Nos últimos quatro meses,Claudio Bergamo, presidente da Hypermarcas, mudou radicalmente seu estilo de vida. Aos 47 anos, ligeiramente acima do peso, decidiu que era hora de cuidar da saúde. Passou a seguir à risca uma dieta indicada por uma nutricionista. Reduziu a ingestão de gorduras, aumentou o consumo de frutas, legumes e verduras. Deixou de comer massa e arroz no jantar. E começou a se exercitar. Três ou quatro dias por semana pratica tênis, corrida, natação ou anda de bicicleta. O esforço tem dado resultado: ele perdeu dez quilos nesse período. E rejuvenesceu um bocado.
Bergamo personifica a nova fase da companhia que comanda. Depois de abocanhar quase tudo o que havia no mercado – um investimento de R$ 8,4 bilhões na aquisição de 23 empresas entre 2006 e 2010 –, a Hypermarcas vive agora uma fase de mudança de hábitos. A começar pelo fim das compras. Bergamo afirma que a Hypermarcas não fará nenhuma aquisição nos próximos cinco anos. “A fase atual é a do crescimento orgânico, com rentabilidade e geração de caixa”, diz. A ordem é priorizar as áreas de consumo e farmacêutica, mais rentáveis, depois de eliminar os ativos dos segmentos de limpeza e de alimentos. “Há mais espaço para crescermos em itens como fraldas, remédios e esmaltes.” Se as previsões do comandante estiverem certas, a empresa, cuja receita foi de R$ 3,3 bilhões em 2011, dobrará de tamanho até 2017.
Até agora, os resultados, ainda incipientes, parecem agradar aos investidores. Neste ano, até o dia 29 de agosto, data de fechamento desta edição, as ações da Hypermarcas subiram 58%. É uma das cinco maiores altas da Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) em 2012. O otimismo existe apesar do prejuízo líquido de R$ 29,9 milhões no segundo trimestre, divulgado em agosto.
Por quê? Os analistas que acompanham o papel gostaram da melhora dos indicadores operacionais, como o aumento da receita, o crescimento na geração de caixa e a elevação da margem de lucro (ver quadro ao lado). “O resultado confirmou a nova fase da Hypermarcas”, disse o analista Iago Whately, em relatório para o Banco Fator.
A maioria dos analistas está otimista com o plano traçado por Bergamo e equipe, formada, em sua maioria, por ex-consultores da McKinsey. O presidente, também um ex-McKinsey, acreditava que o conhecimento dessa turma em processos de reestruturação de empresas seria vital para a nova fase da companhia. Além dos consultores, juntaram-se ao time os executivos Nicolas Fischer, ex-presidente da Nivea, e Luiz Violland, que ocupava a presidência da Nycomed.
Se o intuito era reforçar as áreas de consumo e farmácia nada melhor do que arrebanhar dois especialistas nestes assuntos. O ambiente interno é de otimismo, sobretudo após a resposta positiva do mercado aos movimentos atuais da companhia. Dois avisos pregados na porta da sala da presidência resumem a ópera: “Problema não, só solução” e “Notícia boa, qualquer hora”.
Depois de decretar o fim da temporada de compras, Bergamo dividiu o trabalho dessa turma em quatro fases.
As duas primeiras – a preservação da participação de mercado das marcas compradas e o corte de custos – já estavam em curso desde o ano passado. Ao mesmo tempo, a empresa endureceu a negociação com fornecedores e se desfez de três importantes negócios: a Etti, de alimentos, a palha de aço Assolan e as marcas Assim e Mat Inset. Levantou R$ 450 milhões com a transação. Na redução de custos, centralizou as atividades de apoio, passando a tesoura nas áreas de informática, contabilidade e recursos humanos. Bergamo não revela a quantidade de demissões – o número deve ser divulgado no fim do processo. No primeiro momento, as equipes de vendas foram estrategicamente preservadas.
O plano é reduzir os investimentos apenas para manutenção – de R$ 80 milhões a R$ 100 milhões por ano, metade do que era antes – e cortar tudo o que for possível na área operacional, mas sem sangrar a companhia. Algo similar ao que Bergamo fez com o próprio rosto há um ano. Passou a lâmina e tirou a barba que já era sua marca registrada. Curiosamente, os dois projetos principais da companhia foram batizados de Matrix e Magnum – o nome das lâminas de barbear da marca Bozzano (comprada da americana Revlon em 2008).
O estágio atual – a terceira fase – é de reorganização de fábricas. No projeto Magnum, voltado à farmacêutica (medicamentos sem prescrição médica, genéricos e similares), tudo já foi implementado. A produção de seis fábricas foi concentrada em apenas uma, na cidade de Anápolis (GO). Lá estão as instalações reformadas e ampliadas do laboratório Neo Química, adquirido no fim de 2009. O Matrix, por sua vez, atacará a divisão de consumo, responsável pelos produtos de beleza e higiene pessoal. O projeto começou neste ano e deverá ser concluído em junho de 2013.
Das 13 fábricas iniciais, ficarão apenas quatro. Será preciso também estender para essa divisão a mudança mais delicada e dolorosa feita até agora: a adoção de uma nova política comercial. Quando a empresa reduziu prazos de pagamento (de 230 para 119 dias) e aumentou os preços dos produtos farmacêuticos, a chiadeira dos clientes foi inevitável. Boa parte simplesmente parou de comprar. Os varejistas deixaram os estoques no limite mínimo, esperando que a empresa cedesse à pressão e voltasse a dar os antigos descontos. Bergamo não recuou e a empresa acusou o golpe.
