Depois dos setores de açúcar e álcool e de celulose, chegou a vez das grandes corporações na produção de grãos. Quais são os grupos por trás desse movimento.
Neto de cafeicultor, o banqueiro carioca Gilberto Sayão cresceu ouvindo o pai dizer que fazenda era lugar para enterrar dinheiro. Há cinco anos, contrariando a tese do pai, comprou sua primeira grande propriedade, em Mato Grosso.
Tomou gosto pela coisa. Hoje tem cinco fazendas de gado de corte e de grãos no Centro-oeste, para onde voa uma vez por mês. O ex-sócio do Banco Pactual até ganha dinheiro com o negócio, mas seu objetivo ali, dizem os mais próximos, é criar “reserva de valor”.
Na verdade, esse mergulho no mundo rural serviu como a base de um projeto muito mais ambicioso. Ao lado do argentino Gustavo Grobocopatel, um dos maiores produtores de soja da Argentina, Sayão agora pretende repetir no agronegócio o que fez no mercado imobiliário – a PDG Realty, hoje a maior incorporadora do País, nasceu dentro do seu Pactual.
A LG Agro não é apenas uma fazenda. Ela avança na cadeia do agronegócio, ocupando o espaço dominado pelas tradings. Seu modelo engloba quatro áreas de atuação: imobiliária (compra e venda de terras); produção de soja, milho e trigo, basicamente em fazendas arrendadas; produção de açúcar e álcool (atualmente tem uma usina em operação e duas em execução); e, por fim, serviços (consultoria, comércio, distribuição, armazenagem e financiamento a pequenos agricultores). É uma estratégia defensiva, para não depender de apenas uma dessas áreas, explicam fontes próximas à operação.
Todos esses negócios já existiam separadamente, mas foram agrupados, no fim do ano passado, numa só companhia, que já nasce com uma receita de R$ 1 bilhão. O objetivo é ter o capital aberto em bolsa – o pedido de registro foi encaminhado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no dia 31 de maio, mas o projeto foi adiado em função do humor do mercado de capitais. Quando a empresa estrear na BM&FBovespa, será a primeira com esse modelo a ter ações negociadas em bolsa no País.
Segundo profissionais envolvidos na operação, a necessidade do IPO se deu porque, além de ser um setor de capital intensivo, os donos acreditam que, com um pouco mais de porte, fica mais fácil atrair gente de primeira linha para a gestão, considerada ainda atrasada nesse meio. Gilberto Sayão, hoje à frente da gestora de recursos Vinci Partners, nunca dá entrevistas. O sócio argentino alegou estar em período de silêncio.
Copa América. Sayão e Grobocopatel se conheceram por causa da PDG, em julho de 2007, um dia depois de o Brasil ganhar da Argentina por 3×0 na final da Copa América. Apesar das animosidades no esporte, os dois ficaram sócios um ano depois na Los Grobo, empresa fundada por Grobocopatel, e na Sollus, de investimento em terras. O banqueiro gostou do modelo que o argentino criou, porque quebrava a dinâmica da produção tradicional, oferecendo um pacote completo de serviços para os agricultores menores e cobrando uma taxa por isso.
No fundo, parecia mais um banco que uma fazenda. E as margens obtidas com os serviços acabavam sendo muito maiores do que as da produção propriamente dita. O modelo deu certo na Argentina e avançou no Maranhão, Piauí e Tocantins. Hoje a LG Agro produz em 254 mil hectares de terra e comercializa 2,7 milhões de toneladas de grãos, segundo dados do prospecto preliminar da companhia. Embora seja gigante na Argentina, país onde começou, o crescimento virá do Brasil nessa nova fase.
O negócio imobiliário e o de açúcar e álcool, por enquanto, são modestos. No primeiro, são 30 mil hectares de terras, arrendadas exclusivamente para a Los Grobo. Segundo pessoas ligadas ao grupo, Sayão não acredita no retorno financeiro do negócio imobiliário puro. Para o banqueiro, esse braço só faz sentido dentro da engrenagem completa. Na Companhia Mineira de Açúcar e Álcool (CMAA) – empresa originalmente controlada pelo Pactual Capital Partners, JF Citrus e o fundo americano ZBI Ventures -, o objetivo é moer 12 milhões de toneladas de cana por ano quando as três usinas estiverem em operação, o que está previsto para 2014, segundo o prospecto.
A LG Agro faz parte de uma revolução silenciosa iniciada há cerca de quatro anos no agronegócio brasileiro. Trata-se do surgimento de grandes corporações na área de grãos – os setores de açúcar e álcool e de celulose já eram dominados por grandes companhias. Na opinião de André Pessoa, sócio da Agroconsult e um dos maiores especialistas em agronegócios, o marco desse novo movimento foi a abertura de capital da SLC Agrícola, a primeira fazenda de grãos do mundo a ter suas ações negociadas em bolsa.
