24 agosto 2011

Lições negligenciadas: o que não fomos capazes de aprender com a crise financeira?

Cerca de dois anos depois do colapso financeiro de 2008, será que diminuíram os riscos para a economia mundial? Ou será que as condições que culminaram com a crise ainda persistem? Essas e outras questões estiveram entre os principais tópicos debatidos em um congresso intitulado "Risco Global: Novas Perspectivas e Oportunidades" realizado na Wharton pelo Penn Lauder CIBER (Centro de Educação e Pesquisas Internacionais) e Universidades Santander. O consenso foi que conseguimos dar conta das ameaças imediatas, mas os responsáveis pela instabilidade a longo prazo continuam em ação.

Nouriel Roubini, economista da Escola de Negócios Stern da Universidade de Nova York, chamou atenção para o fato de que entre os principais riscos para a economia americana estão a "desalavancagem do setor imobiliário, o elevado índice de desemprego, possível melhora e nova queda no setor de moradia, problemas nacionais e locais e a paralisia do Congresso". Adiar a resolução dessas dificuldades pode levar o mercado de títulos a uma situação de revolta. "Os mercados emergentes estão crescendo rapidamente", disse Roubini, acrescentando que existe o perigo de superaquecimento.

Seguem abaixo alguns trechos colhidos do relatório do congresso. O texto integral pode ser baixado aqui.

Há um consenso cada vez maior entre os especialistas de que as condições subjacentes à crise continuam de pé. Soubemos responder às ameaças imediatas do colapso financeiro e com isso evitamos situações ainda mais devastadoras, porém os responsáveis pela instabilidade global de longo prazo continuam em ação.

Na verdade, a crise acelerou tendências antigas que podem trazer volatilidade e confusão como, por exemplo: a ascensão das economias emergentes, algumas das quais estão superaquecidas e podem ser vítimas do estouro de suas bolhas "mais cedo do que imaginamos" — explica Yasheng Huang, professor da Escola de Administração Sloan, do MIT —; mudanças na composição da idade da população, possível ascensão do nacionalismo e/ou protecionismo; capacidade limitada dos governos extremamente endividados de países ricos de lidar com os demais problemas econômicos; competição acirrada por recursos naturais escassos e energia, entre outros. "Concluímos que muitas das causas subjacentes à crise não foram tratadas, o que constitui uma possível ameaça da pior espécie", disse Ann Harrison, professora da Universidade da Califórnia em Berkeley.

As intervenções do governo, observou Stijn Claessens, diretor assistente de pesquisas do Fundo Monetário Internacional, foram em grande parte do mesmo tipo já observado em crises passadas — "injeção de liquidez, recapitalização dos bancos —, sendo que os erros também foram os de antes. Ao avaliarmos hoje a situação, é preciso admitir que não fomos tão longe quanto deveríamos no que diz respeito à reforma e à reestruturação".

"O vetor inicial de contágio", disse Richard Herring, professor de finanças da Wharton, "se deu quando o Paribas se recusou a pagar o que devia, aí então os bancos perderam a confiança uns nos outros. O financiamento das operações comerciais depende em grande medida da confiança. Perdemos um ano inteiro tentando interpretar o que havia ocorrido como crise de liquidez, mas para os bancos era evidente que se tratava de uma crise de solvência. Os bancos centrais estavam todos inundando de dinheiro os mercados em vez de lidar com o problema da solvência".

"Países inteiros podem ter taxas de descontos destrutivas", disse Jack Goldstone, professor de finanças públicas da Universidade George Mason, "se decidirem privilegiar ativos futuros de curto prazo em vez de optar pelos de longo prazo. Os tigres do leste asiático passaram por um processo de desenvolvimento bem-sucedido porque, entre outras coisas, tiveram a sorte de ter líderes que tinham em alta conta seus países e estavam mais preocupados em elevá-los à posição de destaque no plano internacional do que em granjear poder e posição. Estender esse pensamento a um país inteiro pode ser tarefa da liderança ou decorrência de eventos que mudem a taxa de desconto. Continuamos a cometer os mesmos erros porque aparentemente não dispomos de uma alavanca que, ao ser acionada, sinalize: 'Eis aqui o que pode acontecer ao longo de 30 anos.' Em vez disso, temos outra com a seguinte interpelação: 'O que a posteridade já fez por mim'? Essa tem sido nossa atitude".

