A Covid-19, para melhor ou pior, iniciou ou acelerou mudanças estruturais no atacado em todo o setor de energia. Os produtores foram forçados a repensar seus modelos de negócios legados, com demanda de energia incerta e preços do petróleo em queda, enquanto os governos tiveram que contemplar um futuro sem receitas garantidas do petróleo.
No Brasil, as reformas estruturais nos setores de refino e gás natural já estavam em andamento, mas se tornaram mais críticas. A estatal petrolífera Petrobras pretende descarregar oito refinarias e vários grandes gasodutos e empresas de distribuição de gás natural, entre outros itens caros, como parte de seu esforço de desinvestimento para se concentrar na produção de petróleo do pré-sal.
O negócio de refino da Petrobras sofreu especialmente em 2020 e mostra a motivação para desinvestir. A utilização da refinaria caiu para apenas 59% no segundo trimestre, com o colapso da demanda doméstica. Nos primeiros seis meses de 2020, a unidade de refino da empresa brasileira registrou um prejuízo líquido de US $ 1,27 bilhão.
CÍRCULO VICIOSO
Na última década, a Petrobras registrou frequentemente margens brutas negativas para seu segmento de refino, resultado de sucessivos governos oferecendo subsídios para manter os preços dos combustíveis baixos. O negócio da refinação tem lutado para separar as motivações políticas das financeiras, em detrimento da sua produtividade, crescimento e atratividade.
“Essa falta de investimentos impacta o desempenho e a modernização do setor” Delgado, FGV Energia
A Petrobras ainda opera 98% da capacidade de refino do Brasil, destacando a mão pesada do estado. E os preços baratos ao consumidor, a crescente demanda e a falta de capacidade forçaram a empresa a importar com perdas consideráveis para compensar o déficit.
“A Petrobras fez poucos investimentos e apenas alguma manutenção, sem melhorias significativas”, diz Fernanda Delgado, pesquisadora do thinktank brasileiro FGV Energia. “Essa falta de investimentos impacta o desempenho e a modernização do setor e mantém o país importador de produtos derivados.”
Para resolver o problema, a Petrobras e o órgão regulador antitruste Cade assinaram um acordo para descarregar oito das refinarias da empresa, que representam cerca de 1,1 milhão de bl / d, ou 50 unidades, da capacidade da Petrobras. O valor total das refinarias em oferta é estimado em US $ 11,5-15,2 bilhões, com a venda destinada a aumentar a competição no mercado e reduzir os encargos financeiros da Petrobras.
FATORES MOTIVADORES
Outro incentivo para as vendas da refinaria é a crescente escassez de produtos refinados. A corretora brasileira XP Investimentos estima que o país sul-americano atingirá um déficit de produtos de 400 mil barris / dia até o final da década, devido à falta de capacidade de refino e importação.
Para garantir a segurança energética nacional, o Brasil teria de aumentar sua capacidade de refino – a um custo de US $ 8-9 bilhões – ou sua capacidade de importação – a um custo de US $ 2-3 bilhões. O governo espera que a aceleração da conclusão das vendas das refinarias atraia mais investimento privado para resolver o desequilíbrio. O resultado seria um setor mais enxuto, mais eficiente e com mais incentivos para novos investimentos, especialmente devido ao tamanho do mercado interno.
Mas existem alguns perigos. “O desinvestimento da Petrobras no refino introduz a discussão do risco de abastecimento”, diz Delgado. “Dada sua relevância no refino, a Petrobras mantém estoques substanciais para dar resiliência ao sistema.”
E um estudo da Pontifícia Universidade do Rio destaca que a venda de ativos poderia substituir um monopólio quase nacional por regional. Das oito refinarias em oferta, quatro correm alto risco de viabilizar monopólios regionais, enquanto duas correm risco moderado.
Para evitar isso, o estudo sugere que o governo brasileiro deve fornecer acesso gratuito aos terminais costeiros e dutos de transporte e incentivar o uso de infraestrutura entre os diferentes agentes. O investimento em infraestrutura logística melhorada também será necessário para aumentar a competitividade e criar sobreposição entre as áreas de influência das refinarias.
CRESCENDO O SETOR DE GÁS
A reforma do setor de gás natural do país também é uma das principais prioridades do governo brasileiro e da Petrobras. A produção de petróleo do pré-sal explodiu nos últimos anos, e a empresa tem planos ambiciosos de flutuação, produção, armazenamento e escoamento para a próxima década.
Mas a hegemonia da Petrobras sobre o setor de gás natural e a falta de infraestrutura deixaram as reservas do combustível praticamente inexploradas ou, muitas vezes, reinjetadas. Para ajudar a resolver o problema, a Petrobras pretende vender suas participações restantes nos gasodutos TBG e NTS, além de uma participação majoritária na empresa de distribuição Gaspetro, como parte de uma iniciativa mais ampla para abrir o mercado de gás a participantes mais dispostos.
Alguns passos de bebê já foram dados. Um novo Projeto de Lei do Gás Natural foi aprovado pelo Congresso no início de setembro. Tem como objetivo fornecer acesso não discriminatório a oleodutos, unidades de processamento e terminais de GNL para terceiros. O governo espera que o aumento da competitividade diminua os preços domésticos do gás natural no Brasil, que tradicionalmente têm sido muito mais elevados do que a média internacional.
OBSTÁCULOS À FRENTE
A venda da Gaspetro é um pouco mais complexa, porém. A distribuidora de gás está presente em 18 estados brasileiros e compartilha uma participação em 13 empresas regionais parcialmente controladas por governos estaduais. Alguns estados, como Rio Grande do Sul (Sulgas) e Paraná (Compagas), têm como objetivo privatizar suas distribuidoras locais.
$ 1,27 bilhão – perda líquida de receita de refino no H1 2020
Além disso, o conglomerado japonês Mitsui já detém uma participação de 49pc no negócio e tem a primeira recusa em comprar a participação restante. Mas, em 2016, um mandado de segurança bloqueou a venda do restante da participação para a Mitsui quando o estado da Bahia levantou temores de que a transação pudesse impactar o controle da distribuidora regional Bahiagas. A participação da Gaspetro em muitas das distribuidoras regionais do país corre o risco de a venda ser adiada novamente por questões de segurança energética.
Os atrasos já impactaram o roadmap dos desinvestimentos planejados da Petrobras. O preço fraco do petróleo e a resposta do Brasil à Covid-19 deixaram os compradores potenciais cautelosos. “Tanto a atual recessão econômica quanto a forma como o governo brasileiro tem lidado com a pandemia levaram ao rebaixamento da classificação nacional há dois meses”, diz Delgado. “Todos esses aspectos fragilizam a atratividade dos investimentos estrangeiros, o que prejudica os objetivos da Petrobras.”
Mas falando sobre a teleconferência de resultados do segundo trimestre da empresa brasileira, o CEO Roberto Castello Branco permaneceu confiante de que as vendas da refinaria seriam pelo menos finalizadas antes do final do ano. A Petrobras tem mais de US $ 15 bilhões planejados em desinvestimentos totais, o que ajudaria significativamente no pagamento de algumas das dívidas assustadoras da empresa.
A empresa brasileira já se desfez de US $ 16,3 bilhões em ativos não essenciais e reduziu sua pilha de dívidas em US $ 8 bilhões durante o primeiro semestre do ano, embora apenas baixando para US $ 91,2 bilhões. Mas outros obstáculos podem desacelerar significativamente o ritmo de desinvestimento e arriscar mais problemas financeiros para a Petrobras durante o restante do ano... Leia mais em opetroleo 11/09/2020
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