27 janeiro 2017

Na ponta dos dedos

A transformação digital responsável por criar gigantes como Airbnb e Uber no setor de serviços chegou ao mercado financeiro com o mesmo potencial de provocar rupturas em modelos de negócios seculares graças a tecnologias que vão de smartphones a big data, analytics, inteligência artificial, robôs e blockchain.

Hoje, bancos, meios de pagamento, seguros, crédito e investimentos estão na palma da mão do cliente sem necessidade de qualquer interação humana. E, mesmo investindo pesadamente em tecnologia, as instituições tradicionais passaram a ser instigadas pelas fintechs, startups de base tecnológica, livres de legados, ágeis e capazes de prestar serviços de nichos a custos reduzidos.

O resultado foi a aceleração de inovações, bancarização e oferta de produtos antes restritos a poucos a uma maior parcela da população. Na média dos cinco maiores bancos do país, as operações digitais representam mais de 60% do total - excluída a Caixa, são 72% - e as transações mobile já passaram à frente da internet em pelo menos dois deles.

Do depósito de cheques com base em foto ao atendimento por videoconferência, praticamente qualquer serviço ou processo bancário pode ser realizado pelo cliente por aplicativos de celular. Principalmente depois que os incumbentes aceleraram esforços em design e usabilidade para equiparar seus aplicativos aos criados por instituições como Nubank, Original, Intermedium e Neon, cujas operações, da captação ao atendimento dos clientes, são totalmente digitais.

No Banco do Brasil, primeiro tradicional a permitir abertura de conta simplificada pelo smartphone, o financiamento de veículos via aplicativo já responde por mais de 15% dos desembolsos no segmento, com 70% das operações no fim de semana.

Pelo celular, a devolução do Imposto de Renda (IR) é antecipada com envio de foto do recibo e o aplicativo Ourocard permite contestação on-line, cartões virtuais e pagamentos sem contato (NFC, na sigla em inglês).

A próxima novidade é uma solução de gestão financeira de cartões e contas em visão única, classificação por tipo de gastos e para IR, em testes com público interno, adianta o diretor de negócios digitais, Marco Mastroeni.

O Itaú já registra mais de 60 mil contas abertas pelo celular desde setembro e oferece agências digitais, com gerentes remotos em horários estendidos, além de contratação de capital de giro e pagamento de Darf para pessoas jurídicas pelo aplicativo.

Segundo o diretor executivo Luca Cavalcanti, o Bradesco vai colocar no ar seu aplicativo de conta digital com lançamento diferenciado, resultado da plataforma Next, marca usada originalmente em espaços conceito em shopping centers e do projeto voltado aos usuários mais jovens com investimentos de R$ 120 milhões para concorrer com as fintechs.

A Caixa, no último bimestre de 2016, registrou aumento de 45% no volume de transações mobile. Além de aplicativos segmentados, como FGTS, Bolsa Família, Trabalhador e ID Jovem, criou o Caixa Celular, com gerenciamento de todas as contas do cliente em acesso único, e o app Cartões Caixa, com funções como liberação de uso no exterior e contestação de transações, detalha o diretor de transformação digital Adriano Assis Matias. O Santander Way vai ainda mais longe e permite funções como emissão de cartões virtuais e classificação de compras.

O próprio relacionamento com as fintechs também avançou. No cenário mundial, alguns países lidam com elas como concorrentes. Outros, como parceiros e agregadores de qualidade, soluções e ideias. "É como enxergamos", diz Gustavo Fosse, diretor de tecnologia da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban).

Para buscar inovação, as estratégias vão de gerências de TI no exterior a aceleradoras de startups. O Banco do Brasil tem presença em Londres, Nova York, Tóquio e Vale do Silício, para onde leva equipes para desenvolvimento de projetos em contato com startups locais. O Santander adquiriu a fintech de cartões digitais pré-pagos ContaSuper. O Bradesco, além de co-criação com influenciadores, criou o programa InnovaBra para selecionar fintechs alinhadas à sua estratégia.

Na primeira edição, o foco foram APIs, plataformas digitais, gameficação e dispositivos vestíveis. Na segunda, customização massificada, blockchain e robôs. Outra iniciativa foi o fundo de corporate venture com capital inicial de R$ 100 milhões.

O Itaú criou a aceleradora Cubo e já colocou em testes desde soluções com robôs de voz até aplicações para renegociação de dívidas on-line, compartilhamento de cookies e visualização de dados. A Caixa, com apoio do Fundo Socioambiental e parceria com Artemísia, vai selecionar até 15 startups em seu Desafio de Negócios de Impacto Social.

Como o relacionamento com este novo universo demanda ajustes tecnológicos, as instituições começam a adequar seus ambientes para permitir acessos a desenvolvedores externos. Banco do Brasil e Bradesco, por exemplo, já investem forte em conectores (APIs). Bancos médios fazem o mesmo. "Com menor escala, sua necessidade de plataformas com APIs para inovação por integração às fintechs é maior", diz André Leme, da Bain Brasil.

Big data, analitycs, algoritmos, robôs e inteligência artificial colaboram para o processo digital de ponta a ponta e reduzem espaços entre estratégias multicanais e omnichannel, com maior integração entre canais e ofertas mais personalizadas com base em CRM. Com processamento de 3 bilhões de transações semanais, o Itaú definiu 100 mil grupos de clientes e aumentou em 40% a assertividade das ofertas comerciais, diz a diretora de canais digitais Lívia Chanes. A assistente virtual Vi alcança 97% de acertos no atendimento de cartões.

O Bradesco usa algoritmos, big data e inteligência artificial, com tecnologia Watson da IBM no suporte a agências por chat com precisão de 90% e uso de mais de 24 mil perguntas diárias. O movimento, claro, vai além da interface com os clientes, com automatização de processos de apoio. "No futuro próximo, veremos grandes investimentos em transformação do back office e na revisão de sistemas centrais", afirma Paschoal Baptista, da Deloitte.

O blockchain, que garante a segurança das operações com moedas digitais e funciona por uma cadeia de blocos criptografados, pode apoiar a redução de custos no back office com menor necessidade de infraestrutura. Cai como uma luva para soluções como transferências internacionais de fundos, mas aplicações deste tipo só devem ocorrer em médio prazo. Além de performance limitada em grandes volumes, a possibilidade de mudança de status quo no mercado, apoiado em organizações centralizadoras de registros, só deve ocorrer em médio prazo, diz Luiz Ruivo, da PwC.

A saída de marcas como Goldman Sachs e Santander do consórcio mundial R3, do qual participam os brasileiros Itaú, Bradesco e BMFBovespa, mostra a falta de consenso em torno do assunto. A Febraban montou um grupo de trabalho para estudar o tema, enquanto pilotos e provas de conceitos já rodam por aqui e aplicações comerciais devem chegar ao ar neste semestre.

O Bradesco, em 2016, anunciou testes suportados por blockchain de carteira digital, com a startup eWally, e de remessas internacionais, com a BitOne. O BB tem piloto com bloqueio de endereços de IP inseridos em lista negra. O Santander testa solução de transferências entre funcionários no Reino Unido e fez projeto com a Microsoft para gestão de garantias em aquisição de empresas, diz o diretor da plataforma multicanal, Cassius Schymura. "Vamos ver implementações práticas em 2017", afirma Guilherme Horn, da Accenture.  - Valor Econômico Leia mais em portal.newsnet 27/01/2017

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