02 abril 2012

A revolução do Big Data

Apesar da queda na taxa básica de juros, a Selic, nos últimos anos, os bancos estão aumentando suas margens de lucro nas operações de crédito. Levantamento da consultoria Austin Rating mostra que o ganho já chega a 33%.

Nova fronteira de mercado, tecnologia de análise extrema com cruzamento de dados já movimenta US$ 70 bi

Você vai ao mercado com o objetivo de comprar apenas o que falta para o jantar e, ao passar pelo corredor de produtos de higiene, seu celular o surpreende com uma mensagem. O remetente é a própria varejista, que deseja chamar sua atenção para o desodorante em promoção na prateleira ali do lado. O SMS não diz, mas a rede sabe que o seu estoque do produto está mesmo no fim e que, há duas semanas, você escreveu no Facebook o quanto gostava da marca. Se a precisão da mensagem lhe é espantosa, prepare-se: a tecnologia que cruza dados dessa forma já existe, representa um mercado direto estimado em US$ 70 bilhões e está invadindo empresas e governos no Brasil e no mundo — o que deve elevar à enésima potência a possibilidade de ganhos com o uso dessas informações. A promessa é de revolução em várias áreas da economia e até na ciência — além de uma renovada discussão sobre privacidade.

Trata-se do Big Data, termo de mercado para o conjunto de soluções que analisa informações em variedade, volume e velocidade inéditos até hoje. Ferramentas desse tipo surgiram no fim da década passada, mas este ano o conceito extrapolou de vez os limites da academia e dos setores de TI. Isso porque o preço para armazenamento de dados está despencando e diversas ferramentas baratas ou gratuitas para lidar com tamanho volume informações estão surgindo.

O uso dessa nova tecnologia tem vasta abrangência. No último Fórum Econômico Mundial, em Davos, foi publicado um estudo mostrando como o Big Data pode ser uma arma contra problemas socioeconômicos. E até Brad Pitt tem contribuído para sua popularização: o filme "Moneyball (O Homem que mudou o jogo)", que protagoniza, conta a história da mais famosa aplicação do conceito: o gerente de um time de beisebol que usa o Big Data para reunir um elenco de primeira linha sem gastar muito.

"Pré-sal existe por causa do Big Data"

O executivo de operações da EMC, Pat Gelsinger, diz que o mercado global de Big Data já movimenta US$ 70 bilhões por ano — sem contar inestimáveis ganhos nos negócios. A consultoria IDC estima que o segmento crescerá quase 40% ao ano entre 2010 e 2015, mas considera um patamar de US$16,9 bilhões ao fim desse período. A tecnologia envolve tanto dinheiro porque soluciona um problema inadiável para a economia, o da quantidade de dados digitais. O volume deve crescer do atual 1,8 zettabyte para 7,9 zettabytes em 2015, prevê a IDC. Zettabyte equivale a um trilhão de gigabytes.

A centelha dessa revolução é a proliferação de plataformas que geram dados como nunca. São celulares, GPS, redes sociais, câmeras e sensores dos mais diversos tipos. Grande parte da informação gerada é classificada de não-estruturada: ou seja, não é facilmente computável, costuma ser criada pelo ser humano, não por máquina. Até pouco tempo, essa informação só podia ser compreendida por pessoas. Com o Big Data, as máquinas aprendem a lê-la. Essa é, nas palavras de especialistas, a beleza do conceito.

— Nos últimos 50 anos, a evolução do mercado de TI se deu apenas no "T" da sigla, a tecnologia. Com o Big Data, é chegada a hora de o "I", de inteligência, guiar o avanço — afirmou Alexandre Kazuki, diretor de marketing da divisão da HP Brasil que cuida de Big Data.

