A pandemia que, a princípio, parecia representar um obstáculo à evolução dessa agenda, apenas acelerou a necessidade de um capitalismo mais responsável. Mas é preciso ter atenção para fazer as coisas direito
A sustentabilidade reestreou na cena empresarial brasileira. Desta vez, ao que parece, como protagonista, já sem o estigma de figurante que ocupou, até há pouco tempo, quando chegou a ser vista como uma despesa injustificável para negócios pelos mesmos CFOs e financistas que hoje a aplaudem de pé, na primeira fila.
Respalda essa afirmação a inusitada onipresença do termo nos discursos de empresas, nos posicionamentos públicos de CEOs e nos noticiários de negócios, especialmente neste quase pós-pandemia.
Você, talvez, não esteja ligando o nome à criatura. Ou a conheça, mais intimamente, pelo nome – ESG – com que foi batizada pelo mercado financeiro. Na prática, estamos falando da mesma coisa.
A crescente aspiração global por um modelo de empresa mais sustentável, ou com melhor agenda ESG (temas ambientais, sociais e de governança), decorre, a rigor, do mesmo movimento observado no Fórum Econômico Mundial, de Davos.
No encontro, os capitalistas discutiram sobre a urgência de criar um “capitalismo de stakeholder”, orientado pela ideia de colocar o propósito à frente do lucro, de gerar valor para todas as partes interessadas e de produzir lucro sem prejuízo para as pessoas e o meio-ambiente.
Sobre esta corrente, ou contracorrente, é justo afirmar que ela já vem sendo debatida, há um ano, desde a manifestação das 181 grandes empresas norte-americanas ligadas ao Business Roundtable por um capitalismo mais responsável. A pandemia que, a princípio, parecia representar um obstáculo à evolução dessa agenda, apenas acelerou a sua necessidade.
Ao resgatar conceitos como empatia, interdependência e colaboração, e nos colocar a todos numa mesma e desconfortável situação de vulnerabilidade e de incertezas, a Covid-19 só fez avançar a noção de que nenhuma empresa pode ser próspera se um único dos seus stakeholders não for próspero. Ou a prosperidade é um projeto comum ou não se dará integralmente para ninguém.
Isso explica porque algumas empresas, agora sob o incentivo dos investidores, decidiram deixar de ser “parte do problema” para ser “parte da solução”, encarando grandes ameaças contra dignidade e a existência humana, como as mudanças climáticas, as desigualdades sociais, o esgotamento dos recursos naturais, o desrespeito à diversidade e aos direitos humanos, a corrupção e a destruição de florestas como a Amazônia – todos, não por acaso, temas listados nos badalados ratings de ESG.
Ser sustentável nada mais é, portanto, do que adotar um novo jeito de pensar e fazer negócios mais ético, transparente, íntegro, respeitoso ao ser humano e cuidadoso na relação com o meio-ambiente. Esta lógica não difere em nada da que algumas empresas já vêm praticando nos últimos anos.
A diferença agora parece estar no fato de que o conceito passou a ser premiado pelos investidores e cobrado por conselhos de administração: o que era ônus se transformou em bônus com impacto na chamada valuation das empresas, o que era tema de escolha passou a ser pré-requisito. Ativos não sustentáveis foram para a coluna do risco a ser evitado. Sustentabilidade virou fonte de vantagem competitiva, melhoria de reputação e maior lucratividade.
É certo, portanto, que haverá um aumento de mobilização para o tema. Seja qual o motivo pelo qual, sua a empresa esteja procurando, neste momento, incorporar a agenda ESG, recomendo refletir sobre três armadilhas já conhecidas:
1- Pressa. Nada justifica o açodamento, nem mesmo a eventual pressão de investidores. Senso de urgência é uma coisa, pressa, outra diferente. Antes de sair apagando incêndios, dê-se ao trabalho de identificar as principais externalidades socioambientais, estabelecer objetivos claros, desenhar planos de ação eficazes e envolver líderes e equipes. O primeiro passo é inserir a sustentabilidade no planejamento estratégico, depois desenvolver uma cultura organizacional receptiva a ela para, só depois, considerá-la, se for o caso, como um atributo de marca.
2- Superficialidade. Há uma diferença importante entre práticas pontuais e políticas de sustentabilidade. Políticas requerem um compromisso maior e um nível mais elaborado de organização das ações. Pressupõem um olhar estratégico. Um bom exemplo é o da promoção da diversidade e inclusão. Mais do que ter uma ou outra prática, as empresas que fazem mais diferença são aquelas que dispõem de política regulando ações em todos os processos internos – seleção, contratação, promoção, educação, desenvolvimento de carreira e dispensa. E também se estruturam com base em governança inteligente. Não por acaso, a trilha G do ESG costuma valorizar as políticas e instâncias de governança, por entender que conferem maior profundidade ao tratamento dos temas sociais e ambientais.
3- Propósito antes do lucro. Ainda que seja obrigada a fazer, que faça pela razão mais correta. Defina um propósito elevado para além da ideia de ganhar mais dinheiro. Construa compromissos baseados em valores. Abrace causas da sociedade que sejam legítimas. Os públicos de interesse, em especial os das gerações X, Y e Z, querem se relacionar com empresas que ajam como seres humanos decentes.
Ricardo Voltolini é CEO da consultoria Ideia Sustentável, consultor master, escritor, palestrante e conselheiro de empresas. Criador da Plataforma Liderança com Valores, escreveu dez livros, entre os quais “Conversas com Líderes Sustentáveis” (SENACSP/2011). É professor da Fundação Dom Cabral e do ISAE-FGV... Leia mais em NeoFeed 20/08/2020
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