Com raízes no país, quatro estrangeiros reforçam que ambiente é favorável para startups, mas alertam para os gargalos estruturais.
As oportunidades de um mercado emergente motivaram o norte-americano Joshua Kempf e o alemão Jan Riehle a aprender português e a encarar um ambiente de negócios nem sempre muito favorável, dificultado pela burocracia excessiva, custo elevado de mão de obra qualificada e pouca proteção para o investidor.
Já mais familiarizados com os desafios do antigo "terceiro mundo", o russo Aynur Abdulnasyrov e o argentino Pablo Aquistapace preferem valorizar a percepção de que país está a frente de seus concorrentes quando o assunto é agilidade na implementação dos projetos e a rápida difusão de novas ideias mercado.
Investidores em startups no Brasil, os gringos dos quatro cantos do mundo não apenas trazem o pioneirismo da cultura do empreendedorismo digital, que tem adquirido força no país, mas também vestem a camisa por um "ecossistema mais frutífero" já que a intenção deles não é voltar para casa tão cedo.
Em meados 2011, Jan Riehle pegou um voo para São Paulo como parte de uma importante decisão na carreira. Depois de uma década de atuação com private equity nos centros financeiros de Paris, Frankfurt e Zurique, além de um MBA Institut Européen d'Administration dês Affaires (Insead), era hora de virar a página.
"Ou eu vinha para o Brasil para começar a empreender e viabilizar projetos aqui ou permaneceria como funcionário na Europa ou em um escritório em Cingapura. Eu tinha me preparado justamente para empreender. Não fazia sentido não vir", recorda ele, que de imediato alavancou projetos como representante das startups ClickOn e BrandsClub.
Em seguida, como investidor-anjo, apostou na eÓtica, OndaLocal e Juv & You até conseguir viabilizar a Itaro, uma plataforma de venda de pneus que em breve será ampliada para diversos serviços automotivos.
Em dois anos de projetos, não foi apenas o português que evoluiu na agitada vida paulistana, mas também a percepção em relação aos brasileiros. "Quando cheguei, vi que a cultura de empreendedorismo era muito baixa. Pessoas de elevado nível, com boa formação, queriam seguir carreira em uma empresa. Hoje, aos poucos, o mercado tem cada vez mais pessoas que buscam seguir um caminho próprio. Ainda está longe da Europa, mas a cultura tem mudado".
Amigo de Jan (eles se conheceram em uma festa, mas a relação evoluiu para o ramo dos negócios), o texano Joshua Kempf começou a perceber que o Brasil era um terreno fértil quando ainda estava nos Estados Unidos. "Comecei a fazer aula de português por um necessidade profissional. Trabalhava na área de investimentos para a América Latina do Goldman Sachs, em Nova York. Depois mudei para cá para um intensivo do idioma até permanecer aqui em definitivo", explica ele.
A ideia do Gaveteiro, e-commerce de artigos para escritório, surgiu a partir da dificuldade de Joshua para adquirir itens comuns para seu dia a dia. E saiu do papel também por causa de um aporte de Jan. "Ele é um dos investidores", confirma Joshua, sem revelar cifras. Hoje, ele também atua como CEO do Central Fit, plataforma de comercialização de suplementos alimentares. "Todo mundo me pergunta sobre o Brasil e os riscos. Acho que estamos passando por um período de transição. O mercado é ótimo. Estamos falando de 200 milhões de pessoas. E muitos aventureiros estão deixando o país. Abre mais espaço para quem quer ficar".
A percepção desses investidores é de uma intensa maturação do mercado em relação às startups. Ou seja, com a difusão dos meios de acesso aos conteúdos online, cada vez mais o brasileiro também se dispõe a comprar pela internet.
E nem mesmo os indicativos de turbulências macroeconômicas em 2014 é capaz de mudar o cenário otimista. "Se o mercado estiver parando, eu digo que sempre vou estar em busca de oportunidades. Se tivermos crise em 2014, acho que vai acontecer uma limpeza. Só vai ficar quem é bom e está realmente interessado", aposta Jan.
Filhos do chamado "boom das startups" iniciado em 2011, os gringos garantem que o país passou a ser reconhecido internacionalmente no mundo dos negócios digitais. "Espero que você me entenda, mas o Brasil sempre foi conhecido por futebol, Carnaval e mulher. Ainda é, mas isso está mudando. Aos poucos a palavra ‘negócio' ganha força", acrescenta Joshua.
Fundador da plataforma Eventioz, site que abre espaço para que as empresas criem páginas exclusivas com todas as informações e conteúdos de seus eventos (inclusive comercializando ingressos), o argentino Pablo Aquistapace deixa o headoffice em Mendoza para acompanhar o andamento do negócio no Brasil durante uma semana a cada mês.
E vê claras vantagens em relação a outros países. "Em virtude da concorrência que se tem em todos os segmentos, o mercado é muito mais profissional do que em outros países da região. Todos os tempos e processos de negociação com clientes e fornecedores são mais ágeis e claros", diz ele, que no início deste ano agregou o Brasil em seu portfólio que já contava com Chile e México, além da própria Argentina.
Educação: de problema estrutural a solução
Educação, burocracia e falta de proteção. São esses os três pontos que, na avaliação de investidores estrangeiros, prejudicam o andamento dos negócios no mercado interno das startups. "O custo é muito, mas muito elevado. E você não está protegido de nada. Se o negócio dá certo, você tem que dividí-lo com toda a estrutura de impostos. Se não dá, não tem ninguém que possa te ajudar. Você cai sozinho", resume Joshua Kempf.
Em relação à educação, eles consideram que há uma boa oferta de mão de obra, mas o perfil dela nem sempre está de acordo com realidade. "O estagiário você consegue buscar em bons centros como a Universidade de São Paulo (USP) e Faculdade Getúlio Vargas (FGV), assim como o profissional que está no topo da pirâmide, com altíssima qualificação. Mas o perfil intermediário simplesmente não tem. Isso encarece muito a operação. Quem não está estruturado, não consegue pagar esses profissionais", explica Jan Riehle.
Um desses problemas virou justamente um bom negócio para o economista russo Aynur Abdulnasyrov, da plataforma de ensino de inglês a distância chamada LinguaLeo. "O Brasil apareceu no topo de nossa lista como o país que tinha a maior demanda reprimida pelo inglês. A gente observou isso antes mesmo do anúncio da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos no país", recorda ele.
E bastou vir ao país para perceber que o LinguaLeo era viável no Brasil. "Fui em fevereiro e logo percebi as dificuldades que os brasileiros têm na comunicação com outros idiomas em lugares comuns como metrôs, bares e restaurantes. Apenas 3% da população está estudando uma nova língua e só 5% dos brasileiros falam o inglês de modo avançado", acrescenta Aynur.
Por enquanto, o CEO da LinguaLeo gerencia sua plataforma a partir de seu escritório em Moscou. Lá, ele conta a ajuda de três brasileiros que devem inaugurar o escritório da empresa em São Paulo até o fim do ano.
"Boa parte dos investidores já deixou o país por causa de pequenos e grandes problemas. Seja por causa da complexidade tributária, que também está associada a burocracia, ou seja por causa da base educacional, o Brasil tem que encarar esses problemas de maneira mais clara. E se isso já tem sido feito é algo que ainda não é perceptível em grande escala", finaliza do alemão Jan Riehle. Por Daniel Carmona e Moacir Drska
Fonte: Brasil Econômico 27/08/2013
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