30 novembro 2017

Ao lado de seus filhos, Carlos Wizard quer construir novo império

Os gêmeos Charles e Lincoln parecem ter herdado do pai, Carlos, o toque para o empreendedorismo. Já criaram um negócio bilionário com escolas de inglês, academias de futebol, marcas esportivas e fast-food mexicano. Até onde vai o fôlego da família?

Pai, por que você vendeu o seu sonho? Carlos Wizard Martins não soube bem o que responder ao filho caçula, Felipe. Lembrou de quando começou a dar aulas de inglês, na sala de sua casa em 1987, e de como transformou um negócio despretensioso na maior rede de ensino de inglês do Brasil. A venda do Grupo Multi para o britânico Pearson em 2013 lhe trouxe, além de R$ 2 bilhões no bolso, a comprovação do sucesso e do prestígio que todo empreendedor sonha em ter. Com o questionamento do filho, porém, veio o vazio que todo fundador teme sentir ao vender seu negócio. Wizard deixou para trás um grupo que carregava não somente a escola com sua marca e o sobrenome que adotou, mas dez empresas, com meio milhão de alunos.

Carlos Martins – e não mais Wizard – estava bilionário. Porém, após 27 anos de trabalho, desempregado. Para reorganizar a vida e recuperar o fôlego, partiu para um período sabático. Viajou muito, chegou a conhecer 45 países em oito meses. Até que recebeu um chamado. Seus filhos mais velhos, os gêmeos Charles e Lincoln, 37 anos, haviam identificado uma boa oportunidade – e queriam a benção do pai. “Interromper o sabático não me incomodou nem um pouco. Estava feliz, pois logo voltaria ao mundo dos negócios”, diz Carlos. Reunido novamente no Brasil, o trio compraria em 2014 a Mundo Verde, a maior varejista de produtos orgânicos e naturais da América Latina. De lá para cá, a rede saltou de 300 para 400 lojas.

A investida nos orgânicos abriu novamente o apetite dos Martins. Veio a parceria com o ex-craque Ronaldo numa rede de franquias de futebol com mais de cem unidades em cinco países (incluindo China), a compra das marcas Rainha e Topper da Alpargatas por R$ 48,7 milhões, o acordo para trazer a rede de fast-food mexicana Taco Bell para o Brasil, o investimento no setor de cartões corporativos e finalmente a aquisição de 35% da Wise Up, em maio deste ano. Tudo isso em pouco mais de três anos. Grande parte dos negócios está hoje sob o guarda-chuva da holding Sforza – o private equity familiar que carrega o nome dos avós italianos de Carlos.

Aplicando o mesmo método de gestão, baseado em franquias e na busca incessante por escala em todas as empresas que adquirem, eles almejam chegar a R$ 2 bilhões de faturamento em 2018 – o mesmo valor pelo qual a Wizard foi vendida. Na casa dos Martins, a premissa de avô rico, filho nobre e neto pobre soa inverossímil.

Joguei os garotos em uma piscina com tubarões”, diz Carlos, sobre a chegada dos filhos à empresa”

