. Uma boa agenda é útil para todo mundo, mas para um empreendedor é absolutamente indispensável. Como uma empresa pequena ou média não tem tantos recursos quanto uma grande, é preciso contar com a ajuda de outras pessoas.

O networking incessante é uma caraterística importante detectada na mesma pesquisa. Na média geral, mais de 80% dos empreendedores responderam que participam de palestras, congressos e competições de modelos de negócios. Aqueles que trabalham no setor de tecnologia são ainda mais engajados. Para 67% deles, os eventos ajudam muito no negócio e, para 22%, ajudam pelo menos em alguns casos.

O que os empreendedores retratados nesta reportagem mostram é que, a despeito das enormes dificuldades do momento atual, esperar por dias melhores definitivamente não é o melhor caminho para crescer. Pôr o seu melhor time em campo, isso sim, é um passo à altura do desafio. Bruno Vieira Feijó -  De Pequenas Empresas & Grandes Negócios - O Globo - leia mais em portal.newsnet 11/07/2016

11 julho 2016



0 comentários: