Os irmãos Batista precisam vender empresas para resolver a situação financeira do grupo J&F.
No domingo 9 de julho, o empresário Wesley Batista, um dos donos do grupo J&F, chegou esperançoso para uma reunião com o banqueiro Pedro Moreira Salles, do Itaú, e Marcelo de Medeiros, ex-sócio do banco Garantia. A dupla comanda a empresa de investimentos Cambuhy, que era, até então, a maior interessada em comprar a empresa de calçados Alpargatas, controlada pela J&F. O grupo de Batista e a Cambuhy negociavam há pelo menos duas semanas. O empresário acreditava que o contrato seria assinado naquele dia e que conseguiria vender a Alpargatas por 3,8 bilhões de reais — achava que estava cedendo ao dar um desconto de 200 milhões de reais em relação ao preço pedido.
Mas, conforme duas pessoas com conhecimento do assunto, Salles e Medeiros disseram que só fechariam o negócio por 3,5 bilhões — e exigiram contrapartidas, como deixar parte do pagamento congelada em uma conta para cobrir eventuais custos jurídicos caso a Alpargatas seja envolvida em algum rolo da J&F na Operação Lava-Jato. “Achei que estava falando com os verdadeiros donos do dinheiro”, disse Batista, visivelmente irritado. Como os donos do dinheiro não aceitaram a provocação, a reunião terminou ali.
Na pilha de problemas em que se transformou o grupo J&F após a delação do empresário Joesley Batista, irmão de Wesley, a venda da Alpargatas era vista como uma solução relativamente simples. Dona da marca Havaianas, a empresa é pouco endividada, gera caixa e tem uma gestão independente. Seu presidente, Márcio Utsch, estava lá bem antes de 2015, quando a J&F comprou a Alpargatas de outra companhia enrolada em delações e acordos de leniência, o grupo Camargo Corrêa.
Os próprios Batista venderam ao mercado — e aos credores, em particular — a ideia de que fechariam o negócio em poucas semanas e por um bom dinheiro, o que seria o primeiro passo de um plano para tirar a J&F do sufoco financeiro em que se encontra depois do estouro da delação. Até o fechamento desta edição, no dia 11 de julho, Wesley Batista tentava negociar um novo acordo com a Cambuhy.
A J&F tornou-se o que é — um dos maiores grupos do país, com faturamento de quase 200 bilhões de reais, o dobro da mineradora Vale — comprando concorrentes e empresas que nada tinham a ver com seu negócio original, o processamento de carnes. Além da Alpargatas, comprou o banco Matone, empresas de energia elétrica, as empresas de produtos lácteos Itambé e Vigor, a fabricante de alimentos Seara, marcas de detergente, sabão em pó e xampus, entre outras.
Em dez anos, os Batista gastaram mais de 30 bilhões de reais em aquisições. Também criaram, do zero, uma das maiores fabricantes de celulose do mundo, a Eldorado. Para fazer tanta coisa em tão pouco tempo, a J&F contou, como se sabe, com crédito irrestrito de bancos públicos, especialmente BNDES e Caixa Econômica Federal, mas também com amplos financiamentos de bancos privados que não queriam perder a incrível ascensão do clã Batista.
Ao final desse processo, as empresas da J&F acumulavam dívidas de 70 bilhões de reais. No mundo pré-delação, essas dívidas eram vistas como pesadas, mas “administráveis”. Após a delação que escancarou ao mundo o histórico de crimes dos Batista, a coisa mudou radicalmente de figura. O crédito secou, o consumidor se retraiu — e o futuro do grupo começou a ficar incerto. Após assinarem um acordo de leniência em que se comprometeram a pagar 10,3 bilhões de -reais em 25 anos, os irmãos Batista começaram a travar uma batalha pela própria sobrevivência.