GÊMEOS EM AÇÃO
A casa dos Martins, a propósito, fica em Campinas, no interior de São Paulo. É ampla, com mil m², campinho de futebol e piscina, garagem para uma dezena de carros. Na sala em que os Martins recebem as visitas, há móveis clássicos, um piano de cauda branco que ninguém toca (na sala contígua, há outro, preto, também intacto) e discreta decoração – bege, branco, marrom, a fórmula básica de quem não quer errar. De cores vivas mesmo (ou nem tão vivas assim), só dois grandes vasos de flores de plástico. Não há televisores. Carlos cansou-se deles, prefere “não se deixar contaminar pelo negativismo que impera nos jornais”. Acomodado em um sofá, com as pernas cruzadas, fita o interlocutor com seus olhos miúdos sob óculos de armação transparente. Aos 61 anos, exibe boa forma e adota certa formalidade. Apresenta-se de camisa, calça e sapatos sociais mesmo com o termômetro marcando 34º naquela terça-feira, início de junho. Fala com voz mansa e ritmo lento, mecânico, de quem parece sopesar cada palavra. É a primeira vez que ele dá uma entrevista ao lado de Charles e Lincoln, os estimuladores de sua nova fase empresarial. Os filhos acompanham o trabalho do pai desde a adolescência. Costumavam ajudar na contagem de materiais e na organização das convenções de franqueados da Wizard para ganhar algum trocado – na casa dos Martins, a mesada sempre foi vista como um “dinheiro que deixa o filho acomodado”. Os gêmeos entraram para valer nos negócios em 2001, quando Carlos foi chamado pela Igreja Mórmon para coordenar uma missão na Paraíba, por três anos. O chamado era irrecusável para um homem devoto da igreja desde criança. Ao longo de sua vida, Carlos nunca recusou as convocações divinas, como diz. E não foram poucas.

Seu afastamento provocou uma ferrenha disputa de poder dentro do Grupo Multi, com executivos promovendo boicotes e intrigas para tentar tomar o comando. Foi nesse momento que os gêmeos, então com 22 anos, entraram em cena: interromperam os estudos nos Estados Unidos para, a pedido do pai, assumir a empresa. “Costumo dizer que joguei os dois garotos em uma piscina com água-viva, tubarões e outros perigos”, diz Carlos. “Mas eles se saíram bem, fizeram uma boa dupla. O Lincoln é forte em varejo, atendimento e expansão. Charles, por outro lado, é forte em estratégia, no financeiro e no administrativo.”

A NOVA MISSÃO
Os gêmeos aceitaram o desafio com disciplina e obstinação, características que eles atribuem aos ensinamentos de Carlos e da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Desde pequenos os mórmons são preparados para buscar a autossuficiência, no trabalho ou na família. Frequentam atividades culturais, têm aulas sobre liderança e, a partir das leituras da Bíblia e do Livro de Mórmon, obtêm o “caminho” para a prosperidade. Aos 18 anos, os jovens mórmons têm sua primeira prova de fogo. A igreja os envia à primeira de muitas missões que terão na vida. O destino é imprevisível, depende da necessidade de momento detectada pela igreja. Os missionários passam dois longos anos servindo. Charles foi para Moçambique, Lincoln estabeleceu-se no Texas. “A missão muda a vida deles. É quando praticam inglês, dedicam-se a estudos, comandam projetos. Aprendem a cozinhar, a sair da zona de conforto e a praticar a autossuficiência”, diz Mauro Junot, líder da igreja mórmon no Brasil. Nesse período, eles ficam praticamente incomunicáveis. Não há férias, Natal ou aniversários perto da família. O trabalho para a igreja é realizado sete dias por semana. “O fato de todos nós sermos missionários mórmons ajuda nos negócios. Criamos um ritmo natural de trabalho intenso”, diz Lincoln. “A gente trabalhava 70 horas por semana. Comparada aos tempos de missão, minha vida hoje é super light. Eu tenho finais de semana livres.”

