Empresa, que vende medicamentos de alta complexidade para doenças como câncer e Aids, perde contratos e vê suas ações caírem desde que estreou na bolsa, em 2017
A farmacêutica Biotoscana, que vende medicamentos de alta complexidade para doenças como câncer, Aids e hepatite C, está com as próprias ações na UTI. O diagnóstico ainda não é definitivo: o que para uns é uma doença crônica, para outros é uma rara oportunidade de compra. Desde julho, quando foi listada, os papéis da empresa acumulam queda de 43%, resultado de um inferno astral que incluiu resultados abaixo do esperado e a perda de um grande contrato.
Dona de licenças para comercializar drogas raras (tarja preta) na América Latina, a Biotoscana vendeu ao mercado a tese secular de envelhecimento da população e maior acesso à saúde — mas com um bônus: uma estrutura enxuta e sem grandes investimentos em pesquisa, o que garante margens brutas de 50% em cima dos preços de compra.
Em vez de desenvolver as drogas, a companhia apenas compra as licenças de medicamentos de grandes grupos farmacêuticos que não veem a América Latina como um mercado prioritário. A região representa cerca de 6% a 7% do faturamento da indústria farmacêutica global.
Em seguida, a Biotoscana vai atrás das aprovações regulatórias para vender os medicamentos, que custam entre US$ 500 e US$ 1 mil por mês de tratamento, além de manter uma equipe especializada em interagir com médicos, hospitais e convênios para incluí-los em sua lista de cobertura.
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A ação saiu a R$ 26,50 no IPO (oferta inicial de ações). A Advent, que controlava 53% da empresa, botou R$ 490 milhões no bolso e ficou com 31%. O fundo americano Essex e alguns acionistas pessoas físicas também foram vendedores. Outros R$ 424 milhões foram para o caixa da empresa.
De lá pra cá, no entanto, o papel foi ao inferno. A empresa foi do lucro ao prejuízo no terceiro trimestre, seu primeiro resultado como companhia aberta. Na semana passada, a pá de cal: a Actelion, dona de quatro medicamentos que representam 15% da receita da empresa, decidiu não renovar a licença da Biotoscana, levantando dúvidas sobre o risco dos demais contratos.
Durante o roadshow do IPO, a Biotoscana sinalizou que eram baixas as chances do fim do contrato na América Latina, apesar de a Actelion ter sido comprada pela Johnson & Johnson meses antes. “Era um risco presente desde o IPO, e o mercado ignorou”, diz um gestor doméstico que não tem a ação.
Estrutura
A Biotoscana é uma holding que controla três empresas: a colombiana Biotoscana, a brasileira United Medical e a argentina LKM. (A fusão foi capitaneada pelo Advent e pelo Essex.) Cada uma tem uma forma de operar, cada país tem suas regras para comercialização e cada licença conquistada abre uma nova discussão sobre o potencial da droga para doenças específicas.
A estrutura acionária é outro nó: a empresa tem domicílio fiscal em Luxemburgo e negocia no Brasil por meio de BDRs. A sede fica em Montevidéu, por uma questão logística: o Uruguai tem um acordo comercial com a Espanha e paga menos impostos nas importações vindas de lá. Em outras palavras: a Biotoscana importa os medicamentos europeus via Espanha e revende aos países latinos via Uruguai.
“O mercado ainda não entendeu o modelo de negócio da Biotoscana”, diz um gestor que começou a comprar as ações da empresa nos últimos meses. “A companhia não é um reloginho, vai ter solavancos, então, é mais difícil de avaliar.” Segundo ele, o resultado ruim do terceiro trimestre foi um desses solavancos. No balanço do quarto trimestre, divulgado esta semana, a receita se recuperou e os resultados para o ano vieram em linha com o esperado. As ações deram um leve respiro: subiram 3% desde então.
“A beleza do negócio é que eles podem perder um contrato, mas ganham vários outros”, diz outro gestor. O contrato da Actelion, perdido este mês, representava R$ 120 milhões de receita anual. Mas, em outubro, a Biotoscana havia fechado uma parceria com a japonesa Eisai para vender drogas contra o câncer e doenças neurológicas, com potencial de R$ 250 milhões por ano. O mercado ignorou.
Depois do tombo, a Biotoscana vale cerca de R$ 1,5 bilhão, o que a deixa fora do radar de grandes investidores. No mercado, especula-se que o grande vendedor nos últimos dias tenha sido o GIC, o fundo soberano de Cingapura, que tem pouco mais de 5% da empresa.
Otimistas e pessimistas com a Biotoscana concordam num ponto: o preço do IPO foi salgado demais. Na oferta, a empresa saiu cotada a 16 vezes o Ebitda (o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização). Agora, a R$ 15 por ação, a empresa está na faixa de 8 a 9 vezes o Ebitda.
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O discurso de que os vendedores forçaram a mão na oferta é corroborado pela posição do próprio JP Morgan, que foi o coordenador do IPO. Logo após a oferta, o banco começou a cobrir o papel com um preço-alvo de R$ 33.
Agora, diz que a ação vale R$ 22,50 – abaixo do preço da oferta. BTG Pactual e Itaú BBA, que também participaram da oferta, estimam um valor justo de R$ 33 e R$ 35 por ação, respectivamente, mas sinalizaram que podem revisar o número para baixo.NV Natalia Viri Leia mais em correiobrazieliense 26/03/2018
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