À venda
O aspecto mais visível dessa luta é uma tentativa um tanto desesperada de desfazer o império construído na última década. Estão à venda todas as empresas compradas ou erguidas pela J&F em seu período de glória, segundo executivos que acompanham as negociações. Aqui, os irmãos Batista seguem um roteiro trilhado por seus colegas delatores — grupos como Camargo Corrêa, Odebrecht e Andrade Gutierrez —, que tentam vender empresas para pagar dívidas e acalmar a ira de credores em pânico.
Fazer a conta fechar não será tarefa simples. Segundo os cálculos da agência de classificação de risco Standard & Poor’s, somados, os ativos e o caixa da J&F alcançam 19,4 bilhões de reais, 2,2 bilhões menos do que o que a holding tem de compromissos a pagar (a conta não inclui as dívidas de cada empresa do grupo, apenas as assumidas pela própria J&F). Embora incompleta, a conta dá uma medida do tamanho do desafio à frente para os Batista. O grande problema na holding são os vencimentos de curto prazo. Nos próximos 12 meses, a J&F tem 1,3 bilhão de reais a pagar, entre dívidas vencendo, despesas com juros, gastos operacionais e a primeira parcela do acordo de leniência.
A estimativa de Felipe Speranzini, analista da S&P, é que a holding terá pouco mais de 800 milhões de reais em caixa quando essas dívidas vencerem, considerando o fluxo de dividendos esperado das empresas que controla e outros recursos levantados com a venda de ações em 2017. Ou seja, falta aproximadamente meio bilhão de reais para fechar as contas da holding no curto prazo. Quando são incluí-das na conta as dívidas de cada empresa do grupo, o desafio, que já era grande, torna-se colossal.
Para ganhar tempo, os Batista iniciaram a renegociação das dívidas de cada empresa controlada pela J&F. Maior empresa de proteína animal do mundo, a JBS tem uma dívida de 59 bilhões de reais, sendo que 18 bilhões — 31% do total — vencem nos próximos 12 meses. Em caixa, tem 11 bilhões de reais. No fim de junho, Wesley começou a se reunir individualmente com os bancos credores com a proposta de uma suspensão temporária dos pagamentos de curto prazo, instrumento conhecido como “standstill”, por 24 meses.
Segundo Wesley argumentou com os banqueiros, esse é o tempo máximo necessário para colocar a empresa em ordem. Desde maio, a JBS chegou a dar férias coletivas a funcionários de uma das fábricas no Brasil e diminuiu em 65% o ritmo de abates. Também mudou a forma de pagamento dos pecuaristas fornecedores, pressionando os vendedores a aceitar pagamento a prazo, e não à vista, como costumava fazer.
As medidas visam justamente preservar o fluxo de caixa da companhia. “A JBS pode ser a maior do mundo, mas esse é um negócio de margens apertadas e uso intenso de capital de giro”, diz um ex-diretor da companhia. A margem de geração de caixa da JBS foi de 6% no primeiro trimestre de 2017, e a margem líquida (quanto efetivamente vai para o caixa como lucro) foi de 1% do faturamento.
A reestruturação da dívida da JBS teve momentos agudos de tensão. Os bancos recusaram a proposta inicial e passaram a negociar uma alternativa, mas o Itaú abandonou as conversas. EXAME apurou que, quando as investigações em torno da JBS e de seus controladores começaram, em 2016, o comitê de investimentos do Itaú decidiu ser mais conservador nos empréstimos para a companhia — o banco tem, segundo executivos de mercado, 1,5 bilhão de reais a receber até 2018, enquanto o Bradesco tem 3 bilhões de reais; o Santander e o Banco do Brasil, cerca de 4 bilhões de reais; e a Caixa Econômica Federal, 8 bilhões de reais.
