Foi resistindo à pressão do mercado financeiro para que a empresa dividisse as operações de lojas físicas e de e-commerce que o Magazine Luiza conseguiu se tornar a varejista de eletroeletrônicos mais valorizada da Bolsa, avaliada em R$ 19,96 bilhões, segundo a cotação da última sexta-feira. A decisão se revelou tão acertada que rivais como a Via Varejo, dona da Casas Bahia e do Ponto Frio, que havia dividido os mundos online e físico, acabaram revertendo a estratégia.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Luiza Trajano, presidente do conselho do Magazine Luiza, disse que o apoio da família – que até hoje é proprietária da maior parte da companhia – foi fundamental. “Na época, a família era dona de 74% das ações. E nunca ninguém me ligou para perguntar porque a ação estava tão barata”, diz ela. “Esse nunca foi o nosso foco, sempre buscamos a longevidade da empresa. Quando a ação baixava, a gente comprava.”
A confiança na gestão foi desenvolvida por meio de uma forma de atuar que evitou endividamento excessivo ou a necessidade de recorrer a fornecedores para sobreviver no mercado. “O Magazine Luiza, nesses 60 anos, nunca pediu prorrogação de um título para nenhuma indústria e nem pagou nem um dia atrasado”, lembra Luiza. “Porque é natural você ligar no seu fornecedor e pedir mais dez dias. Mas nós nunca fizemos isso, pode ligar para as indústrias e perguntar.”
Lógica
Por trás da escolha de manter as lojas físicas e e-commerce dentro do mesmo “guarda-chuva”, segundo a presidente do conselho da varejista, estava a decisão de respeitar a jornada do consumidor atual – que transita naturalmente pelos dois canais. “O Magazine sempre acreditou que o consumidor é um só, que não existem dois mundos. Por isso, nós criamos laboratórios para desenvolver aplicativos e abrimos também a possibilidade de a pessoa comprar pela internet e retirar o produto na loja física, já no dia seguinte.”
“Mercado não resolve tudo sozinho”
Embora defenda medidas que ajudem a economia a funcionar livre de amarras, Luiza Trajano afirma que o empresário brasileiro não pode pensar nas próximas eleições apenas pelo lado da política econômica. Segundo ela, a questão social precisa ser enfrentada. “Não podemos continuar com o desnível social atual”, diz. “Precisamos ter em mente que 60% das famílias brasileiras ganham menos de R$ 2 mil por mês.”
Apesar de não pretender apoiar nenhum candidato explicitamente nas eleições deste ano, Luiza diz ver o movimento do empresariado – incluindo a candidatura de Flávio Rocha, da Riachuelo – como positivo. “Nem estou falando que o empresário precisa sair candidato, mas deve sim assumir posições políticas”, afirma ela. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Com o mercado financeiro volátil e as eleições se aproximando, qual sua visão da economia?
Acho que o crescimento poderia estar mais rápido. A decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) de não baixar os juros atrapalhou um pouco, assim como a alta do dólar. Estou sentindo que o mercado começa a reagir, apesar do susto com o dólar mostrar que a estabilidade não está tão forte. De qualquer forma, o fundo do poço da crise passou, e eu sinto que a economia está se distanciando da política. Não acho que o desemprego esteja muito menor. Por outro lado, as pessoas estão com menos medo de ficar desempregadas e já pagaram suas dívidas.
O que a economia precisa para deslanchar de vez?
O tripé é emprego, renda e crédito. O emprego tem aumentado muito devagar, mas a insegurança das pessoas diminuiu. A renda não aumentou muito. Nos últimos anos, no entanto, as pessoas pagaram suas dívidas e entraram menos endividadas (em 2018). Os bancos abriram um pouco mais o crédito, ampliando o acesso para mais gente. Foi o crédito que trouxe mais gente para a economia.
E como a sra. vê o momento político?
Está um ponto de interrogação. Ninguém sabe, pode ter uma virada grande. As pessoas falam que o brasileiro está passivo. Acho que a população está observando, sentindo. A sociedade civil está mais consciente de seu papel. Não dá para falar nada do que vai acontecer na eleição neste momento. Talvez a gente vá descobrir melhor em agosto e setembro.
Qual a sua visão da greve dos caminhoneiros?
A greve dos caminhoneiros se materializou porque o Brasil não ouviu os sinais que apontavam para as consequências da falta de planejamento em infraestrutura. O e-commerce teve algum atraso, mas as lojas físicas não sentiram porque tinham estoque. O que mais aprendi em todos esses dias de paralisação é que temos de ficar muito atentos aos sinais que são dados para atuar rapidamente para evitar conflitos.
