A compra de uma empresa está longe de ser uma ciência exata. É da natureza humana: quem vende sempre acha que seu negócio vale mais do que o comprador está disposto a pagar. Para chegar a um preço que agrade aos dois lados, uma infinidade de variáveis entra na conta — desde dívida e geração de caixa até o potencial de expansão do negócio com os novos donos.
Só mesmo o tempo pode mostrar se o preço pago foi alto ou baixo. Em outubro de 2012, quando a United Health, maior operadora de saúde dos Estados Unidos, assinou um cheque de 10 bilhões de reais para comprar a Amil, líder do mercado brasileiro, o preço pareceu salgado — pelo menos levando-se em conta critérios como faturamento, lucro e dívida da Amil.
Mas como os americanos eram reconhecidos pela rigorosa gestão de custos e pela aplicação de tecnologia de ponta na saúde, imaginava-se que eles mostrariam logo ao mercado que todos aqueles bilhões haviam valido a pena. Mas, passados três anos, o preço pago parece mais salgado do que nunca.
A empresa que os americanos compraram do médico Edson de Godoy Bueno era líder do mercado de planos de saúde no Brasil e fechava seu balanço no azul. De lá para cá, começou a perder dinheiro. Em 2014, teve prejuízo de 259 milhões de reais. O faturamento cresceu 64% em dois anos, para 15 bilhões de reais, mas não o suficiente para compensar a disparada nos custos dos serviços.
As despesas médicas e hospitalares, por exemplo, passaram de 6,9 bilhões para 12,3 bilhões de 2012 a 2014. No início de 2015, a Amil perdeu a liderança no mercado de planos de saúde para a Bradesco Saúde — são 4 milhões de clientes de um lado e 4,4 milhões de outro. Em qualquer aquisição, leva tempo até os novos controladores entenderem o negócio e começar a deixar sua marca.
Mas na Amil os próprios executivos reconhecem que as coisas não saíram dentro do planejado. “Claro que queríamos ter resultados melhores”, diz Erwin Kleuser, diretor de planejamento da Amil. “Mas estamos trabalhando para voltar ao azul já neste ano.” Edson Bueno, que continua na presidência da Amil, não deu entrevista.
As coisas não saíram conforme o planejado pela United Health, em grande medida porque o Brasil não ajudou. A inflação médica, que inclui todos os gastos com produtos e serviços de saúde, cresceu 14,5% em 2013, 16% em 2014 e deverá avançar outros 18% em 2015. É uma das maiores taxas do mundo, puxada pelo aumento no preço dos tratamentos e também por desvios lamentavelmente comuns no mercado brasileiro — desde serviços cobrados e não realizados até equipamentos superfaturados.
Isso, claro, afeta a rentabilidade das operadoras. Na média, a sinistralidade (que mede a relação entre custos e receitas) do setor passou de 75% em 2010 para mais de 80% em 2014. A Agência Nacional de Saúde Suplementar ainda encurtou, em 2011, o prazo máximo para agendamento de consultas, de 30 para sete dias.
Isso obrigou as empresas a aumentar sua estrutura própria e a acelerar os convênios com hospitais e clínicas particulares. Somado a tudo isso, a retração da economia dificulta o repasse de custos a clientes e está levando empresas a trocar os planos mais conceituados, como os da Amil, por concorrentes mais em conta.
Mas, Brasil à parte, a United Health encontrou uma empresa que precisava de muitos ajustes. Para abrir vantagem da concorrência, a Amil passou, segundo investidores e ex-executivos, a ser menos rigorosa na assinatura de novos contratos e nos reajustes de clientes antigos. “A Amil que a United Health assumiu tinha a carteira inchada.
Estava preocupada em vender, e não em tomar decisões difíceis”, diz um ex-diretor. “Quando o mercado virou, a empresa foi pega de surpresa.” A primeira medida dos novos controladores foi passar um pente-fino na carteira. Alguns deles receberam propostas de reajuste que chegavam a 70%. Quem não aceitou os novos valores teve o contrato encerrado — um exemplo é a rede de supermercados Pão de Açúcar, que trocou a Amil pela Intermédica.
“Não aceitamos contratos deficitários para ganhar escala”, diz Erwin Kleuser. Nos últimos 12 meses a Amil perdeu 300 000 clientes — o que ajudou na perda da liderança para a Bradesco Saúde. Uma das empresas que mais se aproveitaram da nova política da Amil foi a cearense Hapvida, que conseguiu dobrar de tamanho em três anos, chegando a 2 milhões de clientes.