A segunda prova de fogo dos gêmeos viria em 2008. A Wizard era líder do setor de idiomas, com mil escolas espalhadas pelo Brasil. Carlos estava satisfeito. Havia chegado longe, bem longe. Fundou a rede em 1987 na sala de sua própria casa com a ajuda da mulher, Vânia, e começou a fazer sucesso após criar uma metodologia que privilegiava o ensino rápido, com diálogos eficientes. Em tempos ainda sem internet, atraiu alunos que precisavam do idioma para viajar, fazer negócios ou participar de congressos. Foi um dos primeiros a entender o que era franquia e buscou empreendedores, não somente professores, para levar sua marca e método pelo país. O cenário, porém, foi mudando ao longo dos anos. Chegaram concorrentes internacionais, a tecnologia e a internet invadiram as salas de aula e outros empresários brasileiros, como Flávio Augusto da Silva, da Wise Up, entraram no jogo. Charles e Lincoln tentavam convencer o pai a mudar a estratégia. “Eles me disseram que a tendência internacional era de consolidação no mercado, com fusões e aquisições e que, portanto, precisaríamos formar um grupo econômico forte para enfrentar o novo.” Teimoso, Carlos demorou a enxergar qualquer ameaça à sua liderança. Também era reticente em relação a uma expansão acelerada do grupo. “Eu, muito inexperiente, dizia: deixa a concorrência seguir seu rumo e a gente segue o nosso”, lembra o empresário. Os gêmeos então lançaram o argumento final. “Se não tomarmos essa posição, um grupo estrangeiro chegará ao Brasil com muito capital e apetite e irá comprar todo mundo.”

Carlos finalmente aquiesceu e liberou um cheque de R$ 1 milhão para os filhos prospectarem uma empresa de idiomas. O negócio precisava seguir princípios considerados essenciais pelo empresário na hora de fazer negócio: ser uma franquia, ter potencial de escala e bom histórico de vendas. A primeira cartada dos gêmeos foi a Yeski, uma pequena rede do interior de São Paulo. Aquisição feita, Carlos gostou do jogo e deu o cheque para uma segunda tacada. E veio a terceira, com o valor do cheque sempre aumentando, assim como a confiança do trio. O ritmo foi alucinante. Os Martins atacaram até o setor de ensino profissionalizante. Foram dez empresas adquiridas (entre Quatrum, Bit Company, Microlins até as famosas Skill e Yázigi), num investimento total de R$ 400 milhões. Em 2010, o clã se tornava o maior franqueador do país, à frente de O Boticário.

Quando o inevitável deu as caras – o desembarque de grupos estrangeiros, previsto pelos gêmeos –, Carlos não tinha apenas a Wizard. Eram dez marcas, 3 mil escolas, 1 milhão de alunos e 50 mil funcionários – todos agrupados no Multi. O trio preparava a abertura de capital da empresa quando surgiu a oferta bilionária do britânico Pearson, o maior grupo de educação do mundo: R$ 2 bilhões pelas marcas, incluindo, claro, o nome Wizard. Para dissociar seu nome da atual gestão, ele atualmente apresenta-se como “Carlos W. Martins” ou, brincando, de “Carlos Wise Martins”, referência à sociedade recente com a Wise Up. Do lado do Pearson, foi preciso dar uma ajeitadinha no nome. Desde outubro de 2016, as fachadas das escolas exibem o título “Wizard by Pearson”, um endosso para mostrar quem é que está por trás da rede agora. O grupo afirma que respeita a trajetória de Carlos e mantém o “DNA da marca”. “Da relação próxima com franqueados até a metodologia, mantivemos tudo que fez a Wizard chegar até aqui. O que estamos fazendo agora é investir em tecnologia e novas modalidades de cursos”, diz André Quintela, diretor de franquias da rede.

A vida seguiu para a Wizard, agora by Pearson. Para o trio, contudo, o fim de 2013 foi cheio de dúvidas. Charles e Lincoln não sabiam para onde seguir, no que trabalhar. Desde 2011, o trio já tinha estruturado a Sforza, holding para administrar ativos familiares, principalmente no setor imobiliário. “Levou um mês para assimilarmos a venda do Multi, fazer a transição, alocar a carteira e acertar a gestão familiar”, diz Charles. Mas a questão, segundo ele, era: “Vamos viver de renda e da herança dos negócios que construímos ou voltaremos a investir no Brasil?”. A resposta lhe pareceu mais clara quando ele lembrou de uma frase do pai: empreendedor não é funcionário, nunca se aposenta. Vencida a primeira dúvida, veio a segunda: seguir juntos ou separados? Misturar família, religião e negócios nunca pareceu um problema para o trio. Os princípios mórmons estimulam justamente a união familiar como chave para o sucesso. Juntos, portanto, eles teriam uma chance maior. E assim fizeram.