Quando os problemas aumentaram após a delação, o Itaú resolveu “dar uma de superior”, segundo um concorrente, e cobrar o que tinha a receber na data do vencimento. Se isso acontecesse, seria um desastre. Segundo credores, nas regras de emissão de parte dos títulos de dívida da JBS, há uma que permite que os credores cobrem antecipadamente tudo o que têm a receber caso algum credor fique fora de um eventual acordo de renegociação de dívidas. Isso anteciparia a cobrança de mais de 2 bilhões de dólares que a JBS tem a pagar a partir de 2020.
Executivos próximos à empresa dizem que, nesse cenário, a recuperação judicial seria a única opção. Também haveria consequências para o mercado financeiro. Alguns bancos médios deram um volume relevante de crédito à JBS.
A postura do Itaú deixou Bradesco, Santander e Banco do Brasil à beira do pânico. Para evitar o pior, Paulo Caffarelli, presidente do BB, telefonou diretamente para Candido Bracher, presidente do Itaú, a fim de convencê-lo a negociar, segundo informaram executivos que acompanharam as negociações entre os credores e a JBS. O Itaú acabou cedendo diante de uma nova proposta: receber 40% do que tem direito no vencimento e alongar o prazo do restante da dívida para 12 meses.
Bancos médios também aderiram a essa proposta. Os demais grandes bancos vão receber apenas 10% no ato e o restante no vencimento, mas negociaram um aumento das garantias. No fechamento desta edição, segundo EXAME apurou, os acordos estavam fechados (os bancos não comentaram). Embora seja uma boa notícia, a renegociação da dívida garante apenas uma sobrevida à JBS. Daqui para a frente, o aperto no crédito será uma realidade cotidiana para a companhia, que terá de aprender a viver com muito menos dinheiro disponível. “Resolvemos um problema urgente. Mas não dá para confiar na administração da empresa”, diz o presidente de um banco credor da JBS. “Falta caráter.”
Mesmo empréstimos pequenos estão batendo na trave. Em junho, a J&F tentou rolar o pagamento de um empréstimo de outra subsidiária, a fabricante de produtos de limpeza e higiene Flora, feito com a Caixa, mas não conseguiu. Por e-mail, a J&F afirmou que “a JBS é uma empresa robusta” e que “todos os compromissos firmados com os bancos seguem em linha com o que foi pactuado e não há débitos pendentes”.
A falta de confiança também atrapalha as vendas de ativos. No mínimo, faz com que as coisas demorem mais do que o desejado. O maior medo dos eventuais compradores é ter o Ministério Público batendo à porta para cobrar dívidas da J&F caso o grupo não arque com os pagamentos. Isso porque, na maioria dos acordos de leniência, as empresas compradoras são “solidárias” e podem ser acionadas se houver problemas com a vendedora.
Para contornar essa dificuldade, o grupo Odebrecht, que fechou um acordo de leniência no fim de 2016, chegou a consultar um procurador do Ministério Público Federal durante as negociações de venda de alguns de seus ativos, como a subsidiária de sanea-mento Odebrecht Ambiental, compra anunciada em outubro de 2016, mas só concluída em abril deste ano pelos canadenses da Brookfield. Além disso, no contrato, há cláusulas que dizem que a Brookfield não vai pagar as multas da Odebrecht e que poderá desfazer o negócio a qualquer tempo caso sofra sanções judiciais no futuro por causa da Operação Lava-Jato. Ainda assim, a Odebrecht vendeu menos do que esperava: o plano era obter 12 bilhões de reais em um ano e meio a partir do fim de 2015, mas, até hoje, a empresa conseguiu 5 bilhões de reais.
Outro risco é o de a venda ser bloqueada pela Justiça, como aconteceu com a venda de ativos da JBS na América do Sul para a concorrente Minerva, por cerca de 1 bilhão de reais, em junho. Um juiz de Brasília ordenou o bloqueio até que obtenha mais detalhes dos prejuízos causados pela JBS ao BNDES. A companhia recorreu ao Supremo Tribunal Federal e teve o pedido de liminar negado — o recurso continua correndo, e a JBS tem dito a executivos do Minerva que vai pedir um mandado de segurança para efetivar a transação. Com tantos detalhes na mesa, transações que poderiam ser fechadas em semanas levam meses para ser concluídas.
