Estreantes da tecnologia trabalham com pouco dinheiro e estrutura pequena em busca de um difícil objetivo: mostrar que são negócios viáveis no longo prazo
Lixa e lata de tinta foram os primeiros instrumentos de trabalho de Bernardo Porto na Deskmetrics, empresa de tecnologia fundada por ele em julho de 2010, em Belo Horizonte. O próprio dono pintou as paredes do escritório, decorado com poucas mesas, cadeiras e pufes. Nesse ambiente, Bernardo e dois funcionários trabalham em um software que monitora o comportamento dos usuários de programas de computador.
O estilo espartano da Deskmetrics - onde até a faxina fica por conta da equipe - é uma das marcas da nova geração de empreendedores de tecnologia. Com pouco dinheiro para tocar seus projetos, esses novos empresários sabem que precisam suar a camisa e mostrar que o modelo de negócios é viável antes de receber dinheiro. Eles estão cientes de que as cifras das gigantes da internet não virão sem este momento de sacrifício. "Tem de economizar, uai", diz Bernardo.
A grande diferença dos empresários atuais é a noção de que o negócio precisa andar com as próprias pernas. Na era do "boom" da internet, no início dos anos 2000, a preocupação era com o "burn rate" (período que a empresa levaria para zerar o caixa antes de um novo aporte), enquanto hoje a obsessão é o "break even" (momento em que a operação deixa de ser deficitária). Dessa forma, os "empresários-faxineiros" de hoje procuram pavimentar o caminho rumo ao sonho de toda startup: um IPO bilionário ou a venda para uma grande companhia.
Estreando no mercado consciente da necessidade de provar a longevidade de suas ideias, essa nova geração de negócios de tecnologia tem fatores pesando a seu favor: um deles é a própria passagem do tempo, que trouxe inovações tecnológicas que facilitam a abertura de novos negócios baseados na internet. A infraestrutura tecnológica melhorou e ficou mais barata, novos meios de pagamento simplificam a cobrança de serviços e o armazenamento de dados em nuvem eliminou a necessidade dos servidores.
Se fosse criada uma década atrás, para abrigar a parafernália tecnológica, a Hotmart exigiria um escritório bem maior do que a sala que atualmente divide com outra startup.
"Há dez anos, estaríamos cheios de máquinas neste espaço", explica João Pedro Resende, fundador da empresa que facilita a venda de produtos digitais, como e-books, palestras e aplicativos para celular.
Dinheiro
A Hotmart contou com o empurrão de outro recurso disponível aos novos empreendedores do setor de tecnologia: investimentos de pioneiras na internet brasileira. No caso da empresa, o dinheiro veio do BuscaPé, site de comparação de preços de produtos criado em 1999. Ela foi uma das quatro startups selecionadas entre 800 inscritas. Cada vencedora recebeu um aporte de R$ 300 mil, dando em troca ao BuscaPé uma participação de 30%.
Outra fonte de dinheiro são os órgãos públicos. Além da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), há ainda o Criatec, fundo nascido a partir de uma iniciativa do BNDES, que tem R$ 100 milhões disponíveis para empreendimentos inovadores.
Os investimentos privados, no entanto, formam a maior parte do capital disponível para startups - e a aposta em empresas nascentes vem aumentando. Segundo dados da Fundação Getúlio Vargas, US$ 128 milhões foram investidos em venture capital e US$ 6,5 milhões em capital semente no ano de 2009. Estimativas do mercado, porém, indicam que os fundos já teriam hoje entre US$ 1 bilhão e US$ 1,3 bilhão disponíveis para investir em companhias iniciantes.
Fundos
Entre os fundos brasileiros especializados em venture capital, um dos destaques é o Monashees, que já tem R$ 60 milhões aplicados em 18 negócios. E há também dinheiro estrangeiro sendo destinado às ideias nascidas no Brasil. Apenas o fundo americano Redpoint Ventures investe em quatro empresas, entre elas a Shoes4you, que vende calçados por assinatura mensal, e o Viajanet, site de serviços turísticos.
"Essa indústria ainda nascente no Brasil nos lembra o início do Vale do Silício, quando havia muitas promessas em diversos setores", diz Jeff Brody, sócio-fundador do Redpoint Ventures. "O retorno das startups brasileiras é tão bom quanto - ou até melhor - do que o de qualquer investimento em outro lugar do mundo", afirma.
O fundo Tiger Global Management, também dos Estados Unidos, comprou participação em companhias brasileiras de destaque, como MercadoLivre, Netshoes, Peixe Urbano e Catho.
Os investidores estrangeiros se interessam não só pelas ideias dos empreendedores locais, mas também pelas potencialidades do País. Além da expansão do mercado de consumo, em razão do aumento do poder de compra da classe C, o número de pessoas com acesso à internet está subindo rapidamente: 77,8 milhões de usuários no segundo trimestre deste ano, de acordo com o Ibope Nielsen Online.
O barulho do mercado de tecnologia no Brasil só não é maior porque muitos empreendedores ainda ignoram o básico na hora de abrir uma empresa. "Às vezes, o empresário acha que tem um negócio da China, mas nem colocou a ideia no papel ainda", afirma Pierre Mantovani, da TechRok Ventures.
Outro entrave é que os projetos são criados de forma isolada, pois não há no Brasil um grande centro tecnológico como o Vale do Silício, na Califórnia (EUA), que concentra empresas como Apple, Facebook e Google, além de inúmeras startups. No Brasil, os polos de tecnologia estão espalhados por vários Estados - o que deixa a troca de informações mais difícil.
A falta de articulação interna acaba se refletindo numa dificuldade ainda maior de firmar parcerias no exterior, restringindo o mercado das startups locais. "Sem isso, fica complicado levar algo do Brasil para fora, se expor a clientes, investidores ou parceiros", diz o investidor Daniel Cunha, da Initial Capital.
Embora nenhum negócio de tecnologia brasileiro tenha alcance global, a nova geração está disposta a mudar o quadro. Das nove startups entrevistadas pelo Estado, sete têm clientes fora do País.
Na Deskmetrics, aquela de Belo Horizonte, o esforço de se internacionalizar está até no código de telefone: 415, o mesmo do Vale do Silício. Assim, eventuais parceiros americanos poderão se comunicar com a startup por uma simples chamada local.
Fonte:oestadodesp26/09/2011
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