Se o Big Data está dando os primeiros passos no mundo, a tecnologia ainda engatinha no Brasil, na avaliação de Kátia Vaskys, diretora de Bussiness Analytics da IBM. Ela cita a forma como a maioria das empresas brasileiras monitora suas marcas nas redes sociais:

— Aqui costuma-se contratar um time de estagiários para isso. Isso é basear a estratégia de marketing na intuição, mas não há intuição que resista a tanta informação! Há uma ferramenta tecnológica para fazer isso com muito mais precisão e em tempo real.

A aplicação por aqui está restrita a setores como varejo, financeiro (análise de risco), telecomunicações e petrolífero, mas começa a chegar à mídia.

A Renner usa o Big Data para monitorar em tempo real o fluxo de mercadorias da loja ao cruzar dados de localização GPS dos caminhões dos fornecedores com os níveis dos estoques, contou o diretor de TI Leandro Balbinot. A rede também acompanha a aceitação dos produtos nas redes sociais. E já imagina outros usos, como a possibilidade de reorganizar uma loja com base em dados meteorológicos. Exemplo: se, nas últimas chuvas, os clientes compraram mais calças ou acessórios, a rede pode dar destaque a esses itens quando os primeiros pingos caírem.

— Apesar de o uso no Brasil ainda ser pouco maduro, a expectativa é enorme. Temos um dos principais mercados de internet no mundo, sobretudo de redes sociais, o que é crucial para a adesão ao Big Data — observou Maurício Prado, gerente geral de servidores da Microsoft Brasil.

— Só sabemos que o pré-sal existe por causa do Big Data e da economia da nuvem — resumiu Patrícia Florissi, CTO da EMC para as Américas.

Isso porque a tecnologia agiliza o processamento de dados sísmicos captados pelas sondas que procuram petróleo no fundo do mar. Como são milhões as variáveis, o trabalho exige intermináveis simulações de imagens, e só o Big Data é capaz de dar conta do trabalho em um tempo razoável.

Visando a esse mercado, a gigante EMC está construindo no Parque Tecnológico do Fundão um centro de pesquisas totalmente dedicado ao uso de Big Data para a indústria do petróleo. Ele ficará pronto em no máximo dois anos e empregará 35 pesquisadores. A companhia vai investir R$ 100 milhões no país nos próximos quatro anos.

Polícia chega antes do crime

Há também iniciativas brasileiras na seara governamental, aceleradas pela proximidade da Lei de Acesso à Informação, que entra em vigor em maio. Uma parceria do Ministério do Planejamento, do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) e da PUC Rio disponibilizou na web dados abertos dos mandatos do governo Lula.

A massificação do Big Data, porém, enfrenta obstáculos. O maior deles é com a privacidade. Mas, para Karin Breitman, da PUC-Rio, os cientistas não devem "censurar" pesquisas:

— É uma questão ética. Cabe à sociedade impor limites à aplicação da ciência e da tecnologia, mas os pesquisadores precisam trabalhar na ponta.

Outro problema é a escassez de profissionais com habilidades em matemática, estatística e computação. O Big Data levou as empresas a uma disputa frenética por esse perfil e tornou a IBM a maior empregadora de matemáticos PhDs no mundo. O instituto McKinsey prevê que faltarão até 190 mil desses profissionais em 2018 nos EUA.

— Já há carência desse profissional no Brasil. Se houver uma explosão do Big Data, teremos problemas — advertiu Kazuki, da HP.

Apesar dos desafios, a expectativa é enorme. A "Economist" escreveu que o Big Data pode transformar modelos de negócio de empresas centenárias. A RollsRoyce, cita, deixaria de vender turbinas para alugá-las, cobrando pelo uso. Sensores e o histórico do cliente dariam o preço.

Patrícia Florissi, da EMC, diz que ainda é incipiente o uso da presciência da tecnologia. Por exemplo: como são capazes de entender imagens, softwares de Big Data poderiam monitorar as câmeras de uma cidade e acionar a polícia antes de um crime acontecer com base em padrões que antecedem assaltos e assassinatos. Sairíamos de "Moneyball" para cair em "Minority Report" — com os prós e contras disso. Por Rennan Setti
Fonte:OGlobo02/04/2012

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