23 abril 2018

"Não precisamos de advogados ou contadores. Precisamos de engenheiros", diz sócio do fundo Kaszek

Hernán Kazah defende que o empreendedorismo no Brasil evoluiu de forma significativa - mas que ainda é preciso investir em muita educação técnica

Com um portfólio que inclui Netshoes, OQ Vestir, Viva Real, GetNinjas, o fundo de venture capital Kaszek Ventures ficou conhecido por investir em empresas de e-commerce e marketplace. Os negócios inovadores e digitais, porém, extrapolaram esses segmentos e a Kaskek, fundada em 2011 por ex-executivos do Mercado Livre, passou a olhar com atenção para as fintechs, empresas de saúde e de educação. O que não mudou, segundo o sócio Hernán Kazah, foi buscar ideias inovadoras, capazes de mudar indústrias latino-americanas.

Uma das startups que receberam investimento recente foi a Escale. Baseada em São Paulo, a startup combina marketing digital, inteligência artificial e promoção de vendas para ajudar grandes corporações a adquirirem novos clientes. A startup brasileira é uma das quatro que recebeu investimento no terceiro fundo da Kaszek, de US$ 200 milhões. Kazah ainda não revela as outras três, mas analisa que as empresas brasileiras têm concentrado grande parte dos aportes. "Olhamos para toda a América Latina, mas cerca de 70% do investimentos do nosso fundo ficou no país", afirma.

A explicação, segundo ele, é que o ecossistema de empreendedorismo brasileiro evoluiu de forma significativa - tanto em questões de qualidade dos empreendedores, como em  tecnologia e financiamento. Há ainda, porém, um longo caminho. E, na opinião de Kazah, o que falta para o Brasil alcançar a maturidade de outros países não é nenhuma novidade. "Para continuar crescendo pelos próximos 30 anos, é preciso de talento local. Não precisamos de advogados, contadores, precisamos de engenheiros", disse em entrevista à Época NEGÓCIOS.

Desde 2011, a Kaszek investiu em três fundos. No portfólio, empresas como Nubank, GuiaBolso, VivaReal, QuintoAndar, Creditas, Dr. Consulta e Loggi. O que mudou nesses anos considerando os negócios investidos?
Aprendemos bastante. Desde o começo, sempre olhamos de perto a qualidade e o compromisso da equipe de fundadores. Mas, se isso já era importante no passado, hoje é fator nota dez. Partimos desse pressuposto. Antes, se nós tivéssemos oportunidades, investíamos em uma empresa mesmo que fosse com uma participação menor. Hoje, não. Queremos pegar menos empresas, mas colocando mais capital nelas. Porque, no final do dia, gastamos o mesmo tempo se investirmos dez dólares ou 20 milhões de dólares. Mas o retorno do trabalho é diferente.

Vocês são muito conhecidos por investimentos em e-commerce e marketplace. Como esses setores evoluíram no país?
Em 2000, houve a bolha da internet, que inibiu o surgimento de empresas do setor por oito, nove anos. Lá por 2010, quando lançamos o primeiro fundo, as empresas voltavam a surgir. Havia bastante e-commerce, marketplace mais evidentes (móveis e seguros). Era o começo desse modelo no Brasil – as empresas tentavam replicar o que era sucesso lá fora. Já no 2º e no 3º fundos, nós começamos a focar em empresas que desenvolvem ideias especiais para o Brasil, que olham para as dores da economia brasileira. Como as fintechs – que são uma revolução mundial, mas aqui no Brasil se destacam devido a dificuldade de acesso a crédito, ao custo dos produtos oferecidos pelas instituições e ao nível de juros.

Uma das empresas que vocês investiram é do setor de educação, a argentina Digital House. O que chamou atenção de você e dos sócios da Kaszek?
A educação digital, acreditamos, é a grande revolução que o setor vai ter. Temos no nosso portfólio mais de 40 empresas e todas estão procurando profissionais com experiência digital. Alguém já disse que se hoje o mundo tivesse o dobro de desenvolvedores, todos estariam contratados. Do lado dos investidores, nós vemos a responsabilidade de ajudar a produzir mais desenvolvedores. Ao mesmo tempo que também vemos que a educação tradicional não consegue atrair os talentos que são necessários hoje. O modelo de só receber informação para aplicar dali seis anos, não funciona mais. O conhecimento adquirido fica ultrapassado muito rápido. A Digital House ensina programação, marketing digital e outras habilidades que você precisa para a economia digital. E tem uma combinação ótima entre prática e teoria. Aquela ginástica de pegar conhecimento na hora, reagir, aplicar, depois voltar a aprender mais uma coisa. E acho que o método deles poderia ser aplicado em outras áreas, como matemática e história.

Na visão da Kaszek, o empreendedorismo no Brasil tem evoluído – em termos de ideias e tecnologias?
O Brasil tem hoje o ecossistema mais desenvolvido da região. Diria que está dois passos à frente. Não somente porque tem a maior economia, mas porque tem mais qualidade nos empreendedores, é mais desenvolvido na questão de financiamento. Uma prova disso é que cerca de 70% do investimentos do nosso fundo ficou no país. Do lado dos consumidores, há por aqui uma grande penetração de internet e banda larga. Do lado dos empreendedores, há uma qualidade grande da inovação criada. Ao mesmo tempo, há uma quantidade de investidores olhando para oportunidades na área de tecnologia. Claro que estamos falando ainda de um ecossistema jovem, que não se compara ao desenvolvimento da China ou do Vale do Silício. Precisamos, porém, continuar evoluindo 30 anos para atingir o nível de maturidade comparado desses e de outros mercados.

Quais os desafios precisamos superar para construir esse ecossistema mais maduro?
Para continuar crescendo pelos próximos 30 anos, é preciso de talento local. Temos que continuar gerando incentivos corretos para que mais e mais pessoas se formem com educação técnica. Não precisamos de advogados ou contadores. Precisamos de engenheiros. O Brasil tem boas escolas de engenharia, bons engenheiros, mas precisamos de mais. E essa é uma luta que precisa envolver governo, universidades e empresas. Além disso, a tecnologia tem oportunidade enorme no país, mas as oportunidades de financiamento são limitadas. Temos que criar ferramentas para que as empresas possam se financiar. Outra questão é a da regulação. O país está indo na direção correta. Estão sendo aprovados, por exemplo, projetos de leis que ajudam as fintechs a operar no mercado. Mas temos que dar continuidade, para ajudar a tirar burocracia da economia e burocracia das companhias novas.POR BARBARA BIGARELLI Leia mais em epocanegocios 10/04/2018

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