O ano de 2011 foi o reflexo dessa nova política comercial e da elevada alavancagem financeira da empresa. Depois da euforia com a montanha de aquisições, vieram a má digestão e a ressaca. Não teve Estomazil nem Engov (dois medicamentos da companhia) que dessem jeito. As ações despencaram 63% e o lucro líquido foi de R$ 49,6 milhões, 41% menor do que o de 2010.
O que deu errado? A cúpula da empresa diz que “estava tudo dentro do planejado”. O mercado não enxergou bem assim. A Hypermarcas se endividou bastante para comprar a farmacêutica Mantecorp, no fim de 2010. A alavancagem financeira ficou pesada. A conjuntura também não ajudou. A economia deu uma baqueada no ano passado e refletiu nas vendas do varejo. A geração de caixa perdeu ritmo. (Infográfico: Flávia Marinho)
TRABALHO INTERNO
Sem a ajuda de novas empresas para fazer o bolo crescer, a Hypermarcas pretende tirar o máximo de valor dos ativos atuais. A começar pelo marketing. As marcas estão passando por uma repaginação. Novas embalagens, novos logotipos, nova comunicação no ponto de venda e mais e mais investimentos em publicidade.
Em 2011, a Hypermarcas gastou R$ 530 milhões em propaganda, e foi o 25º maior anunciante do país. A companhia já patrocinou times de futebol (o Corinthians é um deles), contrata atores e modelos famosos para seus comerciais (Xuxa, Mariana Ximenes e Hélio de La Peña são alguns exemplos) e coloca no rádio e na TV jingles de gosto duvidoso, mas que cumprem seu papel: grudar na cabeça do consumidor. O próprio Bergamo é coautor de alguns, como os mais recentes do Engov (em ritmo sertanejo-universitário) e do xarope Maracugina, aquele que deixa todo mundo calminho, calminho.
Outra estratégia é resolver a sobreposição de marcas unificando dois ou mais nomes na mesma embalagem. O processo é conhecido no mercado como “dual brand”. Isso já foi feito com os absorventes Única, Silhouette e Discreet e nas fraldas para adulto Bigfral e Affective. Nos casos em que cada marca atende um tipo de público, todas serão mantidas. É o que acontece com os adoçantes Finn, Doce Menor e Adocil. Bergamo explica que mercados emergentes como o Brasil têm muita volatilidade, por isso é importante estar em todos os segmentos de renda. “Isso permite fidelizar o consumidor em diferentes momentos. Se a economia desacelera, quem compra o produto premium passa a comprar o intermediário e quem comprava este desce para o básico. Estando em todos, você não perde mercado.” Há também o investimento em novos produtos, principalmente na área farmacêutica – 170 medicamentos estão na fila de espera para registro na Anvisa.
Com o fim das compras, é hora de crescer organicamentee dobrar de tamanho até 2017 Além dos investimentos em marketing, a Hypermarcas planeja fincar sua estratégia nos custos baixos de produção e na capilaridade na distribuição (50 mil farmácias e 700 mil pontos de venda no varejo). Bergamo pretende fazer com que a companhia seja “uma forte geradora de caixa e distribuidora de dividendos”.
Que tal ser também a maior indústria farmacêutica e de bens de consumo do país? “Queremos ser a melhor. Ser a maior é uma consequência disso.” O objetivo é crescer, mas de forma saudável e sem solavancos. Serão cinco anos de atenção e esforço redobrados. Se conseguir capturar todas as sinergias e alcançar a meta, a empresa tem a missão de desenvolver o novo ciclo de crescimento após-2017. “Seremos uma companhia com pouca dívida e dinheiro em caixa”, diz Bergamo. Ficará a cargo do fundador – João Alves de Queiroz Filho, conhecido como Júnior, – pensar que caminho tomar.
Investir mais para crescer ou aumentar a distribuição de dividendos? A pergunta começa a ser respondida a partir de 2015, quando um novo planejamento estratégico será desenhado. O que se sabe é que Júnior terá 64 anos. Além de apostar na profissionalização da empresa, ele tem preparado suas três filhas para uma possível sucessão. Até lá, para manter a boa forma, nem Bergamo nem a Hypermarcas poderão sair da linha.
Quando a Hypermarcas comprou a Assolan, pertencente à Unilever, a marca valia R$ 30 milhões. Ao vendê-la, no ano passado, a Assolan já faturava R$ 500 milhões
A DIETA PARA CONTINUAR CRESCENDO
Fase 1 Preservar o negócio
- Proteger o market share e as vendas
- Adequar os sistemas :: Reter talentos
- Definir estratégia das marcas
Fase 2 Ganhos rápidos
- Redução de despesas de vendas, gerais e administrativas
- Aumento de produtividade na planta
Fase 3 Ajustes operacionais
- Reestruturação das fábricas
- Redução dos custos de matéria-primae empacotamento
- Redução dos custos de logística
Fase 4 Estratégia de produtos
- Investimentos em marketing
- Aumento da distribuição
- Lançamento de produtos e extensão de marcas
por RAQUEL SALGADO
Fonte: Revista Época Negócios 27/09/2012
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