O setor de tecnologia da informação (TI) é, tradicionalmente, um dos mais movimentados em termos de fusões e aquisições. Só em 2010 foram realizadas 85 operações no país. É mais que o dobro dos 42 negócios registrados no ramo de alimentos, a segunda área com mais operações desse tipo no ano, segundo relatório da consultoria KPMG. De janeiro a março deste ano, foram 22 iniciativas, um recorde para período, também segundo a KPMG. O movimento, impulsionado pela recuperação da economia global e a crescente demanda por tecnologia no Brasil, tem apresentado, no entanto, uma espécie de efeito colateral: o aumento do preço das empresas.
Segundo especialistas, é difícil determinar o valor médio dessa sobrevalorização. Os preços pedidos estão mais altos, mas o negócio costuma sair por um valor menor, depois de sucessivas fases de discussão. Em segmentos mais procurados, nos quais a negociação é mais dura, há compradores que simplesmente desistem do negócio e partem para outro alvo. A Navita, companhia brasileira especializada na área de mobilidade, sentiu os reflexos desse cenário no fim do ano passado. Segundo Roberto Dariva, executivo-chefe da empresa, a intenção era comprar um negócio na área de aplicativos para celulares.
Alguns alvos foram avaliados, mas nenhum negócio concluído. Na operação mais próxima de ser fechada, as conversas não foram além da fase de avaliação das condições da empresa. Motivo: o valor definido pelos sócios da companhia em questão estava acima do que a Navita acreditava que o negócio realmente valia. “Quem está nesse setor acredita que está na crista da onda e quer ser remunerado por isso. Mas nem sempre vale a pena pagar”, diz Dariva. Sem disposição para gastar muito, mas ainda interessada em aquisições, a Navita mudou os planos e optou por comprar uma companhia de menor porte e de outro segmento. Em dezembro, adquiriu a Congruus, especializada em gestão de custos em telecomunicações. Em 2011 não estão previstas outros negócios.
Os motivos para o aumento de valores pedidos também não são claros, mas é perceptível a influência de dois fenômenos, dizem analistas. Um deles é o sucesso internacional de companhias como o Facebook, a criadora de jogos Zynga e a rede social LinkedIn (que fez uma oferta pública de ações muito bem-sucedida há quase duas semanas). O outro é a chegada de fundos de investimento estrangeiros ao país, com grande poder de fogo, o que permite valores maiores na hora de negociar, caso da compra da CPM Braxis pelos franceses da Capgemini.
Por conta do preço, Navita deixou de comprar empresa de aplicativos no fim do ano passado
Para a PromonLogicallis, o cenário tem levado à procura por aquisições em outros países da América Latina. “Desde a compra da CPM Braxis pela Capgemini [em junho de 2010], os preços subiram no Brasil”, disse Luís Eduardo Cardoso, executivo-chefe da PromonLogicallis na região, em recente evento com jornalistas. Entre os mercados potenciais, Cardoso citou o México, onde a companhia não tem nenhuma operação hoje.
Quando o negócio entre CPM e Capgemini foi anunciado, em uma operação de R$ 517 milhões, especialistas consultados pelo Valor consideraram que ele havia ficado bem acima da média do setor. A estimativa era de que representava cerca de 15 vezes o valor do lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, em inglês) da companhia brasileira. Um múltiplo de 10 vezes é considerado muito alto para operações desse tipo em TI.
Para Sidney Chameh, fundador da DGF Investimentos, é muito pouco provável que uma bolha de preços no setor esteja se formando no país. O executivo diz acreditar que isso é momentâneo. “Os ciclos vão e vêm, não adianta achar que há uma mudança de patamar de preços”, diz.
Por enquanto, porém, os valores mais altos parecem estar mexendo com algumas dinâmicas do mercado. Segundo Luís Motta, sócio da área de fusões e aquisições da KPMG, essa situação parece ser um dos motivos pelos quais poucas empresas de investimento tiveram participação nos negócios realizados neste ano. Quase a totalidade das operações foram acertadas entre empresas, diz Motta, sem a participação de fundos ou investidores externos. Mas isso não significa que haja pouco interesse dos fundos internacionais. A questão é burocrática. “Múltiplos mais altos precisam ser justificados, o que demanda mais explicações e argumentos”, explica o executivo.
Um exemplo de associação entre empresas brasileiras é a fusão entre a Asyst International e a Rhealeza, ambas de suporte técnico em TI. “O mercado vive um momento de alianças e fusões para impulsionar o crescimento”, diz Francisco Blagevitch, sócio e fundador da Asyst. Juntas, as empresas têm quase 2,5 mil funcionários e projetam crescer 20% em 2011, com receita de R$ 120 milhões. A fusão foi negociada depois de as duas terem pesquisado, sem sucesso, empresas para comprar. Mas os planos de aquisição não estão descartados. Segundo Blagevitch, o objetivo é comprar, com recursos próprios, duas empresas até o fim do ano: uma no Brasil e outra no México.
A valorização também não parece assustar o grupo Linx e a Resource. As duas, que já fizeram uma aquisição cada uma entre fevereiro e março, têm planos de concluir novos negócios. Na Linx, estão na meta mais duas ou três aquisições. A Resource planeja duas compras até o fim do ano. Para Alberto Menache, diretor presidente do grupo Linx, o movimento é uma consequência natural do processo de consolidação do setor. “Chega um momento em que as oportunidades ficam mais escassas e as empresas a disposição, mais caras”, afirma. Para não pagar mais caro do que uma empresa realmente vale, há algumas saídas, diz Paulo Caputo, sócio da DLM Invista. Uma delas é aplicar metas de desempenho futuro na negociação. Sob esse modelo, o aporte inicial fica mais baixo, mas o valor pode subir caso objetivos pré-determinados sejam atingidos.
Fonte: Valor Econômico 30/05/2011