O StartupBase, banco de dados da ABStartups, mapeou 127 empresas deste tipo do segmento de indústria no Brasil. De acordo com o Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), a indústria representa hoje 21,5% do PIB do país.
Este número, no entanto, é mais baixo da média dos anos anteriores. O estudo Indústria 2027, realizado pela CNI, revela que apenas 1,6% das 759 corporações consultadas possui processos integrados, ou processos inteligentes que auxiliem na tomada de decisão dos gestores destas indústrias.
Um mercado tão relevante quanto este para o Brasil precisa estar em constante movimento de evolução. Para isso, as startups da indústria 4.0 estão se desenvolvendo cada vez mais no Brasil. Para Elisa Carlos, Gerente de Inovação da ABDI, a conexão entre startups e indústrias já se provou eficiente para aumentar a produtividade da indústria e para iniciar a sua transformação cultural para a nova economia.
“No entanto, chegamos no momento de cruzar o tal abismo dito por Goeffrey Moore (Crossing the chasm) e nos jogarmos na escala. A indústria se depara com a pergunta: como escalar dentro da minha organização a contratação do piloto realizado pela startup? Nem a startup de hardware está pronta para esse crescimento abrupto e nem a indústria está pronta para essa contratação”, diz.
Fomento
No primeiro edital do Startup Indústria, programa de conexão promovido pela ABDI, os resultados para a indústria variaram de 70% de redução da parada de máquina, 20% de redução de custo operacional até 5% de aumento da rentabilidade líquida, em testes-pilotos realizados com as startups do Programa em unidades específicas das indústrias selecionadas.
“Em 2016, quando o Programa foi construído, havia menos de 15 Programas do gênero no País, hoje são mais de 50. A indústria já consegue deixar o processo de compra mais enxuto, o departamento de compliance e o jurídico já não são mais os grandes vilões dessa relação. O board já está mais amigável e começam a surgir budgets para essa relação experimental. A responsabilidade e a pressão por resultados expressivos aumentam significativamente em ambos os lados”, diz Elisa.
Indústria e conectividade
Quando o assunto é a chamada Indústria 4.0, um dos temas frequentes de discussão é sobre o formato da “fábrica do futuro”. Muitos acreditam que este segmento tende a se tornar cada vez mais colaborativo e não necessariamente robótico. Para Bruno Jorge, coordenador de Indústria 4.0 da ABDI, a grande transformação para a indústria é digital, ubíqua e suportada pela conectividade entre dispositivos, sistemas e pessoas.
“A assim chamada quarta revolução industrial, revoluciona e define a sociedade do futuro. Esta transformação já está ocorrendo em diversos setores da economia e em intensidades variadas. A tendência é o uso cada vez mais intenso de dados suportado pela conectividade entre máquinas, processos e pessoas. E não se restringe à mudança tecnológica. Parte dessa transformação possibilita às empresas industriais a oportunidade de utilizar recursos avançados de fabricação e tecnologia da informação (TI) durante o ciclo de vida do produto”, explica.
Toda essa conectividade permite às indústrias uma maior visibilidade de suas operações, o que gera economia de custo e tempo, além da capacidade de fornecer um melhor suporte suporte ao cliente. “A outra parte é focada na mudança social, nas relações de trabalho e nos modelos de negócios. A combinação desses elementos define um conjunto de tecnologias e processos indutores do crescimento da atividade econômica”, afirma Bruno.
Outra tendência para este mercado – levando em conta a conectividade que esta nova geração da indústria traz – é o uso da inteligência artificial. Para o coordenador da ABDI, é certo que as fábricas terão um nível de automação de processos crescente, e a robotização, que é parte da Inteligência Artificial, juntamente com a computação visual (realidade aumentada e realidade virtual), acompanhará essa tendência.
“A colaboração entre máquinas e seres humanos e os sistemas de software é uma característica desse processo de transformação. O principal impacto é a descentralização das decisões. Decidir localmente, em tempo real, baseando-se em dados obtidos dos processos da empresa, sem a necessidade de envolver toda a hierarquia operacional e de forma autônoma pode ser mais rápido, mais barato e mais eficiente. Assim as máquinas das linhas de produção comunicam-se (conectividade suportada pela IoT) e ajustam-se automaticamente (inteligência artificial) para contorno de não conformidades”, completa.
Empreendedorismo
Considerada uma das startups mais atraentes para o mercado pelo ranking 100 Open Startups, a Guiando é uma empresa especializada em soluções para a indústria de telecomunicações. Rodrigo Schittini, cofundador e CEO da empresa, falou ao STARTUPI sobre os desafios e oportunidades deste mercado.
A empresa foi fundada em 2007, com o objetivo de entregar uma gestão completa de custos em telecom para grandes empresas. Hoje, já são mais de 80 funcionários, e entre os clientes da Guiando estão nomes como Grupo Boticário, Amil, Whirlpool, Lojas Americanas, L’Oreal, Stone, FCA (grupo Fiat) e CNHi.
Para o empreendedor, o mercado para startups atenderem à indústria hoje é cheio de grandes oportunidades, porque os processos das grandes corporações costumam ser complexos, e estas companhias veem nas startups uma oportunidade de melhoria neste aspecto. “Ainda que não tenhamos tantos cases de soluções ‘domésticas’ que atingem grande sucesso global, como o mercado brasileiro é enorme, creio que há espaço suficiente para se tornar grande sendo regional”, afirma.
