03 julho 2020

“O Brasil tem espaço para mais corretoras listadas na bolsa”, diz Luciano Tavares, da Magnetis

Em entrevista ao NeoFeed, o fundador e CEO da Magnetis fala sobre o debate travado com Guilherme Benchimol no LinkedIn, diz que a troca de farpas entre a XP e o Itaú Unibanco expôs o modelo equivocado que domina o mercado de investimentos e afirma que, em um futuro próximo, as corretoras digitais vão se sobrepor aos bancos e plataformas

Na semana passada, a XP Inc. e seu sócio Itaú Unibanco foram os protagonistas de uma troca pública de farpas. O estopim da guerra declarada foi uma campanha na qual o banco colocava em xeque a transparência do modelo de agentes autônomos, do qual a corretora é a maior referência no País.

As discussões acaloradas trouxeram à tona acusações mútuas de conflito de interesses nos modelos praticados pela dupla na gestão de investimentos. E ganharam mais um capítulo no fim da tarde de ontem, dia 2 de julho. Mas desta vez, com a participação de um novo personagem.

Fundador e CEO da gestora Magnetis, Luciano Tavares travou um debate, via LinkedIn, com Guilherme Benchimol, cofundador e CEO da XP. Uma conversa que foi deletada, mas que ele printou e compartilhou, novamente, na rede social.

“Meu caro, me diga em qual profissão não há conflito de interesse? O problema não é o conflito, e sim, como você lida com ele. Nosso NPS (índice de satisfação do cliente) é 71, auditado pela KPMG”, afirmou Benchimol, em uma de suas intervenções.

Tavares discordou “respeitosamente”. E rebateu: “Acho que você está se referindo a incentivos que, sim, todos nós temos. Mas o conflito de interesses acontece quando a recomendação de investimento do cliente é influenciada pela remuneração do assessor.”

O diálogo foi encerrado com mais uma postagem de cada lado. Mas é certo que as discordâncias serão tema de novos episódios. “Os argumentos dele desviam do assunto”, diz Tavares, em entrevista ao NeoFeed. “E só mostram que é preciso aprofundar a discussão sobre modelos de remuneração.”

Com uma experiência de mais de 25 anos no setor, que inclui passagens como vice-presidente da Merril Lynch no Brasil e fundador da gestora Nest Investimentos, Tavares já escolheu seus argumentos e suas armas nessa disputa.

Fundada em 2015, a Magnetis usa um batalhão de robôs e algoritmos para criar e gerenciar, de forma automatizada, portfólios de investimento de acordo com os objetivos de cada cliente. A empresa é uma das pioneiras dessa corrente digital no País, ao lado de empresas como Warren, Vérios e Monetus.

No modelo, o usuário acessa o site ou o aplicativo da Magnetis e responde a perguntas que permitem traçar o seu perfil e montar um plano de investimentos personalizado. Com aplicação mínima de R$ 1 mil, o serviço dá acesso a carteiras com ativos como fundos multimercado e ações brasileiras e internacionais. A fintech cobra uma taxa anual fixa, em média, de 0,6% sobre o valor investido.

A partir dessa proposta, a fintech atraiu mais de R$ 20 milhões em aportes de fundos como Monashees, Redpoint eventures e 500 Startups, além da gestora de patrimônio GPS Investimentos. E já tem cerca de R$ 420 milhões sob gestão. A meta é encerrar o ano com um volume de R$ 1 bilhão.

A cifra, a princípio, pode parecer tímida quando comparada aos montantes gerenciados por bancos como o Itaú Unibanco e corretoras como a própria XP. Mas Tavares entende que as gestoras digitais são o contraponto necessário aos formatos personificados pela dupla.

“Eu vejo a Magnetis e outras gestoras digitais como a terceira geração desse mercado”, diz Tavares. “E esse modelo, que já nasce digital, com investimentos baseados em algoritmos e, principalmente, sem intermediários e conflito de interesses, tem tudo pra ser vencedor”

Em entrevista ao NeoFeed, ele fala sobre esse e outros temas. Confira:

Você já tinha uma carreira sólida no mercado financeiro quando começou a empreender. Como foi essa transição até chegar ao mundo das fintechs?
Em 2005, eu montei a Nest, uma gestora tradicional de investimentos. Nossos clientes eram as grandes fortunas do Brasil e muitos deles queriam que nós cuidássemos dos seus patrimônios. Pensamos em criar uma área de wealth management, mas o negócio não escalava no modelo tradicional. Ao mesmo tempo, 99% dos brasileiros não tinham acesso a um private de um banco ou a uma grande casa de wealth management. Havia um abismo e isso ficou na minha cabeça. Nessa época, nós automatizamos muitos processos na Nest e eu comecei a pensar se não era possível fazer o mesmo em gestão de patrimônio. Foi quando eu decidi sair e criar a Magnetis.

