17 março 2020

Ações derretem e empresas lançam recompra

A liquidação generalizada que tomou conta do mercado de ações nos últimos dias fez com que as companhias acelerassem programas de recompra de seus ativos na bolsa, uma das principais armas para sustentar as cotações em momento de queda.

De janeiro até ontem, 20 operações de recompra de ações foram anunciadas, 11 delas em março, período em que o Ibovespa caiu 31,7%, acompanhando o pânico nos mercados no mundo todo por causa da pandemia de coronavírus e seus efeitos sobre a economia global.

As recompras anunciadas neste ano já correspondem a mais de um terço das divulgadas em todo 2019, segundo dados compilados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), regulador do mercado de capitais.

Prevista pela Lei das S.A. e regulada pela CVM, a recompra é um instrumento que permite às companhias adquirir suas ações para manter em tesouraria e eventualmente cancelá-las, o que beneficia os acionistas, pois reduz a base acionária que vai receber os dividendos. A operação, que precisa ser aprovada em assembleia geral ou pelo conselho de administração, deve ser encerrada em até 18 meses.

A recompra de ações no momento de baixa do mercado representa uma sinalização aos investidores de que os papéis estão muito baratos. É uma maneira de a administração mostrar que está de olho [em suas ações], que o preço não é condizente com o momento da empresa, diz Thiago Salomão, analista da Rico Corretora.

Vanessa Fiusa, sócia de mercados de capitais do escritório de advocacia Mattos Filho, afirma que houve um aumento de questionamentos de clientes sobre a operação. Por isso, o escritório, especializado em direito empresarial, publicou, na semana passada, um memorando com principais requisitos e providências a serem observados. Com ações mais baratas, o momento pode ser uma oportunidade importante para as companhias, diz Vanessa.

Outro momento em que as empresas aproveitaram para comprar na bacia das almas foi durante o segundo semestre de 2015, com o aprofundamento da crise econômica no segundo mandato de Dilma Rousseff, as companhias também adotaram a estratégia.

Mas a recompra não é imune a críticas. Para um gestor, que prefere não ser identificado, algumas operações sinalizam mais uma defesa de preço do que questão de valor. Segundo ele, algumas companhias estão usando caixa para só defender o preço da ação, e nem sempre essa seria a melhor alternativa. Preservar o caixa para comprar um concorrente, por exemplo, poderia ser mais vantajoso.

Dependendo do setor e da situação financeira da empresa - e levando em consideração o cenário de extremo pessimismo -, uma recompra pode ser inócua. Se a empresa tem caixa, está confortável e quer passar otimismo ao mercado, faz sentido ela fazer uma operação dessas, pondera Salomão, da Rico.

A disponibilidade de recursos é um dos requisitos destacados pelo memorando do Mattos Filho aos clientes. A situação financeira da companhia deve ser compatível com a liquidação da aquisição em seu vencimento sem afetar o cumprimento das obrigações assumidas com credores nem o pagamento de dividendos obrigatórios, fixos ou mínimos, diz o texto.

Na ata da reunião que decidiu pela recompra, a empresa de tecnologia Sinqia informou que a abertura do programa, o quinto da empresa, visa maximizar a geração de valor para os acionistas. As ações caíram quase 30% nas últimas duas semanas, o que, para diretor financeiro e de relações com investidores, Thiago Rocha, não reflete o momento vivido pela companhia.

Em entrevista ao Valor, Rocha disse que a operação não estava planejada. O que motivou o programa foi o fato de o preço das ações voltarem a ficar abaixo da oferta [subsequente] que fizemos no ano passado.

Em setembro, a Sinqia arrecadou R$ 362,7 milhões com a oferta de ações, por R$ 62 a unidade. Com a operação, a empresa fechou 2019 com caixa líquido (já descontadas as dívidas) de R$ 264 milhões. Considerando o preço fechamento no dia da aprovação da recompra - de R$ 15,27, o menor desde 14 de outubro -, a empresa gastaria R$ 90 milhões para adquirir até 10% dos papéis.

Para as empresas que precisam abastecer seus planos de remuneração por ações de executivos, a recompra agora é recomendável, assim como para aquelas que precisam das ações para pagamento de transações privadas, como aquisições de outras empresas.

A Lojas Renner, que anunciou uma recompra de 1% das ações em circulação, pretende utilizar os ativos em seu plano de remuneração. O mesmo vale para a empresa de softwares Linx, que anunciou recompra de até 8,1 milhões de papéis, correspondentes a 4,5% de suas ações em circulação, e cujo objetivo é lastrear o plano de incentivo aos administradores. Considerando o preço da ação em 9 de março, quando a empresa fez a divulgação, a operação teria valor total de R$ 138 milhões.

A NotreDame Intermédica, que anunciou recompra de até 3,4 milhões de ações em 9 de janeiro, pretende utilizar parte das ações como parte do pagamento pela aquisição do Grupo Clinipam, anunciada em novembro.

A Cia. Hering aprovou duas operações este ano. A primeira, em fevereiro, foi encerrada ontem, quando ela divulgou um novo programa de recompra de ações... Leia mais em valoreconomico 17/03/2020



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