Em 2017 a startup desenvolveu uma solução de gestão e automação de faturas que não se limita a telecom, mas a qualquer fatura recorrente, aumentando o leque de indústrias atendidas pela empresa. “Resolvemos uma dor grande de grandes empresas com grande volume de faturas recorrentes que precisam ser geridas, coletadas, digitalizadas, rateadas e inseridas no ERP. Chamamos de TWM Facilities, e estamos tendo grande aceitação no mercado.”
Ao falar sobre a transformação digital dos processos digitais da indústria, pelo prisma do empreendedor, Rodrigo diz que a mudança de papel do trabalhador já é uma realidade. “A tendência é que cada dia mais trabalhos repetitivos e operacionais deixe m de existir e boa parte da força de trabalho que antes era alocada para estas atividades sejam direcionadas para tratar exceções dos processos automatizados e analisar os resultados e dados destes processos. Entendo que os empregos e funções serão cada vez mais estratégicos e menos operacionais”, completa.
Ecossistema
Um dos pilares do ecossistema de startups são as aceleradoras. Em Santa Catarina, há dois anos, nasceu a primeira aceleradora do Brasil focada em startups de indústria.
Beny Fard, idealizador do projeto, é Líder de Operações do Stanford Research Institute no Brasil desde 2015, e egresso da área industrial. Ele percebeu, na época, a necessidade da indústria brasileira em se reinventar e atender às mudanças do mercado. Por isso, ele e os fundadores começaram as discussões para a criação de um hub de inovação especializado no setor.
Assim, a Spin nasceu em 2017, na cidade de Jaraguá do Sul. “Somos a primeira aceleradora do Brasil com foco em startups – de hardware e software – que atendem o setor de indústria e toda a sua cadeia de valor”, explica o fundador.
Ele explica que a sede da aceleradora na cidade catarinense, de pouco mais de 170 mil habitantes, não se deu por acaso. “Um dos lugares do Brasil com uma característica industrial bacana, e mais desafiadora, é a região do norte de Santa Catarina. Nós decidimos criar a aceleradora aqui porque essa região é uma das mais altamente industrializadas do país”, diz.
Já em 2018 a aceleradora abriu escritórios em Joinville e Blumenau. Neste ano, expandiram suas operações para Curitiba e São Paulo. Hoje, com quase dois anos de atuação, a Spin tem 50 startups em seu portfólio, atendendo diversas verticais da indústria, e cerca de 25% delas são empresas especializadas em hardware.
Verticais
“A gente consegue atender soluções das mais diversas áreas da indústria. O nosso desafio é esse:atender a área têxtil, construção civil, automobilística, bem como toda a sua cadeia de valor, que engloba vendas, compras, marketing, jurídico, etc. É como se a gente causasse transformação digital através de startups em todas as áreas da indústria”, diz.
Hoje, a Spin atua em três diferentes focos: startups, indústria e investidores. Para as startups, há a aceleração, que dura três meses. Há também a possibilidade de investimento pela aceleradora, com um ticket médio de R$150 mil.
Para as indústrias, a Spin oferece consultorias, com o objetivo de capacitar as corporações para se relacionarem com startups e se beneficiarem deste ecossistema. Por fim, os investidores da rede da aceleradora recebem assessoria técnica para que possam investir com mais segurança nas startups do portfólio.
“Todos nós, os sócios da Spin, viemos da indústria, então somos focados em ROI e pragmáticos. Para ajudar os investidores, buscamos dados e, de forma técnica, tomamos decisão. Isso traz aproximação e confiabilidade entre estes três pilares”, afirma o CEO.
Em 2018 a aceleradora realizou seu primeiro evento, o Spin Summit, e este ano ele acontece entre os dias 16 e 17 de outubro, em Jaraguá do Sul. “Será o maior encontro de startups e indústria da América Latina. Nosso desafio é trazer para cá um evento deste porte, fora das cidades convencionais. Queremos mostrar que a nossa região também está se desenvolvendo fortemente em termos de ecossistema de inovação”, conta Beny. São esperados mais de 2 mil participantes, 500 indústrias sendo representadas e mais de 50 startups expondo suas soluções durante o evento.
Tendência
No primeiro semestre de 2019 a Spin realizou um estudo que mapeou o cenário da relação startups-indústria no Brasil. Nele, responderam 295 startups de 22 estados. Com base nestes dados, Beny diz quais são as verticais que mais crescem hoje. “Vemos muito avanço na área têxtil, mas também em startups que trabalham na ‘transversal’. Alguns exemplos são realidade aumentada, logística reversa, manufatura avançada, inteligência artificial e experiência do consumidor.”
O estudo ainda dá uma visão sobre como está o amadurecimento deste mercado para estas startups atualmente. “A informação que mais chama atenção é que apenas 8% das empresas entrevistadas tinham recebido algum aporte de indústria. Isso nos mostra um distanciamento muito grande ainda entre as startups e o retorno que a indústria dá para elas”, explica.
Das startups entrevistadas, 66% atuam com capital próprio. “A indústria ainda não está 100% pronta para receber essas startups. A característica desta indústria ainda é muito verticalizada. São processos lentos. Os comitês das indústrias são autoimunes, o que impede que as startups se aproximem, os departamentos não estão prontos para negociar com as startups.”
“É um trabalho desafiador, não se resolve em escala. Mas somos um dos atores que está preocupado em resolver esse processo no Brasil”, completa. Para acessar o relatório completo, acesse aqui. Marystela Barbosa
Leia mais em Startupi 30/08/2019