"Seria interessante saber se há uma diferença categórica entre democracias e não democracias", disse Bruce Carruthers, professor de sociologia da Northwestern University, "principalmente no âmbito das democracias cujas populações estão em processo de envelhecimento — as pessoas mais velhas exigem mais dos recursos disponíveis, mas têm também maior peso político, o que nos permite concluir que as soluções políticas para esse problema se tornarão mais complexas nas democracias —, talvez não tanto em outros sistemas políticos".

Claessens observou que não existem, por enquanto, "instituições sólidas o bastante que limitem o crescimento de bolhas a partir do momento que elas se tornam mais arriscadas. Não contamos com uma governança regulatória suficientemente bem desenvolvida, não existe um controle para a contratação de ex-funcionários do governo por empresas privadas, prestação de contas e supervisão adequada".

Harold James, professor de história de Princeton, também acha que as causas da crise continuam presentes. "Embora o mercado imobiliário não seja um problema tão significativo, os pobres continuam a contrair muitas dívidas. Desta vez através de endividamentos de outra espécie, como cartões de crédito, para compensar a diminuição da renda."

Em vez de dar maior poder de fogo às agências de avaliação de risco, James disse que elas deveriam ser eliminadas. "Acabar com as agências de risco seria um passo importante." Como elas dividem basicamente o mesmo leito com os emissores, "tornam-se, por isso mesmo, tão importantes para os resultados do mercado", observou.

"Há um esforço no sentido de lidar com a questão de incentivos errados dados a bancos e instituições grandes demais, mas não se pode fazê-lo de uma hora para a outra. Pode ser até que a geografia da próxima crise financeira seja um pouco diferente, o que não seria de surpreender. Elas não ocorrem exatamente no mesmo lugar", acrescentou James.

"Com relação aos desequilíbrios globais, houve uma ligeira retração no que se refere à grande recessão, mas não um fechamento completo de posições", observou James. "Isso é bom, porque se o fechamento persiste, teremos uma reversão de fluxos globais — o que é exatamente o tipo de coisa que alimenta a Grande Depressão, e não uma recessão apenas. Eles, porém, estão aumentando e, além disso, estamos numa era em que o dinheiro barato alimenta os novos booms de commodities e de ativos. Portanto, o problema é que ainda vivemos num mundo que produz crises."

Tudo igual em Wall Street

De acordo com Nouriel Roubini, professor da Escola de Negócios Stern da Universidade de Nova York, "o problema do sistema financeiro de Wall Street não foi resolvido. As pessoas citam muito a lei Dodd-Frank [lei de reforma de Wall Street e de proteção ao consumidor americano assinada em 2010], mas será que mudamos mesmo o sistema de salários? Será que lidamos com o problema da governança corporativa? Dividimos os bancos comerciais, as instituições mais arriscadas do shadow banking [que não se reportam aos órgãos de regulação bancária] e os bancos de investimentos? Não, portanto o problema continua".

Os EUA, disse Roubini, correm o risco de ter uma recuperação anêmica. "No momento em que o setor público entrar em processo de desalavancagem — se isso, de fato, acontecer — elevando os impostos, reduzindo as transferências de pagamentos, cortando gastos, ele deflagrará necessariamente um novo round de desalavancagem no setor imobiliário. Além disso, o mercado de trabalho está melhorando, mas o desemprego continua alto demais."

