23 abril 2018

“É muito simplista falar que o investidor quer colocar dinheiro e receber retorno”

Humberto Matsuda, sócio-gestor da Performa Investimentos, diz que empreendedores devem estudar a estratégia dos fundos antes de buscar investimentos

Os empreendedores precisam estudar as estratégias dos fundo antes de buscar recursos para suas empresas. É o que defende Humberto Matsuda, sócio-gestor da Performa Investimentos, gestora de venture capital e private equity que investe em soluções sociais e ambientais.

Para ele, há uma "ingenuidade" por parte de alguns empresários em pensar que todos os investidores são iguais e só pensam nos aspectos financeiros. "Em casos extremos, isso leva a um conflito de interesse do que a empresa quer fazer e de qual é a tese de investimento do fundo", diz o executivo.

Em entrevista à Época NEGÓCIOS, o executivo também fala sobre o atual cenário do ecossistema de empreendedorismo no Brasil, os setores de startups que devem bombar em 2018 e a dificuldade dos negócios verdes em captar recursos. "A maior parte dos investidores só quer saber de internet e TI", afirma Matsuda. "O investimento ambiental acaba ficando marginalizado ou com montantes muito inferiores".

Como foi o ano de 2017 para a Performa Investimentos?
Foi um ano desafiador e de extremos. Fizemos uma série de investimentos e algumas empresas de nosso portfólio começaram a se descolar de uma maneira positiva, outras de uma maneira negativa. Em alguns casos, tivemos que fazer esforço para o negócio não fechar, em outros recebemos propostas de aquisição. Passamos por momentos de aperto, preocupação e de muito trabalho.

Quando você diz que algumas empresas descolaram de uma maneira negativa, você quer dizer que deram prejuízo?
Não chega a ser prejuízo, mas algumas chegaram a um ponto em que estavam com um caixa muito baixo. Em alguns casos, fizemos uma nova rodada de captação e em outros o faturamento retornou, conseguindo reequilibrar e dar continuidade ao trabalho bem feito.

O período de crise, principalmente em 2017, afetou de alguma maneira os negócios da Performa? E você considera que a crise já passou?
É difícil responder essa pergunta. Há uma conjuntura da economia, que vem desde a crise do impeachment da Dilma. De uma certa forma, essa conjuntura política vem afetando nosso trabalho desde 2015. Em 2017 tivemos alguns momentos difíceis, mas o cenário parece estar melhorando. Mas não há uma mudança real. Continuamos com um governo provisório, um presidente que está lá por consequência e não por eleição. Além disso, estamos às vésperas de uma nova eleição com um cenário político totalmente indefinido, sem candidatos claros, sem uma visão minimamente previsível de quem vai ser o presidente. Ainda temos muitas consequências de casos como o Petrolão e das denúncias contra fundos de pensão que estão sendo investigados. Esperamos que a Lava Jato continue avançando e crie um ambiente melhor politicamente e que reduza a corrupção. O mercado internacional e os investidores estão aguardando para ver o que acontece. Embora estamos otimistas com o país em longo prazo, estamos preocupados com a conjuntura em curto prazo.

E quais são as expectativas de vocês para 2018. Em quais setores vocês planejam focar?
Como gestora, a gente não tem foco em um setor, mas acreditamos que algumas áreas devem se tornar mais atraentes este ano. É o caso das fintechs, agritechs e healthtechs. São três setores que imaginamos que vão crescer, independentemente da eleição e outros fatores.

Por que você acredita na força desses setores?
São setores bastante aquecidos, existe uma demanda internacional. Independente de cenário político, as pessoas continuam precisando de saúde, continuam consumindo e precisam de dinheiro. Esse dinheiro continua financiando empresas e a infraestrutura do país. Além disso, a matriz econômica brasileira ainda depende de grandes commodities que são mais regidas pela época do ano e pelo momento da safra, do que pela vontade das pessoas ou conjunturas econômicas.

O foco da Performa é investir em negócios de impacto socioambiental. O que exatamente uma startup precisa para se enquadrar nessa classificação?
Buscamos empresas com perfil de lucratividade, como os outros fundos, só que escolhemos necessariamente as que tenham o potencial de gerar um benefício para a sociedade, seja de consequências ambientais ou sociais.

