Na segunda semana de junho, o chinês Zhao Guicai embarcou em um ônibus com outros cerca de 30 chineses e juntos percorreram, em cinco dias, 2.100 quilômetros dos Estados de Mato Grosso, Acre e Rondônia. A comitiva, com integrantes da diplomacia chinesa no país e executivos de empresas daquele país com negócios locais, contava ainda com outros três presidentes de bancos chineses no Brasil, além de Zhao, que preside a unidade local do Industrial & Commercial Bank of China (ICBC), a maior instituição financeira da China e a maior do mundo, com ativos de US$ 3,062 trilhões no fim de 2014.
A intenção era conhecer a região onde os chineses querem construir a ferrovia transoceânica para ligar a região produtora de grãos do Brasil ao Pacífico. O grupo comeu muita poeira, reuniu-se com os governadores dos três Estados, além de empresários da região, e ficou impressionado com o potencial do projeto e o interesse que desperta nas localidades a serem impactadas. “O ICBC irá acompanhar os próximos passos do projeto”, disse Zhao em entrevista ao Valor, indicando que o banco pode ajudar a financiar a empreitada.
Zhao, que no Brasil adotou o nome de Victor, diz que o banco analisa opções de compra no mercado local, mas não comenta um eventual interesse pela subsidiária do HSBC.
Com espaço no balanço local para conceder até US$ 1,2 bilhão em empréstimos, hoje o banco tem uma exposição de apenas US$ 100 milhões. Não é só o balanço que está vago. O andar de 1,7 mil metros quadrados alugado pelo banco em um dos edifícios mais modernos e badalados da Avenida Faria Lima, que também abriga Google e BTG Pactual, conta com apenas 50 funcionários (70% brasileiros) e está preparado para receber outras 100 pessoas.
Por meio de outras empresas do grupo, como a companhia de leasing, o ICBC já tem exposição de US$ 3 bilhões a companhias brasileiras como a JetBlue.
A seguir, a entrevista, que a pedido do ICBC foi feita por e-mail e aprovada pela matriz do banco, em Pequim.
Valor: Quais os planos do ICBC no Brasil?
Victor Zhao Guicai: A estratégia do ICBC Brasil é usufruir do máximo dos benefícios que o Grupo ICBC oferece e, ao mesmo tempo, aproveitar o fato de o Brasil ser uma das principais economias do mundo, seguir as diretrizes comerciais e financeiras, prestar um serviço de qualidade às empresas chinesas que estão entrando no mercado global, participar de projetos estratégicos que envolvam infraestrutura e recursos energéticos do Brasil, e focar nos negócios das empresas chinesas que estão a caminho do mercado global, tornando-se um banco referência na área de recursos energéticos.
Valor: Qual tamanho o banco pretende atingir no Brasil?
Zhao: O ICBC pretende ampliar os negócios e expandir seus serviços no Brasil. Atualmente, o ICBC Brasil já se utiliza da plataforma global do Grupo ICBC e de todos os produtos que este oferece para atender às necessidades dos clientes brasileiros. Pode-se alcançar a expansão e a ampliação dos negócios de acordo com as necessidades dos clientes e do mercado.
Valor: O banco pretende fazer uma aquisição de instituição financeira no Brasil?
Zhao: Nunca descartamos a possibilidade de comprar uma instituição financeira no Brasil com o intuito de ampliar a capacidade de prestar serviços ao mercado brasileiro. Até o momento, não temos planos concretos de adquirir instituições financeiras no Brasil.
Valor: Outro banco teve problemas na aquisição de um banco no Brasil. Isso muda a intenção do ICBC?
Zhao: O ICBC já estabeleceu subsidiárias e agências em 43 países e diferentes regiões. Dentre eles, aproximadamente mais da metade foram executadas por meio de aquisições, que por sua vez foram bem sucedidas e com resultado satisfatório no processo de aquisição. Portanto, os problemas que outro banco enfrentou não influenciará em eventual estratégia de aquisição do ICBC.
Valor: Qual o volume (estoque) de negócios feito pelo ICBC com empresas brasileiras hoje, entre balanço local e plataforma global?
Zhao: O ICBC Brasil já proporcionou um volume de negócios [crédito] superior a US$ 100 milhões para clientes locais. Ao mesmo tempo, outras plataformas de negócios do ICBC, como o ICBC Leasing, forneceu à Embraer e a outros clientes serviços financeiros em valor total de US$ 3 bilhões.
Valor: Quais são os setores de atuação e quais os principais clientes?
Zhao: Atualmente, os negócios do ICBC Brasil estão focados em transações comerciais envolvendo grandes volumes de commodities, especialmente exportação de produtos agrícolas. Tal nicho de negócios, além de receber uma grande demanda da China e de outros países, possui produtos consolidados internacionalmente, além de receber diversos incentivos de órgãos reguladores brasileiros. Os principais clientes são empresas líderes do segmento agrícola do comércio bilateral sino-brasileiro nos ramos de soja, café, frigoríficos, entre outros; as principais operações realizadas referem-se a trade finance.
Valor: Qual o limite do tamanho do balanço do banco no Brasil?
Zhao: De acordo com as normas locais, o valor máximo dos ativos de riscos do ICBC do Brasil pode atingir 6 vezes o valor do patrimônio de referência (limite de alavancagem). Até maio de 2015, este valor é de cerca de US$ 1,2 bilhão.
Valor: O ICBC pode operar no varejo bancário no Brasil?
Zhao: ICBC Brasil é um banco múltiplo que oferece atualmente apenas serviços integrados de corporate banking. Entretanto, estamos estudando a possibilidade de oferecer serviços de banco de varejo.
