Com uma das indústrias mais desenvolvidas do planeta, Brasil já tem quase 200 startups de agricultura. Mas ainda não é protagonista deste processo de transformação digitalAGRITECHS
Rastreador bovino pode monitorar se o animal se desenvolveu normalmente e se houve contato com animais com doença| Foto: Divulgação/Grupo GVQ/Carolina Rossi Alvarenga
Nas últimas décadas, o Brasil passou de um importador líquido de alimentos para uma potência agrícola. O país é o maior produtor mundial de suco de laranja, café e açúcar, e segundo em soja, etanol e carne bovina. Mas o país ainda não assumiu o protagonismo na nova era de revolução no campo, a da agricultura 4.0. O número de startups agrícolas no país é metade do encontrado em Israel, país com área 400 vezes menor do que a brasileira — e que só tem 20% do solo arável.
Nas exportações, o país lidera em soja, carne bovina, aves, café, açúcar, etanol, suco de laranja, e vem em segundo lugar no milho. Tudo isso foi resultado de investimentos em ciência e tecnologia, a partir dos anos 1970, com a criação da Embrapa. Mas o desafio agora é acompanhar a nova revolução tecnológica. Hoje é possível monitorar a umidade do solo, temperatura e umidade relativa do ar por meio de sensores instalados no campo. Com fotos de drones e imagens de satélite de alta resolução, pode-se estimar a produtividade.
Máquinas agrícolas enviam informação em tempo real para um servidor na nuvem e para o smartphone. Combinando essas informações com mão de obra qualificada para interpretar os dados, é possível adiar a adubação de uma plantação antes de uma forte chuva, para evitar o desperdício do adubo que seria levado pelas águas.
A agricultura tem potencial para posicionar o Brasil como protagonista mundial, avaliam especialista do ecossistema de inovação. O país conta com, pelo menos, cinco startups consideradas “unicórnios”, avaliadas em mais de US$ 1 bilhão. Nenhuma delas é da área de agricultura.
“Esse é o movimento mais importante do mundo. Há iniciativas em Israel, Canadá, EUA e União Europeia, mas nenhuma delas está situada num ambiente agrícola complexo como o do Brasil”, analisa Sérgio Marcus Barbosa, gerente executivo da EsalqTec.
Incubadora vinculada à Universidades como a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) de Piracicaba, a EsalqTecjá apoiou 111 empresas em três categorias: pré-incubadas (fase da ideia), empresas residentes, e associadas, desde 2006. Dessas, 14 já foram graduadas. A Unesp, de Botucatu; e a USP, de Pirassununga também mantêm programas de apoio às startups agrícolas.
“Temos dois objetivos: colaborar para que o conhecimento gerado na universidade retorne como inovação e apoiar as iniciativas de empreendedorismo da comunidade”, ressalta Barbosa. Ele diz que, no início, o foco era a biotecnologia. A partir de 2013, começou o movimento da agricultura digital, baseado na conectividade dos processos e no uso de plataformas tecnológicas. Das 111 empresas apoiadas, pelo menos 30% são de agricultura digital. Entre as empresas estão @Tech, SmartSensing Brasil, Promip, Agronow, Smartbreeder, Abribela, SmartAgri.
Mapeamento das agtechs
Mapeamento recente da Abstartups encontrou 182 startups especializadas em tecnologia para o agronegócio — chamadas agtechs, agrotechs ou agritechs.A maior parte (81 empresas, ou 44%) oferece soluções de sistemas para otimização da produção agrícola nos processos e utilização de hardware (drones e sensores) para gestão. Em seguida vêm as plataformas de comercialização (40 startups, ou 22%).
As demais são gestão de dados agrícolas e analytics (15%); plataformas de rastreabilidade e segurança alimentar 9%; ferramentas de comunicação e interação 7%; biomateriais, bioenergia e biotecnologia 3%. A maioria, 76%, atua na modalidade de software como serviços (SaaS); 11% fornecem hardware; 10% atuam como marketplace; e as modalidades de consumer, advertising, e relacionamento representam 1%, cada.