Os empreendedores de negócios verdes reclamam da dificuldade para captar recursos. Você concorda que existe uma dificuldade para negócios desse setor?
Acho que eles têm razão, porque a maior parte dos investidores só quer saber de internet e TI. Tem um grupo de investidores que foca em impacto social e base da pirâmide. A parte de investimento ambiental acaba ficando marginalizada ou com montantes muito inferiores. A maior parte do dinheiro que vai para os negócios ambientais tem tradicionalmente sido dirigida para geração de energia eólica e mais recentemente, solar. Acho que como a necessidade de infraestrutura e a carência energética eram muito grandes, existia naturalmente uma atração maior por esses segmentos. Isso está mudando. As oportunidades já não são tão boas como eram antes. Naturalmente os investidores vão começar a olhar negócios além da energia. Esperamos que outros subsegmentos de empresas, que têm esse perfil ambiental e ecológico, consigam captar mais dinheiro e tenham mais oportunidades.

Como você vê o cenário atual do ecossistema de startups no Brasil? O que de mais interessante está acontecendo e o quanto ainda podemos evoluir?
Tivemos algo muito emblemático no início de 2018: o surgimento dos primeiros unicórnios brasileiros [99 e Nubank]. Isso mostra que o Brasil está chegando a um ponto de maturidade em que, mesmo com crise e todas as dificuldades, empresas que têm potencial vão crescer. O problema é que o Brasil, do ponto de vista de marco regulatório e ambiente de negócios, é um país ruim. Quando pensamos em longo prazo, acreditamos muito no potencial do Brasil, mas precisamos criar um ambiente de negócios com crescimento minimamente previsível, estável e justo. A boa notícia é que os problemas estão sendo enfrentados agora. Como consequência, teremos um ambiente de negócios melhor, uma maturidade maior dos investidores e dos empreendedores. A expectativa é que o ambiente melhore com o passar do tempo, à medida que gerarmos mais exemplos positivos e termos pessoas mais experientes e capazes atuando nesse mercado, tanto empreendedores quanto investidores.

Você acha que teremos mais unicórnios num futuro próximo?
Acho que sim. Os próximos unicórnios podem surgir em diversos setores, não necessariamente setores mais sexy. Simplesmente porque o nosso mercado é grande o suficiente para comportar unicórnios em diversas áreas.

Muitos empreendedores dizem que para conseguir os grandes investimentos não existe outro caminho a não ser deixar o Brasil. Você concorda?
Eu discordo. Acho que esse raciocínio já foi verdade, mas está mudando. Hoje existem alguns fundos capazes de fazer investimentos relativamente grandes. A própria Performa consegue trabalhar com tíquetes de R$ 30 a 40 milhões por empresa. O que acontece é que muitas das empresas não conseguem gerar tração para justificar a avaliação de mercado que permita montantes maiores. Em algumas situações, empresas foram buscar dinheiro em regiões como o Vale do Silício, onde a avaliação dos negócios é muito mais agressiva. Duas empresas idênticas, com o mesmo faturamento e do mesmo ramo de atuação, vão ter uma avaliação muito diferente no Brasil e nos Estados Unidos. Lá, para uma empresa crescer, é infinitamente mais fácil do que aqui. Então tiveram algumas startups que conseguiram captar mais dinheiro lá fora e isso gera a sensação de que é necessário ir pra lá. Mas conforme o mercado brasileiro foi amadurecendo de três anos pra cá, existem alguns fundos de porte médio e até de porte grande que estão atuando de maneira consistente.

Na sua opinião, quais são os erros mais comuns cometidos pelos empreendedores na hora de buscar investimentos?
A ingenuidade de tratar investidores como se todos fossem iguais. Pensar que o único aspecto que importa para eles é o financeiro. Em casos extremos, isso leva a um conflito de interesses do que a empresa quer fazer e de qual é a tese de investimento do fundo. É muito simplista falar que o investidor quer colocar dinheiro e receber retorno. Cada fundo tem uma estratégia, tem um perfil de atuação, um prazo para esperar a empresa crescer, volumes diferentes. Quem atua como investidor sabe como é difícil achar empresas que tenham um encaixe perfeito com a tese de investimento. E os empreendedores não gastam tempo estudando e entendendo isso. Aí acaba tendo um monte de desencontros de empreendedores e investidores por conta dessa simplificação por parte do empreendedor da figura do investidor. por FILIPE OLIVEIRA Leia mais em epocanegocios 22/04/2018

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