Ampliar a inclusão financeira permanece um desafio global. Dados do Banco Mundial mostram que, em média, nos países menos desenvolvidos apenas 43% da população utiliza contas correntes. No Brasil, houve avanços e esse número atinge 68%. Entretanto, ainda estamos longe de uma situação de mercado na qual a oferta de serviços financeiros é adequada à realidade daqueles de menor renda. Dentre outras razões, porque a concentração bancária é elevada.
Os quatro maiores bancos do país detêm cerca de 80% das operações de crédito na economia e o incentivo para ampliação de empréstimos não ligados ao consumo é baixo, especialmente em um momento de crise. Além disso, o sistema bancário é tradicionalmente reconhecido como conservador na adoção de novos modelos de negócio, apesar de inovador na incorporação de novas tecnologias.
Diante disso, uma novidade recente está mobilizando o mercado de serviços financeiros: as Fintech. Trata-se abreviação do termo "Financial Technology", usado para identificar empresas recém criadas (start-ups), dirigidas por jovens empreendedores e apoiadas no uso intensivo de plataformas tecnológicas para oferecer serviços financeiros por meio de modelos de negócio inovadores para clientes jovens e aos precariamente atendidos pelo sistema financeiro tradicional. Alguns exemplos: empresas de pagamento, cartões de crédito, empréstimos entre pessoas, sem a presença de bancos (peer to peer) e alocação de investimentos.
É grande a demanda por serviços financeiros mais eficientes e apropriados. Hoje tal demanda não é atendida
Nos Estados Unidos, as Fintech atraíram US$ 12 bilhões de investimentos somente em 2014, contra US$ 4 bilhões em 2013. Por lá, espera-se que a velocidade de crescimento continue alta, tanto pelo gigantesco tamanho do mercado de serviços financeiros como pela capacidade de agregar valor por meio de ganhos de eficiência. De fato, nesses novos modelos, os custos de transação tendem a ser menores do que aqueles incorridos no setor bancário tradicional.
Além disso, novas formas de avaliação de risco podem surgir a partir do uso de informações "alternativas", como as mídias sociais em geral ou empresas de comércio eletrônico, que podem alimentar modelos de risco de crédito inovadores e capazes de incluir os menos favorecidos.
Obviamente, não se trata aqui de decretar o fim dos bancos. As Fintech podem por um lado representar uma ameaça, por outro podem ser um espaço para o desenvolvimento de parcerias e soluções inovadoras. Em alguns casos, a tecnologia pode ser uma alavanca para as próprias operações tradicionais, por exemplo, volumes transacionados com cartões de crédito. Ademais, algumas dessas empresas serão incorporadas pelos próprios bancos.
No Brasil, estima-se haver 400 Fintech, entre aquelas efetivamente em operação e em estágio de desenvolvimento. O Valor (20/03/16) noticiou que, apenas durante um evento voltado para criação de soluções novas em serviços financeiros, 16 projetos foram elaborados, sendo 3 deles escolhidos para premiação. Um dos projetos envolve uma solução de pagamento para população de baixa renda: uso de linha pré-paga de celular para pagamento de água, luz e telefone.
Alguns modelos de negócio já existentes, apesar de não concebidos originalmente para o atendimento da população excluída, podem evoluir de forma a fazê-lo. É o caso do cartão de crédito Nubank, criado há cerca de um ano e meio, cuja fila de espera é de nada menos do que 70 mil pessoas, a maior parte clientes de outros cartões. O grande interesse advém dos custos menores e da possibilidade de resolver qualquer pendência pela internet. Outra vantagem é incluir um aplicativo no celular que oferece informações detalhadas sobre os gastos realizados no plástico. Embora os juros cobrados no cartão ainda sejam elevadas, o acúmulo de informações sobre os usuários pode propiciar reduzir as taxas no médio e longo prazo.
O sucesso desse e outros modelos é emblemático. Há uma grande demanda por serviços financeiros mais eficientes e apropriados. Hoje, tal demanda não é atendida pelo sistema financeiro tradicional brasileiro.
iStock/Getty Images
Trabalhando em parceria com os grandes bancos ou desafiando-os em seu próprio mercado, as Fintech já ocupam um espaço importante no Brasil, em particular naqueles mercados em que o sistema bancário tem tido menor capacidade de atender às demandas dos clientes. Uma parcela significativa dessas iniciativas miram o mercado de pagamentos no varejo, cuja ineficiência tem sido frequentemente destacada em relatórios do Banco Central.
Outras áreas de concentração para as Fintech são os serviços de apoio financeiro e os de crédito para pequenos empreendedores, tradicionalmente pior atendidos pelos bancos. Junto com esses segmentos, investimentos, seguros, e até operações com Bitcoin, estão entre as áreas de atuação das Fintech brasileiras.
Um fator crítico para o sucesso das Fintech é a obtenção de escala. Não basta ter uma boa proposta de valor e um uso inovador da tecnologia. É preciso alcançar uma massa crítica de usuários que permita a sustentabilidade do empreendimento. Como em qualquer outro modelo de negócio, espera-se que muitas Fintechs não prosperem. Entretanto, aquelas que passarem pelo teste de fogo do mercado podem revolucionar os serviços financeiros.
Na década de 70, um conjunto de inovações, tais como uso de agentes de crédito e empréstimos em grupo, impulsionou o crescimento do microcrédito e teve efeitos sobre a vida de milhões de pessoas mundo afora. Quase 50 anos mais tarde, pensar fora da caixa permanece a mola propulsora da inclusão financeira e é possível afirmar que as Fintech já são mais do que uma simples promessa.
Lauro Gonzalez é professor da EAESP-FGV e Coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV.
Eduardo Diniz é professor da EAESP-FGV e pesquisador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV.
Adrian Kemmer Cernev é professor da EAESP-FGV e pesquisador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV. - Valor Econômico Leia mais em portal.newsnewt 31/03/2016
31 março 2016
Concentração bancária e a promessa das 'Fintech'
quinta-feira, março 31, 2016
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Ruy Moura
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