A maior parte dos congressistas presentes acredita que a recuperação incipiente está ameaçada pelo retorno "à mesma forma de fazer negócios" em Wall Street, com poucas mudanças nos salários dos executivos, talvez uma maior concentração de risco e uma piora no que diz respeito ao problema de empresas "grandes demais para falir", sem falar da prática obstinada do shadow banking.

Dívida soberana

Outra questão a ser monitorada de perto, disse Roubini, é o risco soberano nas economias avançadas. "A dívida pública aumentará mais de 100% em relação ao PIB nas economias mais avançadas nos próximos dois ou três anos", observou. "Portanto, a questão do risco soberano, da redução dos déficits orçamentários e da estabilização da dívida pública não são apenas desafios para a região da zona do euro; serão também os principais desafios que as economias avançadas terão de enfrentar."

Diversos fatores, sobretudo nos EUA, merecem consideração, disse Roubini, como "a desalavancagem do setor imobiliário, o índice elevado de desemprego, retomada e nova recessão no setor imobiliário, problemas nos governos nacionais e locais e a paralisia do Congresso". Adiar a solução desses problemas pode provocar uma revolta no mercado de títulos. Os países com elevado grau de desenvolvimento são outra fonte de risco. "Os mercados emergentes estão crescendo rapidamente", disse Roubini, salientando que existe o perigo de superaquecimento. "Eles demoraram a adotar uma política monetária mais rigorosa e foram lentos também na hora de recorrer às taxas de câmbio para controlar a inflação, e agora a inflação está subindo. Em muitos desses países, dois terços da cesta de consumo corresponde à energia, alimentos e transporte. Portanto, ou se mantém o crescimento elevado por razões políticas ou se controla a inflação."

Na periferia da zona do euro, a questão não é meramente de dívida pública, disse Roubini. "Vários dos sistemas financeiros estão com problemas, principalmente em países onde a bolha imobiliária estourou. Eles precisam limpar os bancos e é possível que tenham de reestruturar o passivo e lidar com os ativos de amortização duvidosa.

Esses países exportavam bens de baixo valor agregado e de mão de obra intensiva e perderam participação de mercado para a China, Europa central e outros mercados emergentes. Os salários estavam subindo mais depressa do que a produtividade. O volume de déficits em conta corrente aumentou e o último prego no caixão foi colocado pela valorização excessiva do euro. O que farão esses países para restaurar a competitividade e o crescimento? Embora o risco de colapso na zona do euro seja bem menor do que há um ano, os problemas apontados são crônicos e levarão anos para serem solucionados."

A melhor solução talvez não seja a mais palatável, disse Roubini. "A crise começou com um volume de dívida muito grande no setor privado; a socialização dos prejuízos privados provocou o endividamento público. Algumas dessas dívidas soberanas cresceram a tal ponto que perderam acesso ao mercado. Agora temos as instituições suprassoberanas — FMI, BCE etc. — socorrendo a dívida soberana dos países. Portanto, estamos empurrando os problemas para frente: dívida privada, dívida pública, dívida supranacional. Bem, certamente não virá ninguém da lua ou de Marte para socorrer o FMI, o Banco Central Europeu etc."

Roubini disse que há, basicamente, quatro opções: "A primeira delas é fazer crescer o denominador — ter um volume suficiente de crescimento econômico. No entanto, devido ao endividamento elevado do setor privado e do setor público, o crescimento econômico será moroso, portanto não conseguiremos sair do problema da dívida. A segunda opção seria poupar mais. Mas se, de repente, todo o mundo passar a consumir menos e a poupar mais, a demanda cairá, a produção diminuirá e com isso o índice da dívida/PIB crescerá novamente. A terceira opção seria a inflação — mas isso leva a muitos outros prejuízos secundários. A quarta opção é a mais realista de todas: reestruturação da dívida. Até agora preferimos não reestruturá-la, mas isso poderá ser necessário em algumas situações."
Fonte:whartonuniversia10/08/2011


24 agosto 2011



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