No momento em que vos escrevo, poucos duvidam em classificar a atual pandemia como um cisne negro: um evento de impacto global que, pela sua natureza e características, não era razoavelmente previsível.
Para além dos severos impactos sanitários e sociais, os danos causados na economia mundial pela covid-19 são evidentes, principalmente: nos sectores do turismo e dos transportes, pela elevada percentagem de cancelamentos e limitações de deslocação impostas pelas autoridades; em diversas empresas que viram as suas as cadeias de produção ou distribuição afetadas, principalmente se expostas aos países afetados; ou nos principais índices bolsistas que, no último mês, desvalorizaram mais de 30%.
Em resposta, Bancos Centrais, Instituições Supranacionais e Governos têm-se desmultiplicado em medidas de estímulo à economia com vista a restabelecer confiança dos agentes de mercado e proteger as empresas dos impactos da pandemia.
Não obstante, perante o cenário de disrupção económica, das quebras de performance financeira e de liquidez das empresas e da elevada dependência de investimento externo, será plausível antecipar cenários, de curto prazo, no que respeita à evolução do sector nacional de fusões e aquisições:
Operações:
deveremos assistir ao abrandamento, suspensão ou cancelamento de projetos caso: o comprador ou vendedor estejam localizados em países severamente afetados; dependam de financiamento bancário; envolvam sectores de maior exposição às consequências da covid-19 (segundo a Moody’s Analytics: turismo, transportes, automóvel, têxteis (vestuário), retalho (non-food) ou bens duradouros);
Avaliações:
atendendo a que a formulação de preços é, geralmente, calculada através de múltiplos sobre os resultados operacionais das empresas, compradores deverão demonstrar maior atenção à evolução de receitas e despesas perante o momento atual e contenção nas avaliações dos ativos-alvo;
Ativos em stress:
apesar dos apoios às empresas, muitas irão enfrentar situações de stress financeiro – a entrada de investidores, como Private Equity, poderá ser vista com bons olhos e, em sectores estratégicos, os Estados poderão ter um papel ativo (notícias recentes referem que o Governo Britânico poderá capitalizar companhias aéreas nacionais e, na Alemanha, foram reforçados poderes para bloquear aquisições de grandes grupos Germânicos);
Ativos não-essenciais:
as empresas poderão alienar ativos que não sejam considerados essenciais à sua atividade, gerando liquidez e potenciais mais-valias que permitam equilibrar os seus resultados;
Geografias e sectores preferenciais:
poderá ser dada prioridade a operações em sectores (p.e. imobiliário, telecomunicações, infraestruturas ou construção) e em regiões (p.e. América Latina) até agora menos afetados pelos efeitos da pandemia;
Digital:
diversas empresas poderão vir a reconhecer a relevância e necessidade de investir nos seus canais de comunicação e distribuição digital, considerando a aquisição de empresas que contribuam, decisivamente, para esta nova realidade.
Naturalmente, as hipóteses acima terão de ser analisadas à luz de uma variável sobre a qual existe grande incerteza: o período de tempo necessário para ultrapassar a conjuntura atual. Estudos recentes da Oliver Wyman mostram que, na China, o número de novos casos atingiu o pico cerca de um a dois meses após o primeiro caso ter sido detetado. Após um período de quase três meses, onde a prioridade foi combater o vírus, o país começa a regressar à normalidade e a reiniciar a sua economia.
Assim, caso as medidas de contenção da pandemia se revelem eficazes e permitam o combate à covid-19 num hiato temporal semelhante ao da China, poderemos vir a assistir a um último trimestre de retoma do fluxo de operações de períodos homólogos, embora 2020 não deva poder ser comparado com os anos mais recentes. Afinal, estamos perante um cisne negro. Por Pedro Pereira - Private Equity and M&A Specialist da Marsh Portugal.. Leia mais em .dinheirovivo.pt 25/03/2020
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