07 novembro 2015

Fusões e aquisições. A febre do tamanho está de volta?

Os Estados Unidos vivem uma época de notável consolidação corporativa. Um estudo recente da Universidade da Carolina do Sul mostra que, em múltiplos e diversos mercados, as indústrias têm 25% mais probabilidades de estarem “altamente concentradas” do que há 20 anos.

Da banca aos computadores e à cerveja, fusões e aquisições acumulam-se a um ritmo intenso, suscitando preocupações antitrust a meio de um polémico ciclo de eleições presidenciais. Contudo, ao mesmo tempo, as maiores empresas da América têm mais do dobro das probabilidades de perderem quota de mercado que em 1980.

Consolidação crescente em múltiplas indústrias, mas diminuição da quota de mercado: que se passa, afinal? Acredito que a consolidação industrial pode ser o estertor de morte das indústrias maduras que se debatem para competir com o regresso da América a uma economia mais artesanal e empreendedora.

A cerveja é um grande exemplo: os reguladores estão a considerar a fusão proposta da Anheuser-Busch InBev e da SABMiller, o remate de uma década de frenética atividade de fusão e aquisição no mercado cervejeiro.

A empresa combinada controlaria 30% do mercado mundial da cerveja. Porém, a mesma década que testemunhou a expansão deste singular gigante da cerveja, assistiu também a uma explosão de cervejeiras artesanais por todo o território dos Estados Unidos. Um artigo recente no USA Today referia: “Em finais de junho [2015], havia 3739 cervejeiras nos EUA… isso são mais 699 do que no mesmo momento do ano passado e estão projectadas mais 1755 fábricas. A esse ritmo, o número de fábricas de cerveja dos Estados Unidos pode bater um recorde, ultrapassando as 4131 abertas em 1873”.

Num artigo de 2012 para a Harvard Business Review, Maxwell Wessel argumentava que a escala, “um dos últimos bastiões da tempestade competitiva”, já não é rentável nem segura. Durante muito tempo, a tecnologia deu às grandes empresas uma vantagem competitiva porque mais ninguém se podia dar ao luxo de ser grande.

Se falarmos da Ford Motor Company, mais ninguém podia suportar o custo da vasta maquinaria necessária para fabricar carros. Se falarmos do Wal-Mart, mais ninguém podia sustentar a complexa tecnologia necessária para monitorizar os pedidos dos lojistas em Peoria até às fábricas na China. No entanto, a conectividade radical do nosso mundo digital permite que os pequenos negócios colaborem de maneiras flexíveis que lhes dão capacidades semelhantes às do Wal-Mart ou da Ford Motor Company. Como disse Maxwell:

“Enquanto fabricar um produto numa fábrica de plásticos chinesa exigia pessoas no terreno a negociar, sistemas de informação de patentes e a capacidade de garantir um volume substancial, hoje em dia basta o Alibaba.com. Enquanto apenas as organizações maiores podiam ter call centers a funcionar 24 horas por dia, hoje até as pequenas têm acesso a empresas como a Global Response. E os serviços na Nuvem estão a tornar possível, até às organizações mais pequenas, o acesso a excelentes sistemas de gestão de clientes, software de processo e programas de contabilidade. As vantagens competitivas da escala estão a ser vulgarizadas. A escala mínima eficiente é cada vez menor.”

Criar uma empresa nunca foi tão fácil. Compra-se um domínio (NameCheap, GoDaddy ou dezenas de outros), cria-se um website (SquareSpace ou WordPress), faz-se o crowdsource de um logótipo (99designs ou Fiverr), preenchem-se os documentos legais para registar uma corporação (Legalzoom ou RocketLawyer) e temos uma empresa.

Dá-se início a uma loja online (Shopify ou BigCommerce) ou põe-se a funcionar a operação de uma loja física (Square ou PayPal). A Amazon pode alugar praticamente qualquer parte do seu negócio, desde alojamento a armazenagem e transacção.

Até é possível angariar investimento online com uma série de start-ups de crowdfunding (AngelList, CircleUp, IndieGoGo, Kickstarter, Tilt, LendingTree, Kabbage). Podem fabricar-se produtos usando a impressão 3-D ou o Alibaba. É difícil imaginar negócios que sejam imunes à concorrência da pequena escala — talvez o fabrico de aviões.

Ou as farmacêuticas, embora até na produção de medicamentos as tendências para a medicina personalizada levem a que a atual hegemonia possa ser de curta duração.

No meu livro “The End of Big”, defendo que o conjunto de tendências que inclui o fim das grandes empresas levará, se tudo correr bem, ao aumento da economia centrada no artesanato. Já assistimos de certa forma a isto, com a expansão do Etsy.com e a cultura do produtor.

E não se trata só de pequenos ofícios, tem também a ver com painéis solares, impressoras 3-D e outras altas tecnologias. Mas o aspeto artesanal é o que se destaca, e aponta para um regresso a uma forma comunitária de pensar o mundo. O lançamento recente pela Amazon de um concorrente do Etsy deixa bem claro que “artesanal” é, cada vez mais, uma linha de negócio atrativa.

Embora esta transição pareça inevitável, isto não significa que as grandes empresas cederão sem lutar. Empresas como a Microsoft têm enormes reservas de dinheiro que podem usar para fugir, durante algum tempo, ao “fim do grande”. Para muitas empresas grandes, crescer ainda mais fornece uma defesa aparente contra o poder do artesanal e do faça-você-mesmo. Com o tempo, porém, as empresas mais pequenas serão capazes de competir até com os mais poderosos gigantes.

Este não é, necessariamente, um cenário em que só há um vencedor. Surgirão novas estratégias para as empresas maiores. Existe uma nova geração de “grandes” sobre a qual se constrói a nova era dos “pequenos”: as plataformas (como o eBay, Etsy, Amazon, Apple e Google) onde os negócios pequenos prosperam.

As realidades da mudança climática trarão, provavelmente, ainda maiores pressões às indústrias consolidadas. A nossa economia “grande” atual é insustentável. Felizmente, uma economia mais fragmentada, constituída sobretudo por empresas pequenas e dinâmicas, tem o potencial de nos conduzir a uma maior sustentabilidade, ao mesmo tempo que promove a comunidade e uma geração contínua de riqueza. Neste novo mundo, os consumidores terão de desenvolver maneiras de distinguir entre alta qualidade e falta de qualidade — uma função que as grandes marcas tradicionalmente desempenhavam. Mas há um pequeno preço a pagar.

Como escreve o ambientalista Bill McKibben, “Estamos a transitar, se tivermos sorte, do mundo do poucos e grandes para o mundo dos pequenos e muitos. Ou iremos para aí por nossa própria vontade, ou seremos arrastados, enquanto nos debatemos”. Longe de ver a consolidação como um sinal de força, vejo a recente avalanche de negócios enormes como indicador de que as empresas grandes estão desesperadas por impedir o seu desaparecimento. Estão a ser arrastadas, enquanto se debatem, para o futuro.

A maior cervejeira do mundo, a AB Inbev, comprou a principal concorrente, a SABMiller, em outubro de 2015, criando um colosso do sector. Fotografia: Dado Ruvic/ReutersA maior cervejeira do mundo, a AB Inbev, comprou a principal concorrente, a SABMiller, em outubro de 2015, criando um colosso do sector.  Harvard Business Review Leia mais em dinheirovivo.pt 05.11.2015

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