Mas o Brasil ainda precisa evoluir, destaca Tânia Gomes Luz, vice-presidente da Abstartups. Israel é a maior potência em agtechs do mundo, com cerca de 400 startups de tecnologia agrícola, tendo movimentado US$ 97 milhões em 2016. Não por acaso, o país investe 4,3% do PIB em pesquisa e desenvolvimento, ante 1,2% investido pelo Brasil.
O mapeamento mostra que 37% dos estados brasileiros têm mais de três agtechs, mas 30% não possuem nenhuma. Três dos cinco estados com maior representatividade (Paraná, Santa Cataria e Rio Grande do Sul) são da região Sul. Seis estados têm apenas uma agtech. E não foram encontradas startups agrícolas em oito estados Brasileiros.
Brasil: um protagonista em potencial – Grandes empresas envolvidas na inovação
Grandes empresas também focam na inovação do segmento. A Raízen, a Ericsson, a EsalqTec e a Wayra – aceleradora de startups da Vivo – se uniram para desenvolvimento de tecnologias de Internet das Coisas (IoT) no campo. Em janeiro, foram selecionados seis projetos de startups. Elas terão acesso ao espaço compartilhado do Pulse – hub de empreendedorismo da Raízen, em Piracicaba – e a mentoria, workshops, networking, treinamentos.
Também poderão participar do ecossistema da Wayra e receber investimentos no futuro. A EsalqTec auxiliará os selecionados na facilitação acadêmica das tecnologias.
“Criamos o Pulse em agosto de 2017 para posicionar a Raízen – líder na produção de cana-de-açúcar – também na liderança da tecnologia agrícola”, diz Guilherme Lago, coordenador de inovação da Raízen. O Pulse já apoiou 23 startups, das quais 15 fizeram projetos com empresa e cinco foram graduadas.
Internet das coisas
No projeto de parceria, a Raízen atua como a cliente da solução para o desenvolvimento do caso de uso. O teste contará com uma antena em Piracicaba cobrindo uma área de 10 km de extensão. “Se der certo, vamos expandir para todas as áreas agrícolas e até para o Brasil todo, já que não haverá exclusividade”, sinaliza Lago
A Ericsson vai fornecer a rede de telecomunicações 4G nas frequências de 400 MHz e 700 MHz – com tecnologia LTE Narrow Band IoT –, mais propícias para cobertura no campo. “A ideia é unificar as expertises do setor de TI e Telecom com as da cadeia do agro, para que a nossa capacitação possa ser aproveitada por essas empresas, e que elas possam nos passar conhecimento do setor agrícola”, diz Vinícius Dalben, vice-presidente de estratégia da Ericsson.
Uma das startups selecionadas é a IoTag, de Curitiba, que vai desenvolver um gateway de telemetria para colhedoras e tratores da CNH Industrial, grupo italiano e grande fabricante mundial de equipamentos agrícolas do Grupo Fiat. Esse gateway está coletando mais de mil indicadores do maquinário a uma taxa de leitura de dez vezes por segundo.
A empresa foi criada, em novembro de 2017, por Jorge Leal, Eleandro Gaiski e Ronaldo Rissado, e o Pulse será sua primeira aceleradora. “Já comercializamos vários equipamentos, e nosso objetivo é reduzir o consumo do diesel das máquinas em pelo menos 10%, diz Jorge Leal, CEO da IoTag.
Bayer lança programa próprio
No início de 2018, a Bayer criou o Programa Agrotech. Junto com a Câmara Alemã de Comércio e o Sebrae, realizou algumas iniciativas até optar por um projeto com marca própria. Jean Soares, diretor de TI para o agronegócio da Bayer, diz que a empresa criou conexões com 50 startups e trabalhou, de alguma forma, com 15.
“Realizamos dois eventos reunindo empresas que já fazem inovação aberta, como Samsung, Itaú e Raízen. Nesses eventos, identificamos as empresas com as quais queremos trabalhar com mentoria e provas de conceito nos nossos clientes. Temos o portal de fidelização Bayer Agroservices, e a ideia é colocarmos as startups no portfólio de serviços”, explica Soares
Investidores de olho no agro
As agtechs também atraem a atenção de fundos de venture capital, que investem em startups. Francisco Jardim, sócio de fundador do SP Ventures, informa que o fundo tem R$ 100 milhões e é o que mais investe no segmento na América Latina com 80% da carteira compostos por agtechs, num total de 13 empresas. “Somos também co-fundadores de uma incubadora em Piracicaba em parceria com a Raízen”, diz Jardim.