Valor: Qual a diferença da estratégia do ICBC e dos outros bancos chineses presentes no país?
Zhao: Atualmente, há quatro bancos chineses no Brasil: BOC (Banco da China), ICBC (Banco Industrial e Comercial da China), CCB (China Construction Bank), e um escritório de representação do Banco de Desenvolvimento da China (banco de política), localizado no Rio de Janeiro. O BOC está no Brasil há mais tempo, e oferece atualmente serviços de banco de varejo e de corporate banking; o CCB adquiriu o Bicbanco, possui numerosas agências, e os principais clientes são empresas de pequeno e médio porte; e o ICBC oferece atualmente apenas serviços integrados de corporate banking. Embora os ramos dos negócios do BOC e do ICBC sejam diferentes, os clientes-alvo assemelham-se.
Valor: O que mudou na estratégia do ICBC desde que o banco chegou ao Brasil, em 2012? E o que mudou no Brasil?
Zhao: O processo de internacionalização é um dos principais pontos estratégicos do Grupo ICBC nestes últimos anos. Com a crescente importância política e econômica do Brasil no mundo, especialmente no rápido desenvolvimento comercial entre o Brasil e a China, não se pode negar a relevância do mercado brasileiro para o ICBC. A expectativa do Grupo ICBC com relação ao ICBC Brasil não é apenas entrar no mercado da América Latina, é se tornar uma ponte de trocas econômicas e comerciais e uma plataforma de intercâmbio entre o Brasil e a China.
Valor: O banco HSBC Brasil está à venda. O senhor acha que pode interessar a um banco estrangeiro?
Zhao: Nada a declarar.
Valor: Como o senhor avalia o ambiente de regulação do sistema financeiro brasileiro? E como foi o processo de obtenção de licença para operar no Brasil?
Zhao: Reconhecemos e nos adaptamos bem ao ambiente de regulação do sistema financeiro brasileiro, o qual é justo, íntegro, aberto, transparente, e exerce seu papel de supervisão da mesma forma para os bancos locais e bancos estrangeiros. O ICBC Brasil foi a instituição do ICBC no exterior – entre 43 países onde estamos presentes – que levou mais tempo na preparação, um total de dois anos e nove meses desde o início dos preparativos para ingressar no mercado financeiro brasileiro, a partir de 2011, até o início das operações, em setembro de 2013. Entretanto, recebemos um grande apoio do Banco Central do Brasil, das instituições financeiras brasileiras e dos clientes, pela confiança deles na capacidade de administração, gestão, operação e influência internacional do ICBC. Dada a atitude positiva e a aspiração do ICBC de querer entrar no mercado brasileiro, o Banco Central do Brasil prestou auxílio e orientação na preparação, e as instituições financeiras brasileiras e os clientes também incentivaram.
Valor: Qual o papel do ICBC no pacote de acordos assinados entre o governo chinês e o governo brasileiro e empresas chinesas e brasileiras em maio, por ocasião da visita do primeiro ministro chinês ao Brasil?
Zhao: Durante a visita, o governo chinês, o governo brasileiro e empresas chinesas e brasileiras firmaram um total de 35 acordos de cooperação. Dentre estes, 5 foram celebrados pelo ICBC. Esperamos que estes acordos sejam implementados o mais breve possível, e acreditamos que o comércio e o investimento entre o Brasil e a China irá ampliar ainda mais após a implementação de tais acordos.
Valor: Qual a sua opinião sobre o pacote de acordos assinados?
Zhao: Os acordos celebrados significam que a cooperação bilateral sino-brasileira poderá atrair mais oportunidades de investimento estrangeiro ao Brasil, fortalecer a cooperação de capacidade produtiva dos dois países, promovendo seus desenvolvimentos e a melhoria da vida das populações.
Valor: O senhor poderia dar mais detalhes sobre o fundo de US$ 50 bilhões em parceria com a Caixa Econômica Federal? Como vai funcionar? Em que vai investir? Quando o dinheiro será aportado?
Zhao: O memorando de entendimento celebrado entre o ICBC e a Caixa Econômica Federal é sem valor definido, não é o mesmo acordo de criação de fundos de US$ 50 bilhões divulgado pela mídia. Os detalhes do acordo estão sendo trabalhados, mas o enfoque será nas áreas de agricultura, infraestrutura e energia limpa, etc.
Valor: O que o senhor pensa sobre o projeto de construção da ferrovia transoceânica anunciado? Ele é viável? Em que prazo pode ser executado? O banco está envolvido de alguma forma?
Zhao: Em junho acompanhei a Embaixada chinesa e representantes de algumas empresas chinesas para discutir o caminho da ferrovia transoceânica que será construída. A ferrovia tem um trecho estimado em 5 mil quilômetros de extensão, passando pelos Estados de Acre, Mato Grosso e Rondônia. Durante a visita, houve muita troca de informações com os governadores e população dos três Estados, e o tal projeto foi bem recebido e apoiado pela população local. Os três Estados são o celeiro do Brasil, e o trecho da ferrovia transoceânica que passa pelos três Estados está ocupado por pastoreios e fazendas, a estrada está em condições precárias, o engarrafamento é grave, e devido a restrições de tráfego, a produção é limitada. Os benefícios econômicos e financeiros serão ilimitados uma vez a ferrovia esteja construída. O primeiro passo será um estudo de viabilidade feito pelos chineses, fazendo uma avaliação ambiental simultânea do Brasil e Peru. O ICBC irá acompanhar os próximos passos do projeto. Valor Econômico – SP Leia mais em sbvc 15/07/2015
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