Nas 66 páginas do acordo de acionistas da Wilkes, holding que controla o Grupo Pão de Açúcar (GPA), não há qualquer impeditivo para que o empresário Abilio Diniz tome a iniciativa de costurar um acordo sem o conhecimento do seu sócio, o varejista francês Casino. A análise foi feita por especialistas em direito concorrencial e fusões, a pedido do Valor.
Assinado em novembro de 2006, o acordo tem sido usado pelo Casino para criticar a postura do sócio, que na segunda-feira passada apresentou ao seu maior rival na França, o Carrefour, uma proposta de fusão entre o GPA e o Carrefour Brasil. A união dos dois grupos daria origem ao Novo Pão de Açúcar (NPA), que já contaria até com dois novos sócios - o banco BTG Pactual e o BNDESPar, dispostos a investir € 2 bilhões no negócio. A rede francesa diz que tudo foi feito sem o conhecimento da empresa - algo que Diniz tem negado nos últimos dias.
"Ao conduzir estas negociações, o Carrefour e o sr. Abilio Diniz ignoraram deliberadamente tanto a lei e os contratos quanto os princípios fundamentais da ética comercial", diz o anúncio do Casino publicado no dia 29.
"Temos a convicção de que todas as negociações foram conduzidas de forma absolutamente legítima, de acordo com a legislação brasileira, os acordos de acionistas e os princípios da ética comercial", respondeu Diniz, no dia 1º.
Para os especialistas ouvidos pelo Valor, nenhum dos lados tem total razão. O Casino não pode ficar batendo na mesma tecla porque não há restrições no documento nesse sentido. E Diniz teria deixado a ética comercial de lado, por não ter levado o sócio em consideração, antes de costurar uma associação relevante. O comando do Casino afirma que não sabia das intenções de Diniz. Já o empresário disse que consultou o sócio francês sobre a questão.
Para o Casino, segundo apurou o Valor, duas cláusulas impedem o empresário brasileiro de fazer propostas sem avisá-lo. A cláusula 14.1 diz que "sempre que qualquer dos acionistas da Wilkes desejar desenvolver um novo negócio no Brasil, relacionado a qualquer negócio, diverso do negócio varejista de alimentos, tal acionista da Wilkes deverá, prontamente e da maneira mais apropriada possível, transmitir essa oportunidade de negócio de acionista da Wilkes para a CBD [Companhia Brasileira de Distribuição], com cópia para o outro acionista da Wilkes".
"O acordo restringe a necessidade de aviso quando for algo "diverso do negócio varejista de alimentos", o que não é o caso", ressalta Eduardo Boccuzzi, do Boccuzzi Advogados Associados. Para o especialista, que tem entre seus clientes os bancos Itaú BBA e Fator, faz parte das atribuições do sócio brasileiro buscar oportunidades de negócio no país. "Diniz não fez nada de ilegal", afirma.
Já a cláusula 14.3 diz que "enquanto cada um dos acionistas da Wilkes continuar sendo titular de, no mínimo, 10% do capital social com direito a voto da Wilkes, cada um dos acionistas da Wilkes concorda em utilizar a CBD como seu único veículo para participar do negócio varejista de alimentos no Brasil". Assim, nenhum acionista poderá "deter, administrar, operar, controlar, dedicar ou participar da titularidade, administração ou controle de qualquer pessoa jurídica ou negócio enquadrado no negócio varejista de alimentos no Brasil".
"Nessa cláusula, os acionistas se comprometem a só usar o CBD como único veículo para participar do varejo no Brasil mas, com a fusão, o Carrefour também será usado", diz outro especialista. "Uma proposta dessa magnitude, que envolve diversos passos, considera a quebra do acordo em vários momentos", afirma. O advogado observa que o Casino pode exigir retratação pelo fato de a proposta ter feito cair o valor das suas ações.
"É difícil saber se Diniz está defendendo os direitos da companhia, como diz, ou os seus próprios interesses, já que, pelo acordo, o Casino tomaria o controle do Pão de Açúcar no ano que vem", diz.
Fonte:ValorEconômico04/07/2011
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