Entre as empresas apoiadas pelo fundo, está a Agrosmart, plataforma de agricultura digital criada em 2014, que trabalha com o monitoramento de lavoura, por meio de pluviômetros digitais, previsão do tempo e dados obtidos a partir sensores de clima, solo e plantação instalados no campo e de fotos de satélite. Mariana Vasconcelos, fundadora da empresa ao lado de Raphael Pizzi e Thales Nicoleti, informa que a Agrosmart passou por diversas aceleradoras, como Baita por meio do Startup Brasil, e Google Launchpad. E opera em nove países.
“Além do aporte financeiro e da imersão no Vale do Silício, participamos do programa de aceleração da Thrive, um dos principais no mundo no segmento de Agtech, e do Climate Ventures, programa do governo Barak Obama que visava a fomentar soluções voltadas às mudanças climáticas. Em 2015, recebemos o primeiro investimento por meio do programa Startup Brasil, e, em 2016, o aporte da SPVentures”, Mariana.
Já o Inseed iniciou atividade em 2009 como gestor do Createc I, fundo de investimento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Paulo Tomazela, general partner do Inseed, diz que o fundo era multissetorial e apoiou 36 empresas, das quais oito eram agrícolas.
“Já o Createc III conta com R$ 300 milhões, já tendo aplicado um terço em 12 empresas, sendo duas agtechs. Nosso pipeline tem em análise ainda muitas startups agrícolas. Temos ainda o FIMA, focado em meio ambiente e sustentabilidade, que apoia uma startup agrícola, a Smartbreeder”, diz Tomazela.
Alessandro Machado, sócio da Cedro Capital, informa que a empresa é uma asset de Brasília que opera um fundo FIP regional. O fundo Venture Brasil Central conta com R$ 55 milhões para investimento em empresas de tecnologia nos estados do Centro-Oeste, Tocantins e Minas Gerais. “No ano passado, o Sebrae fez uma chamada para selecionar fundos e fomos selecionados. Investimos em oito empresas, sendo uma agritech, a Gira”, explica Machado.
Big data e bebedouro inteligente
A Smartbreeder,foi criada em 2009 e passou a operar em 2015. A empesa usa é focada em inteligência agronômica digital e usa inteligência artificial, big data, computação cognitiva e dados em nuvem para automatizar a gestão e a tomada de decisão no manejo de culturas agrícolas. “Através de milhões de dados e algoritmos proprietários apontamos onde, quando e como utilizar cada insumo agrícola, definindo a estratégia mais racional, econômica e ambientalmente correta”, diz Eder Antônio, CEO da Smartbreeder.
A Intergado, outra apoiada pelo Inseed, desenvolve soluções de pecuária de precisão. Marcelo Ribas, CEO da Intergado, diz que a empresa oferece dois serviços: monitoração de engorda intensiva para avaliar desempenho; e cochos (dispositivo de alimentação) eletrônicos para avaliação de eficiência alimentar, com a data a hora e o que o animal comeu.
“Os animais contam com boton auricular e nosso equipamento, com antena leitora que identifica o animal. A pesagem é feita por uma plataforma instalada em frente ao bebedouro. O animal é monitorado se bebeu água e se alimentou e qual o mais eficiente para converter o alimento em carne”, explica Ribas.
Também operando com dados, a TBIT surgiu em 2008 para aplicar a visão computacional e inteligência artificial para reconhecer padrões substituir análise de qualidade no agronegócio feita por humanos. “Pegamos testes de qualidade de negociação de grãos e sementes e fazemos as análises por software. Isso traz transparência nas negociações”, diz Igor Chalfoun, CEO.
Riscos na produção agrícola
A Gira (Gestão Integrada de Recebíveis do Agronegócio) é uma startup focada na análise de riscos da produção agrícola. Gianpaolo Zambiazi, CEO da empresa, diz que a solução permite o acompanhamento da produção por meio de análises jurídicas e agronômicas. O objetivo é auxiliar a gestão de recebíveis para agroindústrias, distribuidores de insumos, cooperativas e tradings. A empresa recebeu investimento do Venture Brasil Central, selecionada pelo programa Pontes para Inovação, da Embrapa.