A sra. já teve vontade de entrar na política?
Eu me considero uma política sem partido. Nunca me filiei a nenhum partido. Eu sou muito política, mas não com um cargo (público).
E o que dá para fazer de prático a partir dessa posição?
Está na hora de a sociedade civil assumir a responsabilidade, de definir aonde quer ir. Eu não quero mais diagnóstico, quero ação. É o que o movimento Mulheres do Brasil (do qual é uma das criadoras) tem feito. Não criamos uma ONG para discutir a violência contra a mulher, nós nos associamos à Maria da Penha. E queremos resolver problemas práticos, como o fato de as delegacias da mulher não abrirem aos sábados. Eu não quero que nenhuma mulher, dentro de um ano, ganhe menos do que um homem. Esse tipo de coisa é fácil de se resolver, porque depende de uma “canetada”. Basta uma decisão do presidente da empresa.
O que a senhora tem achado da movimentação de empresários nessa eleição?
Acho que o empresário tem de assumir posições. Eu acho que o Flávio Rocha (da Riachuelo), meu amigo pessoal, está saindo para presidente com uma coragem muito grande. É uma pessoa que está fazendo porque quer mudar o Brasil mesmo. Nem estou falando que o empresário precisa sair candidato, mas deve assumir posições políticas.
As posições de empresários geralmente estão ligadas às regras de mercado. Dá para ignorar a questão social no Brasil?
O empresário precisa pensar que 60% das famílias brasileiras ganham menos de R$ 2 mil por mês, que o sertão tem gente sem água. E que existem pessoas que não têm oportunidades nem emprego, e não porque não querem trabalhar. O empresário precisa entender que (tem de enfrentar essa situação) caso queira deixar um país melhor para os filhos e netos. Ele não pode terceirizar o Brasil, tem de assumir o Brasil como dele, entender que não podemos continuar com o desnível social atual. Isso não é bom para a questão da violência, não é bom para nada.
Como fica o “mercado”, como dizem os empresários, nessa equação?
O mercado realmente precisa trabalhar, mas a gente tem uma passagem (a fazer), que é atender as pessoas que não têm o que comer. São 20 milhões e tantos de pessoas nessa situação. Eu concordo que não se pode amarrar a atividade econômica. Mas não sou tão radical de achar que tudo o mercado resolve.
E a questão das reformas estruturais da economia?
Eu defendi a reforma trabalhista por dez anos. Ela não mexeu em nada do que as pessoas já tinham (como direito). Foi uma vitória da democracia da vontade. A pessoa continua a trabalhar oito horas por dia. Mas, antes, se um funcionário trabalhasse num domingo, precisava dar folga para ele naquela semana. Ele não poderia, nem se quisesse, esperar 15 dias. A mesma coisa vale para as férias. Agora, é possível ter os mesmos 30 dias de férias, só que divididos em dez dias.
E a reforma da Previdência?
A reforma da Previdência é necessária, mas precisa ser mais discutida com o povo. Com a longevidade de hoje, não vai dar para pagar as contas (da Previdência) com as pessoas se aposentando cedo. Daqui a 20 anos não vai ter aposentadoria (para ninguém). Mas, ao mesmo tempo, temos de olhar os trabalhadores rurais, e especialmente as mulheres do campo, e algumas exceções talvez possam ser feitas. Precisamos ouvir todo mundo e chegar a uma conclusão rápida. E temos de discutir isso como uma coisa boa para o Brasil.
A senhora pretende apoiar algum candidato?
Eu não posso, porque o Mulheres do Brasil não pode apoiar candidatos explicitamente. É um grupo apartidário, é algo inegociável. Eu recebo todos, posso ter minha preferência, mas não posso apoiar ninguém em nome do grupo.
O seu nome foi citado para ser do conselho da BRF. Como foi esse processo?
Eu tinha sido do conselho antes da fusão. E agora, o Luiz (Fernando Furlan) me chamou para ajudá-lo. Ele mandou um WhatsApp e eu disse sim. Mas, num primeiro momento, o Furlan seria o presidente do conselho. Eu iria só para ajudar um amigo. Depois eu vi que virou um compromisso muito maior e que chamaram o Pedro Parente (ex-presidente da Petrobrás). E eu achei válido eles fazerem isso, mas eu saí antes (de Parente ser indicado ao comando do conselho). As informações são do jornal O Estado de S. Paulo. Leia mais em istoedinheiro 10/06/2018
10 junho 2018
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domingo, junho 10, 2018
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Ruy Moura
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