O caminho da Selic na direção de revisitar e possivelmente renovar mínimas históricas nos próximos meses não deve ser atrapalhado pela leitura de que a atividade econômica dá sinais de retomada. Prova disso é que, mesmo depois dos mais recentes indicadores mostrarem recuperação, analistas baixaram a estimativa para a taxa básica de juros ao término deste ano, que nas contas do mercado deve fechar dezembro na mesma mínima recorde de 7,25% que vigorou entre outubro de 2012 e abril de 2013.
De forma geral, a percepção é que a atividade está longe de revelar força suficiente a ponto de gerar pressões inflacionárias. Não bastasse isso, o próprio cenário para os preços parece ter melhorado nas últimas semanas, após algumas avaliações mais cautelosas terem se multiplicado a partir do fim de julho, quando o governo elevou alíquotas de impostos num ritmo maior que o esperado por investidores.
Segundo a pesquisa Focus divulgada ontem, o IPCA estimado para este ano recuou de 3,51% na semana anterior para 3,45% ao fim da semana passada. Para 12 meses, a taxa prevista caiu de 4,43% para 4,30%. E os prognósticos para o índice de agosto e setembro também cederam. Ao mesmo tempo, os cálculos para a variação do Produto Interno Bruto (PIB) de 2017 melhoraram ligeiramente, saindo de crescimento de 0,34% para expansão de 0,39%. Para 2018, porém, a taxa se manteve em 2%.
Conversas com profissionais de mesas de operação indicam que o mercado ainda aposta mais num juro perto de 7%. No entanto, cada vez mais cenários alternativos têm contemplado taxa básica na inédita faixa de 6%.
"O hiato do produto está ainda muito aberto. E não há perspectiva de algum fechamento expressivo nos próximos meses, o que dá tranquilidade para o Banco Central testar uma Selic mais baixa", diz Solange Srour, economistachefe da ARX Investimentos.
O hiato do produto é um conceito macroeconômico que, em linhas gerais, mede quão abaixo ou acima do PIB potencial a atividade econômica opera.
Atualmente, esse "gap" está aberto - ou seja, a economia opera em ritmo muito aquém de sua capacidade de expansão. Essa diferença negativa - em outras palavras, hiato negativo - sugere que o juro básico pode ficar em patamares menores por mais tempo sem estimular pressões inflacionárias.
Embora abstrato, o hiato do produto negativo é referenciado por alguns indicadores econômicos, com destaque para a taxa de desemprego e o nível de atividade dos setores industrial, de serviços e varejo.
Na próxima sexta, será conhecido o resultado do PIB referente ao segundo trimestre do ano. Pesquisa do Valor Data indica que o consumo das famílias ajudou a economia a evitar queda sobre os três meses anteriores, com o PIB devendo mostrar variação zero nessa base de comparação. Contudo, os investimentos continuam deprimidos. "Se os números vierem como esperado ou melhores, o impacto na curva de juros será neutro. Mas se vierem mais fracos, o mercado verá como uma senha para vender taxa", diz o gestor sênior de renda fixa da Absolute Investimentos, Renato Botto, em referência aos próximos números de atividade. O gestor trabalha com juro terminal de 7%, mas não descarta chances de a taxa básica recuar abaixo desse patamar.
Mauricio Oreng, economista-chefe do Rabobank Brasil, trabalha com Selic de 7,5% ao fim do ano. Ele lembra a necessidade de reformas para que o juro consiga se manter perto desse patamar. "O BC vai ajustar a postura expansionista à própria queda do juro neutro, que depende dos ajustes estruturais." À espera da agenda político-econômica dos próximos dias, o mercado teve ontem o pregão com volume de negócios mais fraco em três semanas. Na BM&F, o juro com vencimento em janeiro de 2019, o mais negociado da sessão, subiu 1 ponto-base, para 7,83%. O dólar teve leve alta de 0,27%, a R$ 3,1626. - Valor Econômico Jornalista: José de Castro e Lucas Hirata Leia mais em portal.newsnet 29/08/2017
Copom monitora ritmo da retomada
O presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, destacou as incertezas sobre o ritmo de recuperação da economia, que pode ser mais gradual ou mais forte, em entrevista publicada no sábado pela "Folha de S.Paulo".
