27 outubro 2020

O que grandes empresas levam em conta na hora de adquirir uma startup?

Na semana passada, aconteceu mais uma edição do CASE & Startup Summit 2020, um dos maiores eventos de empreendedorismo da América Latina. O encontro, que este ano foi realizado inteiramente de forma virtual, é fruto da parceria entre a Associação Brasileira de Startups (ABStartups), Sebrae e a Associação Catarinense de Tecnologia (ACATE), tem a missão de promover ações de incentivo e conhecimento aos empreendedores.

Durante 5 dias, grandes nomes do ecossistema debateram diversos temas relacionados ao mundo do marketing, vendas, sucesso do cliente, investimentos, dentre outros. No terceiro dia, uma das salas de conversa contou com a participação de Karolyna Guedes, diretora de fusões e aquisições (M&A) da TOTVS e Thiago Rocha, diretor financeiro da Sinqia. A conversa foi mediada por Anderson Wustro, partner da Questum.

Como o tema “Desvendando M&A para startups: o que pensam os compradores?”, os convidados falaram, dentre outras questões, sobre como funciona a aquisição de outras empresas por parte de suas respectivas organizações, o que elas procuram enquanto compradoras e quanto tempo, em média, dura esse processo.

Por que comprar outras empresas?

Sobre aquisições, a Sinqia tem inúmeros motivos para comemorar. Só este ano, a provedora de tecnologia para o mercado financeiro já concretizou duas delas: a ISP, vertical de previdência do Itaú e a Tree Solution, uma das líderes no fornecimento de plataforma e prestação de serviços de câmbio, comércio exterior e offshore banking, sem contar o aporte de mais de R$360 milhões captado com follow-on no ano passado.

“A gente tem o sonho de se tornar uma empresa capaz de atender de ponta a ponta qualquer instituição financeira operando no Brasil, com quaisquer tipo de software de aplicação e, ao mesmo tempo, a gente tem o sonho de um dia, quem sabe, estar presente em todas as instituições brasileiras que operam no país”, contou Rocha.

Segundo ele, a lógica do M&A, sigla em inglês para “mergers and acquisitions” (fusões e aquisições) segue alguns caminhos. “O primeiro é completar o portfólio de produtos, dado que existe uma imensidão de produtos diferentes que são comprados hoje pela vertical financeira. E a segunda razão é carteira de clientes. A gente tem uma presença bastante expressiva, são mais de 360 instituições financeiras, mas eu também procuro adicionar novos clientes”.

Já no caso da TOTVS, que realizou mais de 40 aquisições nos últimos anos, as razões para adquirir outras companhias se baseiam em dois pilares principais: crescimento e sinergia. “Muitas vezes, essas empresas trazem serviços e produtos novos que a gente pode oferecer para a nossa base de clientes existente, trazer uma base adicional, permitir que a gente entre em outros mercados, recursos complementares. Na parte de sinergia, otimizar a operação, trazendo muitas vezes uma cultura diferenciada, inovação com uma tecnologia nova, um modelo de negócio diferente”, disse Karolyna.  A última aquisição, da Wealth Systems Informática, ocorreu em abril deste ano por um valor total de R$ 27 milhões.

Qual o perfil que a empresa deve ter para ser adquirida?

No caso da TOTVS, Karolyna conta que a estratégia de aquisição está sempre alinhada com o próprio plano de crescimento da empresa, sendo o M&A um veículo adicional dessa expansão. Ao mesmo tempo, destaca que a empresa é bastante flexível nessa parte.

“A gente em M&A acaba focando um pouco em empresas mais maduras, empresa com produto já validado, com uma carteira de clientes já interessante, um modelo de negócio que está em fase de escala. Mas a gente é super flexível quanto a perfil da empresa, a gente avalia uma a uma e tenta entender se a empresa já está em um nível de maturidade, já tem uma tecnologia adequada para a gente incorporar no nosso portfólio e começar a oferecer para os nossos clientes”.

Na Sinqia, o processo envolve a avaliação das empresas de acordo com seu grau de maturidade. “Olhando em empresas maduras, a gente está sempre olhando empresas de software com foco em subverticais na vertical financeira, que fornecem software, aplicativo para bancos, fundos, administradores de consórcio e algumas subverticais que a gente ainda não tem uma operação relevante, como por exemplo, seguros e pagamentos. Quando eu olho para a trilha de empresas emergentes, existe um conjunto complementar de teses muito mais inovadoras do tipo banking as a service, open banking, softwares que permitam a transformação digital dos meus clientes, ou seja, coisas um pouquinho diferentes”, apontou Thiago.

Como funciona o processo de aquisição?

Thiago explicou que o processo de aquisição de novas empresas pela Sinqia ocorre por vários canais, mas que a empresa também recebe muitas oportunidades no dia a dia. “A gente tem o mapeamento das empresas que atuam na nossa vertical, em torno de 500 empresas no Brasil, e a gente tem tido muita atenção com as empresas novas que tem coisas novas. Obviamente, o radar tem que estar ligado para pegar isso de tempos em tempos”.