Você tinha alguma referência para esse formato?
Nos Estados Unidos, no começo dessa década, surgiram empresas como a Betterment e a Wealthfront, que investiam nesse modelo. Nós nos inspiramos nelas, mas sabíamos que não poderíamos copiar por n motivos. A cultura do brasileiro é diferente, os ativos que o brasileiro investe são diferentes, a tecnologia empregada não estava disponível no País, produtos como ETFs não existiam aqui. Nós tivemos que adaptar muito pra realidade brasileira.

Qual é, na prática, a proposta da Magnetis?
Nós temos os mesmos princípios de uma casa de wealth management tradicional, que é fee based, cobra uma taxa explícita, com a alocação da carteira do cliente segregada da remuneração do gestor e onde a decisão de investimento não é influenciada por motivos comerciais. Esse formato já existe há muitos anos, mas era restrito a uma pequena camada da população. Nós trouxemos isso para o digital, com forte uso de tecnologia para tornar a decisão de investimento mais fácil e acessível. Hoje, com R$ 1 mil, o cliente tem acesso a um modelo com zero conflito de interesses e a uma carteira tão sofisticada quanto a de um cliente de R$ 100 milhões. Essa é a grande inovação.

Qual é o tíquete médio de investimentos dos clientes da empresa?
Temos clientes que investem desde R$ 1 mil, nosso valor mínimo de aplicação, até pessoas que têm R$ 10 milhões conosco. Mas a média fica na faixa entre R$ 50 mil e R$ 500 mil.

Você frisou o fato de o modelo não ter conflito de interesses. Esse foi justamente o tema de uma discussão que você travou com o Guilherme Benchimol nesta semana. Como você avalia os pontos que ele colocou?
Eu discordo da justificativa de que o problema não é o conflito de interesses. Os argumentos dele desviam do assunto e só mostram que é preciso aprofundar a discussão sobre modelos de remuneração e conflito de interesses.

Esse também foi o ponto central no imbróglio recente entre a XP e o Itaú Unibanco. O que você achou dessa troca de farpas?
Nós achamos a conversa ótima, porque essa foi uma bandeira que nós defendemos desde o primeiro dia da empresa. E quando o maior banco privado e a maior corretora do País começam a discutir isso, o debate fica mais visível. Então, ficamos gratos pelo Itaú trazer o assunto à mesa. E pela XP vestir a carapuça. Nessa briga, os dois estão certos.

Por quê?
Um acusa o outro, mas os dois têm telhado de vidro. A grande verdade é que o modelo vigente, seja em banco ou em corretora, é conflitado. O cliente que está no banco não confia no seu gerente porque sabe que ele vai empurrar os produtos próprios ou agora, que tem plataforma aberta, que vai ser comissionado da mesma forma que os agentes autônomos. E na corretora, o agente autônomo tem incentivo para empurrar o produto A em detrimento do produto B, porque o produto A vai pagar mais comissão pra ele. É um debate que já acontece há algum tempo no mundo. Muitos países estão um estágio à frente, inclusive, com regulamentação, que proíbe ou coíbe esconder do cliente as taxas do intermediário. E já adotam o modelo fiduciário, onde a pessoa que está recomendando os investimentos cobra uma taxa fixa e transparente sobre aquele serviço e não recebe nenhum rebate.

“Ficamos gratos pelo Itaú trazer o assunto à mesa. E pela XP vestir a carapuça. Nessa briga, os dois estão certos. Um acusa o outro, mas os dois têm telhado de vidro”

Como você enxerga o potencial desse modelo no Brasil?
Nos últimos anos, alguns players, como a própria XP, mostraram que existem alternativas ao oligopólio dos bancos. Mas o fato é que a Charles Schwab, que é a inspiração da XP e de outras corretoras, foi disruptiva no fim da década de 1970, nos Estados Unidos. É um modelo que foi concebido antes da internet e que, apesar de ser novidade para os brasileiros, já nasceu antiquado no País. Eu vejo a Magnetis e outras gestoras digitais como a terceira geração desse mercado. E acho que, 40, 50 anos depois, esse modelo que já nasce digital, com decisões de investimento baseadas em algoritmos e, principalmente, sem intermediários e conflito de interesses, tem tudo pra ser vencedor.... Leia mais em  NeoFeed 03/07/2020


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