PEQUENO IMPÉRIO
O binômio franquia-escala seria mantido como regra geral para detectar os alvos dos investimentos, mas o leque agora estava muito maior: nada de se restringir ao setor de educação. O que contava era a oportunidade. E a primeira delas foi a Mundo Verde. Três características da franquia atraíram a atenção dos Martins: já era uma marca consolidada, tinha potencial de expansão pelo interior do Brasil e estava inserida no setor de alimentação saudável, que cresce aqui e no exterior. O negócio foi fechado em agosto de 2014, por valor não revelado. Na primeira ação para turbinar as vendas, Carlos sugeriu aos franqueados a contratação de uma nutricionista para orientar os clientes. Também fez mudanças no alinhamento das gôndolas – o formato anterior criava um labirinto que dificultava a circulação de pessoas e a exposição dos produtos. A alteração, segundo ele, aumentou em 20% as vendas. Sob a gestão dos Martins, a franquia saltou de um faturamento de R$ 400 milhões para R$ 530 milhões em dois anos.

Também em 2014, Carlos foi convidado pelo ex-jogador Ronaldo e outros investidores para comprar um time de futebol, o Strikers, na Flórida. Gostou da ideia, mas já não tomava mais nenhuma decisão empresarial sem consultar os filhos. Levou a proposta para análise, esperando o sinal verde dos sócios. A resposta foi negativa. “Não vamos fazer parte do time americano. Se for para ter uma parceria com o Ronaldo, que seja para fazer algo que conhecemos”, disse Charles. Nasceu assim a franquia de escolas de futebol para jovens e crianças, com a assinatura do ex-craque. Carlos guarda com carinho uma frase que ouviu de Ronaldo sobre a tabelinha empresarial: “Eu sou o fenômeno do futebol e você é o fenômeno das franquias”. A Ronaldo Academy já tem 32 unidades em operação e outras cem já contratadas, no Brasil, EUA, Colômbia, México e, principalmente, na China. É para lá que Carlos e Charles viajaram muitas vezes com o jogador para fechar novos acordos – aproveitando a fluência de Carlos no mandarim e o frenesi que Ronaldo causa em qualquer lugar do mundo. A meta da empresa é alcançar 200 unidades franqueadas até o final de 2018.

O êxito da parceria inspirou Lincoln, são-paulino, e Charles, palmeirense, a buscar replicar o modelo com clubes brasileiros. Quem saiu na frente foi Charles. Contatou seu amigo Paulo Nobre, ex-presidente do clube, e propôs o negócio. Descobriu que o Palmeiras tinha uma lista com 200 interessados em abrir uma escola de futebol com a sua marca. Mas, ao que parece, os interessados não tinham um plano estruturado para atender à demanda. Charles tinha. Em outubro de 2016, foi lançada a Academia de Futebol Palmeiras, focada no ensino para crianças e jovens, de 6 a 18 anos. A parceria inclui loja licenciada da marca. Animados com os resultados, os gêmeos agora planejam repetir a dose com outros times brasileiros – Charles não descarta, inclusive, trazer uma franquia de um clube internacional.

Charles também conduziu outro importante movimento do grupo: a compra das marcas Rainha e Topper, da Alpargatas, por R$ 48,7 milhões. O acordo não envolve fábricas, seguindo a premissa de Carlos de só cuidar daquilo que é “atividade-fim” – as vendas. O trio vê um enorme potencial em retomar o prestígio dessas marcas no setor de calçados e também na linha de vestuário. A operação foi realizada por meio da BR Sports, sociedade de Carlos com o empresário Marcos Buaiz. Quase na mesma época, enquanto Charles costurava a transação com a Alpargatas, Lincoln já comemorava o êxito em outra missão: trazer a rede de fast-food de comida mexicana Taco Bell para o Brasil. Na primeira abordagem, ouviu um “retumbante” não dos americanos. “O Brasil não está em momento oportuno, a economia está mal e o cenário político também. Não queremos a expansão”, disse um dos diretores da rede. Lincoln insistiu.

