03 dezembro 2018

Empresas trocam financiamento do BNDES por recursos de investidores

Em cinco anos, as empresas conseguiram reduzir quase à metade a dependência por financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Com juros mais baixos e maior liquidez, elas encontraram no apetite de investidores o espaço para substituir os empréstimos do banco de fomento por emissões de títulos e de ações no mercado interno e externo.

Levantamento feito pelo Centro de Estudos de Mercado de Capitais (Cemec) mostra que de 2013 para cá a participação do banco estatal caiu de 20% para 12,9% no total da dívida das empresas. O movimento é resultado da queda brusca dos desembolsos do banco. Em 2013, a instituição liberou R$ 190 bilhões, o maior volume da série elaborada pelo Cemec. Em termos de comparação, no período de 12 meses até setembro deste ano, o montante foi de apenas R$ 64 bilhões.

No mesmo intervalo, as emissões de títulos e ações no mercado de capitais subiram de R$ 140 bilhões para R$ 226 bilhões. “Em 2018, apesar da economia deprimida, o volume captado no mercado de capitais já é superior ao maior desembolso do BNDES, em 2013”, diz Carlos Antonio Rocca, diretor do Cemec – instituição que se associou à Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).

Ele explica que esse movimento é reflexo de algumas mudanças significativas na economia brasileira. A primeira dela vem do próprio BNDES, que hoje vive uma nova política operacional. No passado, diz Rocca, os juros subsidiados desestimulavam as empresas a buscar outras fontes de financiamento, já que a mais barata vinha do banco de fomento.

Com a mudança nos juros da instituição e queda da taxa Selic no País, as condições se tornaram mais favoráveis. De um lado, as empresas precisavam lançar papéis no mercado para investirem ou para refinanciar débitos mais caros – algumas vezes do próprio BNDES.

Retorno
Do outro lado, havia uma série de investidores que buscavam se arriscar mais por maiores retornos nas aplicações, já que a rentabilidade dos títulos públicos, que sempre reinaram entre os investimentos dos brasileiros, caiu com a Selic – hoje em 6,5% ao ano, explica o presidente do Comitê de Finanças Corporativas da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), Sergio Goldstein.

As condições do mercado internacional também ajudaram as empresas brasileiras na emissão de títulos. No primeiro semestre, os juros externos estavam baixos e a demanda por novos papéis era alta, afirma o diretor do Citibank, Eduardo Freitas.

Nesse cenário, destaca ele, muitas companhias aproveitaram para antecipar financiamentos que estavam para vencer. Segundo o Cemec, a participação do mercado externo na dívidas das empresas subiu de 25,5%, em 2013, para 40% em setembro deste ano.

“Esse movimento foi decorrente tanto dos juros baixos no exterior como das oscilações do câmbio no mercado interno”, explica Rocca. Na avaliação dele, o mercado de capitais reagiu fortemente nos últimos anos e tem potencial para continuar nesse ritmo daqui para frente, especialmente se os juros continuarem baixos e o BNDES mantiver a política atual. “O que se espera de um banco estatal é que ele atue em áreas em que o mercado privado não consegue atender, como inovação, pequenas e médias empresas e infraestrutura.”

Para o BNDES, a queda de desembolsos nos últimos anos é resultado especialmente da falta de investimentos.

Dinheiro é usado para pagar dívidas

Mais de um terço das captações feitas por debêntures entre janeiro e agosto deste ano foi para pagamento de dívidas, algumas delas como Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Ou seja, as companhias venderam papéis para investidores no mercado e, com o dinheiro, amortizaram débitos com o banco de fomento, destaca o diretor do Centro de Estudos de Mercado de Capitais (Cemec), Carlos Antonio Rocca, responsável pelo levantamento sobre o avanço do mercado de capitais. Outros 22,8% tiveram como destino o financiamento de capital de giro.

Apenas 16,3% foram para o setor de infraestrutura, especialmente para a área de energia elétrica e rodovias. Ainda assim, esse foi o maior porcentual para o segmento desde 2012, segundo os dados do Cemec. O movimento é resultado da queda da taxa básica de juros aliada à nova política do BNDES, que levaram as empresas de infraestrutura a buscar alternativas no mercado de capital para levantar seus projetos, sem subsídio estatal.

Em vários casos, as captações conseguiram competir em igualdade com as modalidades públicas, algo inimaginável há pouco mais de dois anos. “Em outras épocas, a maioria das empresas que hoje estão emitindo debêntures de infraestrutura recorreriam ao BNDES. Hoje vemos a maturação desses títulos no mercado”, diz Daniel O’Czern, diretor da área de projetos e infraestrutura do Citibank.

Ele destaca que foi o próprio banco de fomento que começou a incentivar as empresas a explorarem esse mercado especialmente para projetos de infraestrutura, ainda no governo Dilma Rousseff. O esforço, aliado às condições de mercado, deram resultado. Pelos dados do Cemec, o número de companhias distintas que emitiram notas promissórias ou debêntures cresceu quase 36 vezes de 2005 para cá. Até junho esse número era de 1.255 empresas.

Estratégia do BNDES
A diretora de investimentos do BNDES, Eliane Lustosa, destaca que o banco tem trabalhado para ajudar a desenvolver o mercado de capitais no Brasil ao lado das empresas. Em alguns casos, a instituição tem atuado como âncora nas ofertas – ou seja, ela se compromete a comprar um determinando montante da emissão de debêntures.

Sobre a queda drástica dos desembolsos nos últimos anos, a instituição argumenta que o movimento é decorrente da queda no número de projetos no País por causa da crise econômica. “Mas apostamos que agora teremos uma retomada dos investimentos”, diz a diretora do banco de fomento. Segundo ela, o BNDES fez um longo trabalho para desenhar formas de atuação no setor.

Desde 2013, diz ela, o banco já participou de 23 projetos, com emissões de R$ 2 bilhões, no formato “bid escalonado” – que nada mais é que assegurar um porcentual de compra das debêntures. A política do banco tem sido ficar com 30% ou 40% dos papéis emitidos para incentivar o mercado. Se houver demanda dos investidores, esse porcentual tende a cair.

Outro mecanismo que o BNDES aposta é a criação de Fidcs (Fundo de Investimento em Direitos Creditórios). Eliane afirma que o banco tem orçamento de R$ 5 bilhões para esse tipo de produto. “Se pensarmos que nossa participação será de cerca de 30%, esses R$ 5 bilhões vão se transformar em R$ 17 bilhões.”

Greve
Os números do mercado de capitais só não foram melhores neste ano por causa da mudança de cenário a partir de maio de 2018 com a greve dos caminhoneiros, turbulência eleitoral e piora no ambiente internacional, com incertezas em relação aos juros americanos. Essa conjunção de fatores levou à saída de investidores estrangeiros do País e teve reflexo negativo em novas emissões de ações. Várias Ofertas Públicas de Ações (IPO’s) foram adiadas por causa da turbulência.

“Tenho uma visão cautelosamente otimista para 2019. Apesar das reformas necessárias para o País, acredito que as empresas vão continuar indo a mercado (para fazer captações)”, afirma o presidente do Comitê de Finanças Corporativas da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), Sergio Goldstein.  O Estado de S.Paulo - Leia mais em abinee.03/12/2018

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