A Amil também teve mais trabalho do que o previsto para implementar um sistema integrado que gerencia o relacionamento com os hospitais. O desafio é gigantesco. Depois de dezenas de aquisições, a Amil chegou a ter 32 sistemas, em 2007, e vem enxugando a estrutura desde então. Com a entrada da United Health, o objetivo passou a ser não haver mais nenhuma cobrança indevida por parte dos hospitais e das clínicas.
Para isso, a Amil implementou um formulário eletrônico superdetalhado. Os dados de todos os procedimentos e de todos os pacientes poderiam ser acessados por todos os hospitais próprios e credenciados. A ideia era ganhar agilidade e evitar despesas desnecessárias. Mas, por enquanto, a novidade atrapalha mais do que ajuda.
Dos 4 milhões de guias médicas que a Amil recebe por mês, 40% são devolvidos por algum problema no preenchimento. Segundo a Amil, apenas 4% dessas guias têm o pagamento recusado. Mas clientes ouvidos por EXAME dizem que a simples devolução de um formulário já é um transtorno.
Nesses casos, pagamentos que, segundo a Amil, levariam em média 30 dias passam a ser feitos em até cinco meses — o que desgasta a relação com hospitais e levanta na rede credenciada suspeitas de que as devoluções são incentivadas para ajudar no fluxo de caixa da companhia. A Amil reconhece que a implantação do sistema está sendo mais difícil do que previsto.
Para recuperar o espaço, a rentabilidade e parte da credibilidade perdidas, a Amil está ampliando seus investimentos. Em 2014, a empresa investiu o volume recorde de 1 bilhão de reais. Inaugurou o maior complexo hospitalar do país, o Americas Medical City, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. E comprou hospitais em Fortaleza e em cinco cidades de São Paulo.
A ideia é continuar aumentando a rede própria, especialmente em regiões com menos opções de convênio e em tratamentos de casos mais complexos, como câncer, acidentes vasculares e problemas cardiológicos. Como os custos de tratamento dessas doenças são totalmente imprevisíveis, a Amil avalia que é vantagem fazer tudo na própria rede.
Neste ano, prevê inaugurar um hospital especializado em cardiologia, em São Paulo. No início do ano, já havia comprado um Centro Oncológico Integrado no Rio de Janeiro. No total, a Amil já tem 31 hospitais no Brasil, quatro a mais do que a rede de hospitais D’Or, do cardiologista Jorge Moll Filho, avaliada recentemente em 18 bilhões de reais.
Para segurar os custos, a Amil também começou a monitorar mais de perto um grupo de 40 000 clientes considerados doentes crônicos — a ideia é incentivá-los a fazer check-ups e exames preventivos para evitar gastos desnecessários. Nos primeiros seis meses deste ano, o custo de internação desses pacientes caiu 40% em relação a 2014.
A United Health aposta que seu maior diferencial para conquistar clientes vai ser o uso científico dos dados. Como no caso dos doentes crônicos, quer aproveitar a experiência acumulada nos Estados Unidos para melhorar o tratamento aqui no Brasil. A empresa lançou neste ano um aplicativo para os pacientes localizarem o hospital credenciado mais próximo.
Implantou também biometria em seus hospitais para agilizar o cadastro — não é mais necessário passar pela burocracia de dizer o nome e esperar o atendente acessar o histórico. O agendamento de consultas, que antes precisava ser feito por telefone, agora pode ser online. Todas essas novidades foram importadas da Optum, empresa de tecnologia da United Health, que sozinha fatura 45 bilhões de dólares por ano. “Uma base de dados de qualidade vai ser cada vez mais importante para o setor. E ninguém está investindo tanto quanto nós”, diz Antônio Jorge Kropf, diretor institucional da Amil.
O desempenho da United Health à frente da Amil ganha especial relevância porque, em janeiro, o governo liberou a entrada de investidores estrangeiros no mercado de hospitais do Brasil (como a United opera os próprios hospitais, não enfrentava essa limitação). Automaticamente, redes como a D’Or entraram no radar de investidores e de grandes grupos internacionais.
O potencial do mercado é enorme. Mas, para estrangeiros toparem o desafio de investir por aqui, seus riscos não podem ser ainda maiores. A United Health tomou um choque de Brasil. Agora tem muita gente querendo saber como será sua recuperação. Lucas Amorim, de Revista EXAME Leia mais em exame 07/10/2015
07 outubro 2015
Compra da Amil saiu cara para a United Health
quarta-feira, outubro 07, 2015
Compra de empresa, Investimentos, Múltiplo/Ebitda, Saúde, Tese Investimento, Transações MA, Venda de Empresa
0 comentários
Postado por
Ruy Moura
Assinar:
Postar comentários (Atom)
0 comentários:
Postar um comentário