Os Batista, porém, achavam que resolveriam tudo mais rapidamente porque, de acordo com pessoas próximas à família, não têm “apego” a nenhum negócio. Em junho, duas semanas após o vazamento da delação de Joesley, a JBS anunciou um plano de levantar 6 bilhões de reais com a venda de subsidiárias — entre elas as estrangeiras Five Rivers Cattle e a Moy Park. Em seguida, a J&F abriu negociações formais para Eldorado, Alpargatas e Vigor. “Eles nunca tiveram a cultura de fazer auditoria. Compraram muitas empresas muito rapidamente e achavam que poderiam fazer o mesmo na venda, mas a realidade é outra”, diz o executivo de um banco de investimento.
A compra da Alpargatas ilustra a forma dos Batista de fazer negócio. Em 2015, fundos de investimento e concorrentes passaram quase três meses negociando com a Camargo Corrêa o controle da Alpargatas. A J&F deu início às conversas numa sexta-feira, dia 21 de novembro, e, no domingo, fechou a aquisição, anunciada ao mercado na segunda-feira de manhã. Márcio Utsch estava em sua casa em Angra dos Reis quando recebeu uma ligação de um dos acionistas da Camargo Corrêa pedindo para que fosse ao escritório de advocacia Mattos Filho, em São Paulo, no domingo à noite.
Segundo duas pessoas que acompanharam a reunião, Utsch chegou de bermuda e deu de cara com os Batista na sala, na mesma mesa de advogados e acionistas controladores da Alpargatas. Os irmãos fizeram perguntas genéricas sobre resultados trimestrais e cumprimento de metas, até que Joesley disse: “Ok, vamos comprar”. Hoje sabe-se que a tranquilidade na compra se devia ao empréstimo bilionário da Caixa, liberado na base da propina.
A história de como a compra da Alpargatas foi posta de pé ajuda a mostrar como a venda de ativos terá efeitos limitados para a saúde financeira da J&F. Se tudo der certo — ou seja, se houver interessados em pagar 3,8 bilhões de reais pela Alpargatas, como querem os Batista, cenário tido como improvável por investidores ouvidos por EXAME —, os recursos da venda serão usados integralmente para pagar dívidas.
Para comprar a Alpargatas, a J&F tomou o tal empréstimo de 2,7 bilhões de reais com a Caixa Econômica Federal, corrigido pelo CDI mais 3% e com carência de três anos — que começaria a ser pago em novembro de 2017. Corrigido, o empréstimo está hoje em 3,3 bilhões de reais e tem cláusula de mudança de controle. Isto significa que a J&F tem de quitar a dívida com a Caixa na venda ou convencer o banco a transferir a dívida para o novo dono. Como a J&F foi obrigada a fazer uma oferta de aquisição de ações aos acionistas minoritários da Alpargatas quando comprou a empresa da Camargo Corrêa, dada a troca de controlador, a companhia tomou um empréstimo de mais 500 milhões de reais no Bradesco, dando em garantia parte de suas ações na Alpargatas.
O empréstimo do Bradesco venceu há um mês — mas o banco aceitou postergar a execução da dívida até que a venda da Alpargatas seja concretizada. Ou seja, a venda da empresa não resultará em trocado algum para a J&F. “A vantagem dessa venda é acalmar os credores, reduzindo o endividamento global e mostrando disposição de acertar as contas”, diz um executivo que participa das negociações. Por e-mail, a J&F afirmou que “seus negócios prosseguem em ritmo normal, conforme os planos de negócios de cada uma de suas empresas”.