Cresceu vendo o pai vendendo, comprando e investindo em tempos de crise. Ele confiava nos bons números que o fast-food brasileiro apresentava a despeito dos maus ventos no país, e voltou aos EUA levando planilhas com dados e estatísticas que pudessem convencer os americanos. No final de 2014, recebeu o aval da rede. Partiu para um treinamento de três meses com os funcionários, vestiu o uniforme, montou tacos, aprendeu a ser um “Bell”. A meta inicial era abrir três lojas próprias em 2016, seis em 2017 e oito em 2020. Só depois, eles poderiam começar a franquear. Com nove meses de operação, contudo, a rede já soma 14 unidades no Brasil.

METAS SUAVES
A obsessão de Carlos em definir metas claras e objetivos alcançáveis – herança dos tempos de Wizard – é compartilhada pelos filhos em todos os negócios em que atuam. É melhor projetar menos e surpreender do que não entregar e decepcionar. Qualquer anúncio na mídia vem recheado de números – Carlos sabe marquetear as conquistas de suas empresas. Como as metas são factíveis e, na maioria das vezes, superáveis, cria-se uma sensação de permanente sucesso. “Ele usa a mídia de uma forma muito sábia. Você não o vê na coluna social, na vernissage. Sempre aparece ligado a negócios. Adquire, assim, a aura do cara que sempre dá certo, de quem fundos, bancos e investidores querem estar por perto”, diz Marcelo Cherto, especialista em franquias. Mas os reveses sempre aparecem na história de qualquer empreendedor. Aos 22 anos, Carlos abriu uma lanchonete e logo depois uma sorveteria. Ambas faliram. Aos 41 anos, quando completava dez anos de Wizard, viu que o crescimento das unidades não se convertia em fluxo de caixa. Carlos foi avisado pela mulher de que havia apenas R$ 3 mil na conta. E a Wizard tinha 200 lojas. A partir daí, ele mudou tudo. E a escola decolou.

Os gêmeos são vistos no mercado como fiéis seguidores do pai: competentes no franchising e donos de um perfil agressivo para os negócios. Também creem, seguindo a cartilha de Carlos, que o modelo de franquias é o mais “rentável” e “seguro” que existe. A lógica dos Martins é simples: crescimento rápido, adubado com investimentos de terceiros, e risco transferido para o outro lado do balcão. Se o franqueado vai bem, a tendência é montar novas unidades – é o ganho de escala. Se vai mal, a conta fica com ele mesmo. Parece à prova de erros. Não é. Por dois motivos: um deles, mais abrangente, é que o setor de franquias perdeu força em 2016, como veremos adiante. O outro, particular, é continuar a olhar o cliente da mesma forma que o pai olhava há dez anos. “Os filhos seguem um sistema de gestão familiar nos negócios baseado em moldes antigos, dando sequência a tudo aquilo que o pai criou e que um dia, na história, deu certo. É um modelo que se perpetuava anos atrás, mas que não necessariamente garante o futuro”, diz Hugo Tadeu, especialista em empreendedorismo da Fundação Dom Cabral (FDC). Sobre a diversificação atual do grupo, Tadeu a considera uma boa ação, principalmente em tempos de crise. “Mas é preciso pensar no longo prazo e estruturar o modelo das empresas, tornando-as maduras e sustentáveis, independentemente da visão familiar.”

