No Brasil, porém, o modelo nunca pegou e, considerando o critério mais rígido, só sete empresas listadas na B3 (antiga Bovespa) têm capital pulverizado.
As corporations se firmaram como modelo societário americano nos anos 1930, após o crash da Bolsa de Nova York, segundo Evandro Pontes, professor de Direito Societário do Insper. A criação, em 1934, da Securities and Exchange Commission (SEC, órgão que regula o mercado de capitais nos EUA) balizou o investimento em ações como uma opção segura para o americano médio. As companhias tinham acesso a uma reserva de capital junto às pessoas físicas para financiar sua expansão, fragmentando sua estrutura societária.
— A história de pulverização de capital começa por causa de uma peculiaridade do capitalismo americano, no qual toda a poupança popular foi alocada em ações. A pulverização virou regra por lá — diz Pontes.
SHOW PARA ACIONISTAS
Antes da crise financeira de 2008, 65% dos adultos detinham investimento em ações, segundo a Gallup. Depois que a recessão devastou o valor dos papéis em Bolsa, muitos americanos fugiram do mercado, mas o percentual era de 52% em 2016. É o menor em duas décadas, mas está muito acima do índice visto no Brasil, onde menos de 4% da população em idade ativa aplica em ações.
— Por isso que, quando o Walmart fazia assembleia de acionistas nos anos 1990, ele fechava uma cidade inteira e organizava um show do Michael Jackson — exemplifica Renato Vilela, professor de Direito Societário do GVLAW, da FGV-SP. — Mas, mesmo lá nos EUA, já está havendo uma concentração maior. A literatura jurídica vem demonstrando que a ideia de que a pulverização das ações representa uma democratização da gestão da empresa está se tornando ultrapassada.
Uma pressão importante para mudar o paradigma das empresas sem dono veio do Vale do Silício. Muitas start-ups se viram obrigadas a levantar bilhões na Bolsa para satisfazer seus planos de expansão sem que os fundadores abdicassem do controle sobre os negócios. A oferta pública de ações (IPO, na sigla em inglês) da Google, em 2004, foi emblemática nesse sentido.
Para manter as decisões nas mãos dos fundadores Larry Page e Sergey Brin e do diretor executivo, Eric Schmidt, a firma decidiu emitir duas classes de ações, sendo que o tipo que ficaria com eles teria peso dez vezes maior em votações. O modelo foi inspirado no de duas empresas peculiares para os padrões americanos: Ford, na qual a família do fundador segue ditando os rumos, e Berkshire Hathaway, onde quem manda é Warren Buffett.
Outros IPOs de start-ups usariam expediente semelhante, como Facebook e Linkedln. Com esse movimento, a quantidade de empresas americanas com bloco de controle cresceu. Segundo estudo do Investor Responsibility Research Center Institute (IRRCI), o número cresceu de 87 para 114 entre 2002 e 2012 no universo do índice S&P Composite 1500, que reúne as 1.500 empresas abertas mais relevantes dos EUA e abrange 90% do mercado. Desde então, o número caiu para 105, mas segue 20% acima do nível de 2002.
O estudo do IRRCI não chega a uma conclusão clara sobre qual modelo gera melhores resultados, mas sugere que empresas com bloco de controle têm desvantagens em retorno total ao acionista, crescimento de receitas e pagamento de dividendos. Elas se saem melhor, porém, no critério de retomo sobre o ativo.
— Alguns estudos já tentaram demonstrar que existe uma valorização maior da companhia se seu capital é pulverizado, mas não são conclusivos. Por outro lado, há a percepção de que, quando o capital é pulverizado, os administradores têm maior autonomia para decidir seu próprio salário e acabam recebendo mais do que a média do mercado — afirma Vilela, do GVLAW.
No Brasil, esse dilema é quase inexistente. Embora não haja regra clara sobre o conceito de "pulverização" os especialistas identificam raras empresas sem bloco de controle entre as 339 companhias que têm ações na B3. Segundo Pontes, do Insper, um dos motivos para isso é o fato de que, historicamente, em vez das pessoas físicas, os principais sócios corporativos no Brasil são o Estado e, mais recentemente, investidores institucionais, como BNDES e fundos de pensão.
— Se tomarmos por base a lei que estabelece controle como detenção de 50% 1 das ações com direito a voto, temos por volta de 50 companhias que se dizem "sem controlador" no Brasil. Mas as que contam com dispersão cujo maior acionista tem participação na casa dos 10% do capital votante são, na melhor das hipóteses, apenas sete— disse, citando B3, Renner, Gafisa, BR Malls, Embra- er, Hering e PDG.
MENOS CONFLITO
A varejista Renner foi a pioneira do modelo no Brasil. A americana ICPenney, que controlou a Renner de 1998 a 2005, se desfez de suas ações naquele ano e decidiu oferecê-las em Bolsa. Foi uma espécie de IPO, mas sem a emissão de novos papéis. Com isso, o capital foi pulverizado. Hoje, o maior acionista é a Aberdeen Asset, com 14,93% das ações.
Para a Renner, o resultado tem sido positivo: de 2006 até 2016, sua receita anual saltou de R$ 1,43 bilhão para R$ 6,45 bilhões.
— Essa estrutura explica parte importante do nosso desempenho. Para ter resultados consistentes, a empresa precisa de um posicionamento de mercado definido, e não há dúvida de que a governança é fundamental para isso. A estrutura de corporation ajuda, uma vez que elimina o viés de conflito de interesse nas decisões de conselho. O modelo permite que nossos conselheiros sejam independentes — disse o diretor financeiro da Renner, Laurence Beltrão Gomes.
Mas, se não tem sócio controlador, a Renner tem uma figura incomum nas empresas pulverizadas americanas: um diretor-executivo que está há décadas à frente da empresa, José Galló.
— Os administradores têm mais autonomia, mas a responsabilidade é maior. As decisões ficam concentradas nos gestores — disse Gomes. O Globo Jornalista: Rennan Setti Leia mais em portal.newsnet 25/06/2017
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