A J&F não tem encontrado problemas para atrair interessados em comprar a Vigor e a Eldorado, mas as negociações são complexas. No caso da Vigor, as ações da empresa foram dadas em garantia à Caixa no financiamento para a compra de ações da Alpargatas. Ou seja, só será possível vender a Vigor quando a venda da Alpargatas estiver concluída e as garantias forem liberadas (ou quando houver dinheiro, de outra venda, para quitar a dívida com a Caixa). Bradesco e Santander estão coordenando essas negociações.
A Vigor estava à venda antes da delação de Joesley Batista — havia interessados na aquisição e o segmento de lácteos não é prioritário para a J&F. O grupo tentou, mas não conseguiu, tornar a Vigor uma empresa nacional — apesar da presença em 11 estados, o resultado é muito concentrado no Sudeste do país e a margem de lucro é apertada, em torno de 3%. Em março, a fabricante americana de bebidas Pepsico iniciou tratativas para a aquisição da Vigor, em valores que chegavam a 6 bilhões de reais, conforme pedido pela J&F — o correspondente a um ano de faturamento da empresa. Mas a Pepsico recuou após a delação. Hoje estão no páreo a francesa Lactalis e a mexicana Lala. No material institucional apresentado a investidores em junho, a Vigor é avaliada em 2 bilhões de reais, e a J&F pede um prêmio sobre o valor. Lala, Lactalis e Pepsico não comentaram.
Como fez na Alpargatas com o fundo Cambuhy, a J&F também firmou um acordo de confidencialidade na negociação da Eldorado. A fabricante chilena de celulose e madeira para móveis Arauco está conduzindo uma auditoria na operação da companhia para definir se vai fechar a compra e a que preço. A companhia foi a única das interessadas a fazer um contrato de interesse de compra próximo aos 14 bilhões de reais pedidos por Wesley Batista — que inclui 8 bilhões de reais em dívidas. As concorrentes brasileiras Fibria e Suzano também têm interesse na Eldorado.
EXAME apurou que tanto Suzano quanto Fibria já negociaram com bancos um pacote de financiamento para fazer suas propostas — mas só farão isso quando o preço cair. Na avaliação das empresas, a transação só faz sentido entre 10 bilhões e 11 bilhões de reais. A agressividade inicial da Arauco inclui o interesse não só na fábrica em operação mas também no projeto de expansão, que a Eldorado diz ser viável em um ano e meio — mas, segundo analistas do setor, não há florestas suficientes para suprir a necessidade de madeira para essa operação ficar de pé. Os fundos de pensão e as empresas de celulose não deram entrevista.
A J&F também pode ser pressionada para vender o controle do banco Original. Uma resolução do Conselho Monetário Nacional, que trata da operação de instituições financeiras, estabelece que donos e administradores de bancos no país devem ter reputação ilibada. O Banco Central ainda não intimou o Original a fazer mudanças, mas colocou um auditor na sede do banco para acompanhar suas operações diárias.
Segundo gestores de patrimônio, não houve uma corrida de resgate de títulos emitidos pelo banco por ser papéis pulverizados e de pouco volume, que contam com a proteção do Fundo Garantidor de Créditos (FGC). No ano passado, o banco lucrou 44 milhões de reais, ante 111 milhões em 2015 — mas o resultado só foi positivo graças a um aporte dos controladores. O banco tem operações relevantes de compra e venda de carteiras de crédito da J&F. A operação de varejo, lançada como “o primeiro banco 100% digital do país”, não engrenou.
Outra frente de pressão sobre o Original vem do Fundo Garantidor de Crédito, que é credor de 3 bilhões de reais pelo financiamento para a aquisição do banco Matone em 2011. EXAME apurou que o FGC e a Federação Brasileira de Bancos tentam intermediar a venda do banco — as conversas iniciais foram com o Santander e com o chinês China Construction Bank, que comprou o BicBanco em 2013 e financia pequenas e médias empresas. FGC, Febraban e os bancos não comentaram.