Também disse que, ao contrário do que se previa há um ano, a retomada da atividade não ocorre primeiro pelo investimento, e sim pelo consumo.
Qual é a consequência desses dois fatos para a condução da política monetária? No curto prazo, provavelmente nenhuma. Mas, à medida que o tempo passa, a recuperação e a composição da atividade econômica tenderão a se tornar determinantes mais importantes na fixação da taxa Selic.
O Comitê de Política Monetária (Copom) do BC deu fortes indicações de que pretende fazer um corte de juros de um ponto percentual em reunião que ocorre dentro de uma semana, de 9,25% para 8,25% ao ano, embora tenha destacado que ele só será confirmado se forem mantidas as condições econômicas e políticas que prevaleciam em julho. A leitura dominante dos analista econômicos é que os dados mais recentes de inflação e atividade econômica corroboram um corte de um ponto percentual. Os contratos DI negociados na BM&F ontem apontavam uma chance de 82% de corte de juros de um ponto percentual.
As incertezas sobre o ritmo de recuperação da atividade, porém, tendem a ter uma influência um pouco mais expressiva sobre o tamanho do ciclo de corte de juros - ou seja, sobre o valor mínimo que a Selic pode chegar.
O mercado vê um ciclo de distensão cada vez maior. Na semana passada, os economistas consultados no Focus cortaram de 7,5% para 7,25% ao ano sua projeção para a Selic no fim de 2017. Os Top 5 de curto e de médio prazo passaram a apostar em uma taxa de 7% ao ano. Já há analistas que preveem menos que 7% ao ano.
O BC, até agora, não deu nenhuma declaração que corrobore as chances de uma Selic tão baixa. No conjunto, porém, as declarações das autoridades do BC tem sido cautelosas. Na entrevista, Ilan resolveu destacar um dos fatores listados no balanço de riscos do BC que, em tese, poderá fazer o Copom conduzir esse final de ciclo de distensão com uma dose de conservadorismo.
"A dúvida é o ritmo de recuperação. É gradual, será mais forte? É nisso que estamos pensando agora", disse Ilan.
Como o BC também tem destacado que o nível de ociosidade da economia é muito grande, não se pode exagerar o papel do ritmo de recuperação. Mas, conforme o tempo passa e os estímulos monetários se tornam cada vez maiores, a tendência é o Copom dar um peso crescente para o ritmo de recuperação econômica. Será preciso acompanhar na comunicação oficial como o BC avalia esses dois fatores - o nível de ociosidade e o ritmo de recuperação.
O fato de a recuperação estar ocorrendo primeiro pelo consumo, e não pelo investimento, deve pesar nas decisões futuras do BC, mas num horizonte um pouco mais distante. Naturalmente, seria mais confortável se os investimentos reagissem primeiro, pois eles contribuiriam para a aumentar a capacidade produtiva - e ajudariam a acomodar a recuperação da atividade e do consumo num momento seguinte.
Ilan disse à "Folha" que o alto grau de ociosidade da economia fez com que as empresas adiassem investimentos. Em março, o BC chegou a divulgar um estudo no seu Relatório de Inflação que mostrava ser possível ter alguma recuperação dos investimentos mesmo com capacidade ociosa.
Aparentemente, essas expectativas não estão se confirmando.
Mas, de novo, não se pode exagerar o papel da falta de reação dos investimentos na condução da política monetária. A capacidade ociosa da economia é tão grande que - salvo surpresas - há tempo para aguardar a retomada dos investimentos e a sua maturação. Valor Econômico
Jornalista: Alex Ribeiro Leia mais em portal.newsnet 29/08/2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário