A regra da confidencialidade aplicada nos procedimentos arbitrais realizados no Brasil tem inspiração na prática internacional. O sigilo do procedimento arbitral é apontando como grande vantagem para as partes em litígio, uma vez que pode representar o não conhecimento pelo mercado de divergências entre parceiros comerciais ou ainda preservar o relacionamento de contratantes quando o litígio diz respeito a quantias e matérias menos relevantes dentro de um cenário maior de sua atuação.
Na arbitragem estatutária também se segue algumas regras costumeiras dos procedimentos das arbitragens comerciais. Nesse sentido, o item 7.12. do Regulamento de Arbitragem da Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM), estabelece que os árbitros, o secretário geral e as partes se comprometem a guardar sigilo sobre a arbitragem.
Devem ser discutidos os limites da confidencialidade, uma vez que os litígios societários podem produzir efeitos que extrapolem as esferas jurídicas das partes do procedimento. Ou seja, um acionista minoritário pode requerer a instauração de procedimento arbitral contra companhia listada no Novo Mercado para discutir o valor de reembolso de suas ações em virtude do eventual exercício do direito de retirada, mas, em decorrência da confidencialidade de tal procedimento, os demais acionistas, que, eventualmente, se encontrem na mesma situação, não terão conhecimento deste procedimento.
Nesse sentido, questiona-se se a confidencialidade seria um mecanismo de proteção da companhia e de seus acionistas controladores e, ainda, se ela deveria ser relativizada no âmbito das arbitragens estatutárias.
Há formas concretas de garantir o direito de informação aos acionistas
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) teve oportunidade de analisar algumas dessas questões no julgamento do processo administrativo nº 2008/0713, em que um investidor de companhias listadas no Novo Mercado encaminhou reclamação à CVM aduzindo que o sigilo nos procedimentos arbitrais patrocinados pela CAM representaria violação ao direito essencial dos acionistas à fiscalização dos negócios sociais.
Em seu voto, o diretor-relator Otávio Yazbec demonstrou que o direito de fiscalização dos acionistas, garantido pelo artigo 109, inciso III, da Lei nº 6.404, de 1976, e o consequente dever de a companhia prestar informações (artigo 157, da Lei das Sociedades Anônimas), não conflitariam de forma direta com a característica da confidencialidade dos procedimentos arbitrais. Com efeito, o diretor reconheceu que, em alguns casos concretos, pode haver conflito entre a confidencialidade e o dever de prestação de informações, mas o ordenamento jurídico fornece mecanismos para ressalvar os direitos dos acionistas.
Conforme decidido pela CVM, o direito à informação do acionista não é absoluto e aplicável em toda e qualquer hipótese. A esse direito se opõe o interesse da companhia que faz com que nem tudo tenha que ser divulgado aos acionistas. De fato, o artigo 157 da Lei das S.A. não criou para os acionistas um direito genérico, amplo e imutável ao acesso às informações da companhia.
Nesse sentido, a Instrução CVM nº 358, de 2002, que dispõe sobre a divulgação de informações pelas companhias, determina em seus artigos 1º e 2º, que a sociedade está obrigada a divulgar somente as informações que tenham caráter de relevância e possam impactar na avaliação dos negócios sociais pelo mercado.
Dessa forma, os acionistas não têm um direito genérico ao conhecimento de todo e qualquer procedimento arbitral que a companhia esteja envolvida. Entretanto, se, no caso concreto, verificar-se que tal procedimento possa produzir efeitos significativos sobre a avaliação da companhia feita pelo mercado, esta deverá informar, a todos os acionistas e interessados, sobre a existência do procedimento arbitral e dos possíveis efeitos que ele poderá produzir.
Ademais, do ponto de vista contábil-financeiro, os interesses dos acionistas e de potenciais investidores da companhia estão resguardados, na medida em que, caso o insucesso da companhia em um procedimento arbitral possa impactar significativamente nas contas sociais, a companhia deverá constituir a provisão em suas demonstrações financeiras de verbas para satisfazer esse passivo.
Vale ressaltar que o regulamento da CAM encontra-se sob processo de revisão e pretende-se adotar medidas, como a divulgação das sentenças arbitrais proferidas - sem a identificação das partes - para relativizar a confidencialidade de tais procedimentos e permitir aos acionistas um maior conhecimento sobre o posicionamento de tribunais arbitrais.
Dessa forma, o sigilo dos procedimentos arbitrais não representa um obstáculo à utilização deste mecanismo alternativo de solução de controvérsias pelas companhias brasileiras, havendo inclusive formas concretas de garantir o direito de informação aos acionistas quando tais procedimentos possam repercutir significativamente sobre os negócios sociais.
Ana Carolina Weber é sócia do escritório Carvalhosa e Eizirik Advogados.
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
Fonte:Valor Econômico04/07/2011
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