Desinteresse
Apesar de todos os desafios, vender a Vigor, a Eldorado, a Alpargatas e outras subsidiárias da JBS será muito mais fácil do que passar adiante outras empresas do grupo. Uma companhia que ninguém quer é a Flora. Foi criada pelo grupo na década de 80 e cresceu com a aquisição de marcas detidas pelo grupo Bertin em 2009 e pela Hypermarcas em 2011 — como Minuano (de produtos de limpeza), Assim (de sabão em pó) e OX (de cosméticos). Hoje, ela está avaliada entre 700 milhões e 1 bilhão de reais.
A possibilidade de sair negócio, no entanto, esfriou quando os investidores se deram conta de quão intrincada é a Flora na JBS. Há uma dependência de gordura animal, fornecida pela JBS, segundo eles, para fabricação de produtos de limpeza — isso é um problema porque os fundos e os concorrentes não querem depender da JBS como fornecedora. “No cenário atual, é mais viável a negociação de marcas do que do pacote fechado”, diz um executivo ligado à J&F.
Outros negócios do grupo também devem ser mantidos, por enquanto, por falta de interesse do mercado. A geradora e transmissora de energia Âmbar teve o contrato de fornecimento de gás suspenso pela Petrobras devido ao envolvimento em corrupção e não tem contrato fixo de venda de energia, segundo duas pessoas com conhecimento do assunto. O grupo tem ainda outros negócios menores, como a J&F Oklahoma, empresa pecuária nos Estados Unidos, e o canal de televisão voltado para o agronegócio, Canal Rural. Também é proprietária de fazendas no Brasil.
O desejo dos irmãos Batista era manter os negócios internacionais e reduzir sua exposição ao Brasil. Mas, na prática, como eles terão de vender o que conseguirem, e não o que querem, executivos próximos ao grupo acreditam que a J&F vai encolher em torno de 30% em um ano e se tornar um grupo novamente especializado no agronegócio e no setor de alimentos, como era até 2010. Como fizeram outras empresas envolvidas em escândalos de corrupção, a J&F tomou algumas ações para tentar mostrar ao mercado que está mudando — criou comitês, programas de compliance, tirou Joesley Batista dos quadros (ele foi substituído na presidência do conselho de administração da JBS por Tarek Farahat, ex-presidente no Brasil da empresa de bens de consumo P&G).
Agora o BNDES tem pressionado pela saída de Wesley Batista, que também fez delação premiada, mas continua como presidente da JBS. Executivos de bancos credores estão tentando convencer o BNDES a aceitar que ele fique no grupo durante pelo menos mais seis meses, por ser quem entende em detalhes da operação. É um aspecto inusitado desse imbróglio todo: dois criminosos confessos vendem ativos para pagar seus credores imediatamente e salvar seu patrimônio, enquanto a sociedade vai esperar 25 anos para receber a multa estabelecida no acordo de leniência.
Conseguir enxugar a empresa, passar o comando a outros executivos e receber dividendos seria um desfecho altamente positivo para os Batista — mas também difícil de concretizar. Ao admitir que foi a corrupção indiscriminada que permitiu o crescimento da J&F, os irmãos entraram na mira de diferentes autoridades. O acordo de leniência só resolve parte dos problemas. Em julho, o Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu usar a delação de Joesley Batista no processo que discute os possíveis danos causados ao BNDES.
O TCU definiu também que pode cobrar ressarcimento. A J&F diz que isso viola o acordo de colaboração e que vai recorrer. Mas as dúvidas não se esgotam aí. Qual será o tamanho de uma possível multa do Departamento de Justiça americano? Como outros governos reagirão? Finalmente, que problemas a escassez de crédito para o dia a dia de suas operações causará para o grupo dos irmãos Batista? A luta pela sobrevivência está apenas começando, e ninguém sabe como isso tudo vai acabar. Por Maria Luíza Filgueiras, Giuliana Napolitano Leia mais em RevistaEXAME 13/07/2017
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