“Temos mil engenheiros agrônomos e 50 advogados que fazem a vistoria in loco. Por meio de um aplicativo celular, as informações são coletadas no campo, de acordo com os indicadores econômicos de cada lavoura. Já temos R$ 1 bilhão de crédito na plataforma”, diz Zambiazi. A empresa desenvolve, atualmente, um método de gestão baseado em blockchain.
Rastreador bovino
A Ecoboi é outra empresa de tecnologia pecuária, fornecendo um rastreador de bovinos em formato de colar que utiliza dados transmitidos via satélite e registrando os locais por que o animal passou durante todo o período de engorda. A tecnologia foi criada por meio de uma parceria entre a startup e a Tracking System e a Globalstar, operadora de satélites.
“Essa é a terceira versão do equipamento, que é homologado pela Anatel e tem bateria para atender todo o ciclo de vida do animal. Normalmente, coloca-se o colar no animal aos dez meses. O período mínimo de engorda é de 18 meses. Depois do abate, o produtor recolhe o colar, que pode ser usado por até três ciclos”; explica Marcos Moraes, diretor da Tracking System.
Por meio da georreferência, é possível monitorar se o animal alimentou-se, hidratou-se, se esteve em áreas de preservação ambiental ou se teve contato com outros rebanhos com casos de contaminação.
Agro e cidades inteligentes
O CPqD, um dos mais antigos centros de inovação brasileiros, teve aprovado pelo BNDES três projetos-pilotos – nas áreas de agronegócio e de cidades inteligentes -, dentro da chamada pública lançada pelo banco em junho do ano passado com recursos de R$ 30 milhões, revela Fabrício Lira Figueiredo, gerente de desenvolvimento de negócios em agronegócio Inteligente do centro.
O “Piloto IoT Grãos e Fibra” para culturas de milho, soja e algodão cujas soluções IoT serão avaliadas nas fazendas localizadas em Diamantino (MT), e em Correntina (BA) da SLC Agrícola. Já o “Piloto IoT Cana-de-Açúcar” vai validar soluções nas usinas do Grupo São Martinho, em Pradópolis, no interior de São Paulo. O terceiro piloto é o” IoT Grãos e Pecuária”, que tem como produtor parceiro a Boa Esperança Agropecuária e será implantado em Lucas do Rio Verde (MT).
Entre as startups do projeto, está a Pluvion criada em 2016. A empresa desenvolveu uma estação meteorológica de baixo custo e conectividade IoT, em parceria com o CPqD, para melhor a assertividade das previsões meteorológicas do local. Segundo Diogo Tolezano, fundador e CEO da Pluvion, a empresa participa de dois projetos de agro: uma plantação de cana-de-açúcar, no interior de São Paulo, e uma fazenda de soja em Mato Grosso.
“Capitamos recursos da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) junto com o Sebrae para aplicar no P&D da estação meteorológica. A solução usa conectividade IoT nos padrões ZigFox, nas cidades, e Lora, no campo, pois são mais baratos que a rede celular. A empresa já passou por acelerações programas da Red Bull, do Google Campus e do Facebook. E foi a primeira startup convidada pela Organização das Nações Unidas (ONU) para uma plataforma de cidades”, diz Tolezano.
O uso de drones e aeronaves também se disseminou. Fabrício Hertz, CEO Hórus Aeronaves, diz que a empresa usa drones e tecnologias de inteligência artificial para gerar diagnósticos agronômicos para melhorar a produtividade e reduzir o consumo de insumos. “A solução permite 20% de aumento de produtividade e 50% de economia”, conclui, Hertz." Fonte:Carmen Nery, especial para a Gazeta do Povo Mais informações: https://www.gazetadopovo.com.br/economia Leia mais em scrural.sc 25/04/2019
25 abril 2019
Com quase 200 startups, Brasil pode brigar por protagonismo na agricultura 4.0
quinta-feira, abril 25, 2019
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Ruy Moura
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