No Brasil, o franchising vinha crescendo acima de dois dígitos entre 2009 e 2013, segundo levantamento de Cherto. Mas o ano de 2016 foi ruim: saldo de 4 mil franquias (diferença entre as abertas e as fechadas), ante uma média de 10 mil nos anos anteriores. A perspectiva para 2017 é voltar a subir para 8 mil unidades. “O franchising tornou-se uma alternativa para os desempregados e para aqueles executivos que querem ter um plano B”, diz Cherto. Investir em uma franquia, contudo, não é para qualquer um. Quantos desempregados têm hoje, por exemplo, R$ 2 milhões para pagar em uma franquia da Taco Bell, R$ 500 mil na da Mundo Verde ou R$ 300 mil em uma escola de inglês? Charles, Lincoln e Carlos sabem que, para continuar vendendo, precisam oferecer opções mais acessíveis aos candidatos a empreendedores.

Em fevereiro, a Sforza lançou, no setor de cosméticos, a Aloha, comandada pelas filhas de Carlos, Thaís e Priscila Martins, com foco na venda direta de óleos naturais. É a estreia da família neste mercado que faturou R$ 29,5 bilhões em 2016, segundo a Abevd (Associação Brasileira de Empresas de Vendas Diretas). Com baixo investimento inicial (R$ 1,5 mil), a meta da Aloha é montar uma rede de distribuidoras de 100 mil pessoas até 2022. Entre outros negócios promissores e de maior peso da Sforza está também a Hub Prepaid, focada na área de cartões pré-pagos para atender varejistas e até o governo. Tem contratos com o Magazine Luiza, o BNDES e parcerias com a Caixa em vários projetos. Segundo Carlos, o negócio, estruturado por Charles, é avaliado pelo mercado em R$ 1,5 bilhão.

Com as franquias, você cresce rápido  e transfere o risco para o outro lado. Esse é o modelo dos Martins”

FÉ NOS NEGÓCIOS
É difícil separar o modo como os Martins veem os negócios da fé que carregam – outra forte herança do pai, mórmon desde os 12 anos. Formado em administração pública em Harvard, Charles hoje é sócio-fundador da Mundo Verde; já Lincoln, CEO da Sforza, estudou na Brigham Young University, localizada no estado de Utah (EUA). Ele seguiu os passos de Carlos e foi estudar na região considerada sagrada para a igreja. Foi para lá que o profeta Joseph Smith migrou após “restaurar” a religião fundada por Jesus Cristo em 1830, montou bases e atraiu seguidores. A igreja é hoje a 4ª maior dos EUA, com 9,1 milhões de adeptos. Entre eles, gente famosa no mundo corporativo, como David Neeleman, fundador da Azul Linhas Aéreas, Eric Varvel, do Credit Suisse, e o guru da inovação, Clayton Christensen.
Os mórmons acreditam que o progresso é eterno. “Essa vida é uma passagem e nós viemos para cá com o propósito de progredir”, diz Manoel Amorim, mórmon e ex-presidente da Telefónica e Ponto Frio. Os mórmons também creem que a família cria vínculos eternos, que ultrapassam o “até que a morte nos separe”. Uma briga, portanto, é carregada para além do túmulo. Quando questionado hoje sobre qual o tamanho de sua fortuna – que não aparece nas listas dos mais ricos –, Carlos sorri e mostra um grande retrato de sua família, com seis filhos e 16 netos.

“Todos os nossos fundamentos religiosos pressupõem a integridade do indivíduo. E se não tiver integridade, não há negócio duradouro. Um segundo princípio é o de servir sempre. Quando os empregados de uma empresa têm esses fundamentos, há uma grande diferença no resultado final”, diz Carlos. A religião é frequentemente chamada de “pró-business”, não apenas por estimular o crescimento pessoal e profissional de seus integrantes, sempre de modo colaborativo, mas também por sua estrutura hierárquica e organizada em “missões”. Há um presidente e 12 apóstolos no comando. E grande parte dos adeptos (no Brasil, há 1,3 milhão de mórmons) doa 10% de toda a renda à igreja – Carlos e sua mulher, Vânia, pagam este dízimo há décadas. Os filhos seguem a tradição.