Ele reforça que a empresa procura ser bastante objetiva na etapa inicial, de enquadramento da oportunidade. “Aqui tem que ser meio preto ou branco, não dá pra ser muito cinza. Mas uma vez que isso esteja enquadrado, fase a fase, a gente vai mergulhando cada vez mais para entender aquilo que a gente tá comprando”. 

De acordo com Thiago, o procedimento mais rápido de aquisição durou 9 meses e o mais lento durou 10 anos de “namoro”, nas palavras do diretor. “Namoros longos acontecem também. Mas no caso de processo de 9 meses, foram 2 tentativas, então se eu fosse dividir por dois, eu diria que 4 meses e meio foram suficientes para chegar ao final”. Ao mesmo tempo, acredita que os prazos estão cada vez mais curtos por uma série de razões, como pela simplicidade das empresas, por exemplo. “Acho que no contexto de startups, não é possível pensar em cronogramas mais compactos, talvez de 2 a 4 meses”.

No caso da TOTVS, a técnica também é bastante parecida com a da Sinqia, de acordo com Karolyna. “A gente também tem fontes diferentes, tem um trabalho ativo a partir da definição da estratégia, a gente mapeia mercado e busca alternativas nele, mas além disso, a gente é acessado por bancos de investimento, por consultorias, a gente tem o Index com quase 80 startups que são parceiras nossas, que também é uma interação super interessante. A partir da confirmação de que aquela empresa tem um feat estratégico com a companhia, a gente começa a entender um pouco mais de feat de produto, tecnologia, cultura, que é super importante”. Segundo ela, o processo dura, em média, entre 4 e 6 meses.

Como precificar?

De acordo com Thiago, no caso das empresas mais maduras, a forma de pensar o preço é muito relacionada ao modelo que aponta uma determinada taxa de retorno. “Obviamente, essa taxa de retorno mínima conversa com determinado tipo de receita ou de lucro. Quando a gente vai para o mundo de startups, isso não funciona bem, porque muitas vezes essas empresas estão num estágio inicial do ciclo de vida e tão muito mais focadas no crescimento do que na rentabilidade. A gente acaba olhando muito mais a receita”.

Já Karolyna apontou que a TOTVS enxerga alguns fatores como qualidade do time, quais são as alavancas de crescimento da companhia, qualidade do produto, da plataforma, além da relação dessa empresa com os clientes. “Acho que tudo isso combinado acaba nos ajudando a precificar o negócio de maneira correta, seja um negócio maduro, seja uma startup”.

Conselhos dos especialistas

Por fim, a diretora destacou a importância das empresas se preocuparem desde o início com a questão da disciplina. Além disso, as organizações devem se dedicar, a todo tempo, em entregar a melhor experiência possível para o cliente, não somente para uma eventual aquisição, mas para o próprio acompanhamento da companhia. 

“Acho que vale manter a agilidade, mas ter essas preocupações. Acho que faz todo o sentido, ajuda o empreendedor a ter um entendimento claro de como o negócio tá performando, para onde ele está indo, acho que são práticas que deveriam ser parte da cultura da empresa. Só gera benefícios e gera também um nível de confiança maior para um potencial investidor”.

Já Thiago elencou o que deve ser observado pelas empresas em três pontos:

Comece certo: “Falar com investidor é bacana, mas no fim das contas, o que vai fazer a empresa dar certo é o cliente. Você começar certo significa ter um propósito legal, ter clareza a respeito da sua oferta, do seu mercado, e quando a gente está falando de software, começar a construção da sua plataforma de forma que ela seja um bom alicerce. Você pode trocar o piso, o azulejo e pintar uma casa, mas é muito difícil trocar o alicerce. Então comece certo”.

Tenha um plano: “Muitas vezes, quando eu estou olhando o business plan, eu estou menos interessado no que ele tem em si como substância e mais interessado na lógica e na qualidade do planejamento que está por trás. É muito importante para mim que os empreendedores tenham clareza do plano, condições de preparar um bom plano com premissas bem amarradas e bem justificadas”.

Não esqueça seu cliente: “A gente está vivendo um momento de bastante euforia no mundo de investimentos, de startups. Eu fico muito feliz de ver isso acontecendo no Brasil. Quando eu trabalhei na indústria de venture capital, não era nada disso, eu tinha pouquíssimos fundos, pouquíssimas empresas, pouquíssimos casos de sucesso. Hoje a gente já vê muita gente dando certo, o que é muito legal. Mas não esqueça: no fim das contas, a sua empresa vai vencer se ela tiver um bom produto e um cliente feliz. O investidor vai ser um pequeno detalhe nisso”, finalizou. Giovanni Porfírio Leia mais em startupi 27/10/2020 


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