Depois da SLC, veio uma leva de empresas e fundos brasileiros e estrangeiros – como Agrifirma, BrasilAgro, Tiba, Agrinvest, Calyx Agro, El Tejar e a própria Los Grobo – dispostos a investir na compra de terras, na produção de grãos ou em ambos. No começo do ano, a Adecoagro (que produz açúcar, café, soja, milho, arroz e leite em fazendas no Brasil, Argentina e Uruguai e tem o bilionário George Soros entre seus sócios) abriu seu capital na bolsa de Nova York.
“Esse grande movimento surge de olho nas boas perspectivas do setor. Em dez anos, o mundo terá de aumentar a produção de alimentos em 20%. E, para isso, o Brasil terá de crescer 40%. É o país com mais condições, tanto físicas quanto humanas, para atender ao aumento da demanda”, afirma o ex-ministro da Agricultura e coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (GV Agro), Roberto Rodrigues. “O setor deu um salto em produtividade nos últimos 20 anos, mas ainda falta consistência em gestão. E o interessante é que esses grandes grupos que estão entrando no setor têm lastro em gestão.”
Foi vislumbrando esse cenário promissor que a Coteminas, maior fabricante de artigos de cama, mesa e banho do País, anunciou, em maio, sua estreia no agronegócio. A Cantagalo General Grains já nasceu com um território de 150 mil hectares e um aporte de R$ 90 milhões dos acionistas – a companhia é uma união entre Coteminas, o produtor rural Vilson Vian, da Agrícola Estreito, e Paulo Roberto Moreira Garcez, fundador da trading Multigrain, vendida no mesmo mês para a japonesa Mitsui.
O modelo da Cantagalo é parecido com o da LG Agro, pois também vai desde a compra de terras até a comercialização de grãos. Mas, segundo pessoas próximas à operação, é mais patrimonialista que a empresa de Sayão e Grobocopatel. A Cantagalo pretende produzir soja e algodão basicamente em fazendas próprias. Nos meses de junho e julho, os sócios apresentaram a companhia a investidores estrangeiros com a missão de captar US$ 250 milhões. O dinheiro será usado na compra de mais terras e na operação de trading, que exige um caixa fortalecido. Até o fechamento desta reportagem, os acionistas ainda estavam impedidos de dar entrevistas.
Bañuelos. Entre os novos empresários do agronegócio, está o espanhol Enrique Bañuelos – ainda visto com desconfiança no setor. Com a intenção de formar um gigante, o investidor realizou, desde o ano passado, uma série de operações. Primeiro, adquiriu o controle da produtora de algodão Maeda e promoveu uma associação com a Brasil Ecodiesel, que diversificou suas atividades para além do biodiesel. Recentemente, Bañuelos saiu do negócio – mas não desistiu de seus planos. Agora, ele tenta aprovar uma fusão entre a Brasil Ecodiesel e a Vanguarda, produtora de algodão e soja. Metade do capital da Vanguarda pertence ao espanhol, por meio de sua holding de investimentos, a Veremonte. A outra metade é do empresário e político mato-grossense Otaviano Pivetta.
Por trás desse esforço, está uma lógica financeira. Bañuelos pretende atrair sócios chineses para o agronegócio. “A China precisa de alimentos e quer investir no Brasil. Mas esses investidores só se interessam por grandes empresas, e por isso estamos criando uma”, diz Bañuelos. Se a fusão com a Vanguarda der certo, a empresa resultante terá uma receita de R$ 1,6 bilhão e 330 mil hectares plantados.
A Veremonte já coleciona planos para a possível gigante. Entre eles está a criação de um fundo de terras como forma de capitalizar a companhia. Outro projeto é expandir o negócio por meio da compra de áreas de outros produtores – mas sem o desembolso de dinheiro. A ideia é oferecer em troca as ações da Brasil Ecodiesel, que é negociada na BM&FBovespa. “Tem muitas famílias donas de terras com problemas de liquidez. E isso nós poderemos oferecer”, diz Marcelo Paracchini, presidente da Veremonte no Brasil. “O fato de o Otaviano Pivetta ser do setor trouxe legitimidade para o nosso projeto. Não somos gente da (avenida) Faria Lima investindo em Mato Grosso.”
A contar pelos últimos movimentos, porém, ter uma trajetória no agronegócio parece não ser mais um pré-requisito para crescer na área. O setor, que teve seu passado construído pelos tradicionais homens do campo, pode ter seu futuro escrito por gente como um banqueiro, um industrial e um investidor.
Fonte:OEstadodeSão Paulo01/08/2011
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