Uma pilha com dezenas de caixas de papelão logo na entrada do 18.º andar do número 37 da Avenida Paulista é o sinal mais visível do que vem acontecendo na construtora e incorporadora Trisul, uma das dez maiores de São Paulo.
Quatro anos depois de abrir o capital na bolsa, a empresa fracassou na sua proposta ambiciosa de fazer imóveis populares, sendo obrigada agora a reformar a casa para sobreviver.
Há dez dias, a ferida da Trisul ficou ainda mais exposta com a divulgação dos resultados do segundo trimestre. Os números, entregues com atraso, ainda não foram auditados. Mas já dá para ver que a situação do seu caixa é delicada: a companhia teve prejuízo de R$ 33,6 milhões no período, uma queda de 300% em relação ao ano anterior, e uma margem ainda pior (-17,4%) que a dos primeiros três meses do ano, que já havia sido negativa.
Sua ação depreciou tanto que vale hoje menos que um cafezinho. O valor de mercado da Trisul é de R$ 249,5 milhões. 'Nem me fale sobre isso, porque a gente sofreu muito. É desagradável falar sobre esse assunto, mas estamos confiantes na retomada', afirma Jorge Cury Neto, fundador e presidente da Trisul.
Sem milagre. 'Para consertar essa situação, não tem milagre. A empresa precisa parar de lançar, cortar custos e executar aquilo que já está lançado', diz um alto executivo do setor, que pediu anonimato. 'Mas a empresa não vai quebrar. Os controladores têm muito dinheiro e a Trisul ainda tem muito a receber.' O tamanho da empresa já mudou brutalmente neste ano. Desde 2008, o valor dos lançamentos de imóveis da Trisul chegava a cerca de R$ 800 milhões por ano. Em 2011, esse número não deve passar de R$ 300 milhões.
Além do encolhimento, a companhia desistiu de vender imóveis para a baixa renda e saiu de boa parte das cidades do interior de São Paulo. Para fazer caixa, também colocou alguns de seus terrenos à venda. 'Descobrimos que não dá para ir para o segmento econômico sem escala e sem padronização. É mais interessante retornar às origens, focando em imóveis de médio e médio alto padrão', afirma Cury. 'Quando você toca dez empreendimentos, está tudo na sua cabeça. Quando você cresce rápido demais, perde o controle.'
Surpresas. O sinal vermelho só acendeu no fim do ano passado, quando o ciclo das primeiras obras do segmento econômico estava acabando. Foi ali que a Trisul descobriu que elas iam custar muito mais do que se previa inicialmente. 'Começamos a refazer o orçamento de tudo. E essas perdas foram reconhecidas no primeiro e no segundo trimestres de 2011', diz Cury. 'É uma soma de crescimento rápido, margens apertadas do segmento econômico e falta de ajustes internos e de controle para suportar esse crescimento.' Cury diz que a fase de surpresas desagradáveis acabou. Mas o mercado prefere ver para crer.
Há três meses, a Trisul contratou a consultoria Gradus para fazer um corte de custos e para colocar ordem na casa, criando processos de engenharia e de repasse de dinheiro para os bancos. A empresa, hoje, já tem cerca de 100 funcionários a menos do que tinha no seu auge. O objetivo do trabalho, que termina em dezembro, é sanear a empresa para que ela volte a crescer.
O caso da Trisul é sintomático do que vem ocorrendo no mercado imobiliário nos cinco últimos anos. Muitas empresas foram à bolsa no afã de levantar centenas de milhões de reais e crescer rapidamente. Algumas não resistiram e, no meio do caminho, acabaram sendo vendidas.
A Trisul não sucumbiu à crise de 2008 porque tinha dinheiro em caixa, mas acabou perdendo a mão ao apostar todas as suas fichas num terreno desconhecido. 'Eles se distraíram. A Trisul é o caso típico da má alocação de recursos. Não tinham a menor ideia de como fazer imóveis populares e os custos foram para a lua. Quem pagou a conta foram os acionistas', diz uma fonte ligada à empresa.
Em 2007, a Tricury e a Incosul eram duas empresas médias, mas que figuravam no ranking das dez maiores incorporadoras de São Paulo. Convencidos pelos bancos de investimentos, as duas se juntaram, formaram a Trisul e foram à bolsa.
De uma hora para outra, deram um salto gigantesco: o valor dos lançamentos multiplicou por oito. Até então circunscrita à região metropolitana de São Paulo, a empresa passou a ter canteiros de obra em 25 cidades e a destinar 75% dos negócios para a baixa renda. Os donos ainda não sabiam, mas começavam aí os seus problemas.
Fonte: estadao19/9/2011
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