25 agosto 2020

Exterior abre brecha para valorização de ativos locais

O ambiente ligeiramente mais favorável à tomada de risco no exterior acabou definindo o tom da negociação dos ativos brasileiros ontem. Ainda no aguardo de maiores detalhes do Pró-Brasil, programa com o qual a equipe econômica pretende viabilizar uma estratégia de retomada da economia brasileira e reforçar os gastos sociais, o Ibovespa fechou em alta enquanto o dólar comercial operou em leve queda durante a maior parte da sessão.

Na comparação com o real, a moeda americana terminou o dia em baixa de 0,30%, a R$ 5,5907. Na reta final do pregão, nem mesmo a notícia de que os detalhes do programa do governo ainda estão sendo acertados e que apenas o Casa VerdeAmarela, como vem sendo chamada a reformulação do Minha Casa, Minha Vida, será conhecido hoje teve muito impacto.

Mesmo que em menor intensidade que o bom desempenho das bolsas americanas, o Ibovespa passou o dia todo em alta e fechou com valorização de 0,77%, aos 102.298 pontos. O volume financeiro somou R$ 17,9 bilhões, abaixo do giro médio em 2020, de R$ 20,7 bilhões.

A valorização veio acompanhada de ganhos em ações com grande peso no índice a exemplo do setor bancário, de Petrobras (1,99% a ON e 1,82% a PN) e Vale (1,22%). Por aqui, ainda há a expectativa com o andamento das privatizações de algumas empresas - leitura que favoreceu as ações da Eletrobras (com alta de 9,74% a PNB e 8,02% a ON), que ficaram na dianteira dos ganhos do Ibovespa Lá fora, o tom otimista foi sustentado por declarações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de que planeja acelerar a aprovação e aplicação da vacina desenvolvida pela AstraZeneca contra a covid-19 para antes da eleição de novembro.

Por aqui, o grande risco no radar, que trava qualquer valorização mais robusta dos ativos locais, é um descontrole das contas públicas. “O gasto motivado pela pandemia do Brasil foi um dos maiores no mundo, ao mesmo tempo em que a taxa real de juros está negativa. A importância da trajetória fiscal local (e o risco de monetização) é evidente”, dizem os analistas do Deutsche Bank em relatório.

Para estes, embora a conta corrente tenha apresentado números positivos nos últimos meses, a perspectiva acerca das contas públicas e da negociação do Orçamento nas próximas semanas deve manter o dólar oscilando na casa de R$ 5,55 a R$ 5,60 antes de um possível retorno a níveis mais baixos.

Apesar da preocupação, a Eurasia assumiu uma postura mais otimista com o cenário político local no curto prazo. Para a consultoria, houve uma melhora das perspectivas para um acordo que faça o arcabouço fiscal brasileiro “vergar, mas não quebrar”.

Embora seja difícil respeitar o teto em 2021, ela acredita que aumentaram os perspectivas de que, com um “grande acordo”, este dispêndio adicional será circunscrito ao próximo ano em troca de reformas que tornam o teto mais crível nos próximos anos.

“Não apenas a equipe econômica começou a negociar os elementos de uma reforma fiscal que poderia ajudar a limitar o crescimento de gastos obrigatórios - uma variávelchave para reforçar o teto -, mas a capacidade do governo de passar tais medidas está crescendo juntamente com a aprovação do governo”, diz a Eurasia, que elevou de negativa para neutra a perspectiva política no curto prazo do país. Entre as medidas que podem fazer essa “ponte”, a casa cita a PEC dos gatilhos, a desindexação de gastos com pensões e outros benefícios da inflação e também a redução da jornada dos servidores.

“Aprovar essas medidas não será fácil. No entanto, politicamente falando, é maior a chance de os parlamentares darem seu voto se elas vierem acompanhadas de gastos temporários ligados à pandemia da covid-19 em 2021, como campanhas de vacinação, programas de crédito para pequenas e médias empresas e novas extensões do auxílio emergencial”, diz a consultoria em relatório. “A equipe econômica não irá concordar com tal barganha neste momento, mas pode fazê-lo nos próximos meses, caso fique claro que o teto ficará mais seguro em 2022 e 2023.” Entre os grandes emergentes, o país tem a terceira pior configuração em termos de fundamentos econômicos - atrás apenas de África do Sul e Turquia. No entanto, considerando outros fatores, as ações da bolsa brasileira podem estar mais bem posicionadas para futuros ganhos em comparação com os pares.

“Apesar da deterioração da situação fiscal, acreditamos que o Brasil está bem posicionado para superar o resto dos mercados emergentes, dado o foco menor em ações de crescimento, ‘valuations’ não muito esticados, desempenho inferior no ano e crescimento de lucro por ação (EPS). De acordo com as estimativas de consenso, espera-se que a recuperação do EPS no Brasil seja mais íngreme em comparação com a maioria de suas contrapartes nos grandes mercados emergentes”, apontam os analistas do Bank of America em relatório.

De acordo com cálculos do BofA, a expectativa de consenso no mercado é que o lucro por ação do Brasil para 2021 seja 13% maior do que em 2019 na moeda local. O resultado é um pouco acima do esperado para China (11%) e Índia (10%), mas abaixo de Taiwan (21%) e Coreia do Sul (40%). “O crescimento do EPS pode ser o próximo foco assim como apoiar o desempenho relativo do Brasil no futuro, agora que a parte impulsionada pela liquidez e pelo clima no mercado do rali que ficou parcialmente para trás”, dizem.

Assim, o mercado brasileiro ainda apresenta oportunidades dado o cenário de preços ainda baixos em alguns setores e a perspectiva de retomada da economia. Essa é a avaliação do sócio e gestor de ações da Novus Capital, Rodrigo Galindo, que gosta dos preços de papéis mais ligados ao ciclo econômico tanto doméstico - consumo e infraestrutura - como de commodities.

O gestor afirma que as atenções no mercado podem deixar de ficar tão concentradas em ações de tecnologia e se deslocar para esses segmentos mais cíclicos, tendo em vista a diferença de preços recente. “Não que as techs irão cair, mas talvez subir menos em relação aos níveis de preço atuais conforme a economia for reabrindo”, afirma.

Galindo explica que o movimento não ocorre do dia para a noite, mas gradualmente essa transição de foco tende a se confirmar. A estratégia se apoia na visão de que “a abundância de liquidez global dos juros baixos seguirá ainda por um bom tempo” e no cenário que conta ainda com “comportamento da inflação bem controlado”. Jornalista: Lucas Hirata Fonte:Valor Econômico Leia mais em portal.newsnet 25/08/2020


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