Com jeito mais despojado e menos formal que o irmão, Charles é visto como o mentor das fusões e aquisições que o trio vem realizando nos últimos anos. Exibe uma liderança natural e faz negócios por meio de relacionamentos. “Fazemos o que chamo de friendly acquisitions [aquisições amigáveis]. Normalmente conhecemos o dono de um negócio. Não temos consultor e nem damos mandato para banco de investimento prospectar para nós”, diz Charles. Foi assim que ele chegou até Flávio Augusto da Silva. E, por “sua culpa”, conseguiu fazer o que o pai não conseguira em duas tentativas: comprar, ao menos parte, da Wise Up. Charles avisou Flávio de que a cláusula de não competição do pai estava para vencer e começou a conversar sobre oportunidades futuras no setor de educação. Aproximou os dois aos poucos até que, em um jantar em Orlando, Carlos foi questionado por Flávio se sentia saudades de empreender no mercado de idiomas. “Tenho. E muita!”, respondeu. A sociedade seria selada ali mesmo – 35% por R$ 200 milhões. “Esse setor tem um potencial não explorado no Brasil. Apenas 3% da população fala inglês fluente no país”, diz Carlos.

O capital vem em boa hora. Nos últimos dois anos, Flávio Augusto promoveu uma ampla reestruturação após recomprar a empresa que fundou em 1995. Cabe lembrar que ele havia vendido a Wise Up em 2013, por R$ 1 bilhão, para a Abril Educação. O futuro que eles vislumbram para a Wise Up segue a mesma estratégia adotada pelo Grupo Multi em 2007: aquisição atrás de aquisição. A primeira ocorreu no mês passado: a rede mineira Number One. Dois outros negócios, de perfil semelhante, deverão ser anunciados nos próximos meses. Todos, incluindo a Wise Up, ficarão sob o guarda-chuva da Wiser Educação. Com o novo sócio, Flávio quer crescer a toque de caixa. “Se esses dois negócios saírem, nós devemos bater a meta anunciada para a Wiser em 2020 – de chegar a mil unidades – ainda em 2017”, diz. A holding soma atualmente 455 unidades. Eles sabem fazer marketing.

Charles e Lincoln trabalhavam sem folga nas missões mórmons. Ter fim de semana livre, hoje, é luxo”

QUAL É O SEU SONHO?
Potencial para crescer existe. Em 2016, segundo dados da consultoria de educação Hoper, o faturamento do setor de idiomas foi de R$ 5,8 bilhões, 10% do que faturou o de educação superior no país. As condições para vender e faturar mais, porém, mudaram. A renda per capita é menor, o desemprego chegou a 13,7% e a oferta atual de ensino online é imensa. “Hoje os jovens têm uma série de tecnologias para aprender, que não exigem uma sala de ensino. É o fone de ouvido do MIT, é o curso online, os aplicativos do celular”, diz Tadeu, da Dom Cabral. Vender matrículas, portanto, pregando a maior inclusão do ensino, pode não ser mais a saída. Se a premissa de Carlos e Flávio sempre foi a de inovações pontuais no sistema de franquias para ganhar escala e entregar o produto a milhões de pessoas, o mercado atual exige pensar de forma distinta. “O modelo de fusão e aquisição pode até garantir um retorno no curto e médio prazos. Mas nossos estudos com fundos internacionais mostram que ele não se sustenta após dez anos. O faturamento cai”, diz Tadeu. “Duas grandes empresas do setor de idiomas, financiadas por fundos grandes, estão desenvolvendo cursos por demanda no Brasil e inovando em processos de ensino.” Talvez seja o caso de Charles e Lincoln chamarem o pai para uma nova versão de uma velha conversa: “Precisamos formar um grupo mais forte para enfrentar o que vem pela frente”. Ao que parece, Carlos vendeu seu sonho para que os filhos realizem outros. Deve estar aí a resposta para o caçula Felipe. Leia mais em ecponegocios 29/11/2017

30 novembro 2017



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