Flexibilidade de regras, que evita diluição de poder de acionistas, e chance de atrair investimentos a projetos embrionários incentivam empreendedores nacionais a tentar a sorte lá fora
Do ano passado para cá, cinco empresas escolheram as bolsas de Nova York e Nasdaq para lançar suas ações em detrimento da B3, bolsa de valores de São Paulo. Juntas, elas captaram US$ 6,2 bilhões - ou R$ 25 bilhões, considerado o dólar a R$ 4,05, valor quase 50% superior às ofertas feitas por oito companhias na bolsa brasileira no período.
O movimento, que começa a incomodar o mercado interno, tem potencial para crescer nos próximos anos, sobretudo entre as empresas de alto crescimento, como as unicórnios (startups que superam US$ 1 bilhão em valor de mercado).
O sucesso do IPO (sigla em inglês para oferta pública de ações) da XP Inc no início de dezembro, que captou US$ 2,25 bilhões na Nasdaq, deve incentivar outras companhias a desembarcar no mercado americano.
A rede de hamburgueria Madero, por exemplo, já anunciou que pretende fazer sua oferta de ações na Bolsa de Nova York, em 2020; a Cogna, holding que reúne Kroton e outros negócios na área educacional, também sinalizou para abertura de capital de sua subsidiária Vasta Educação nos Estados Unidos, seguindo o mesmo caminho trilhado pelas empresas de meio de pagamentos PagSeguro e Stone, e as companhias de ensino Arco Educação e Afya.
Como essas, outras companhias se movimentam para seguir a mesma trajetória. "O Brasil tem um potencial incrível em diversos setores, como educação, saúde, tecnologia e finanças", afirma a diretora de listagem e mercado de capitais da Nasdaq na América Latina, Ivana Ferreira. Ela conta que tem viajado com frequência para o Brasil para se reunir com potenciais empresas interessadas em abrir o capital na bolsa americana.
A executiva afirma que o foco é se aproximar de companhias, empreendedores e times em começo de jornada. "Estamos comprometidos em apoiar empresas em todas as fases de seu ciclo corporativo", diz ela, destacando que a listagem da XP Inc é a validação do trabalho da Nasdaq na região. "Os Estados Unidos é o país com maior número de investidores do planeta, ou seja é o mercado de maior liquidez no mundo."
Empresas de tecnologia
Para algumas empresas, como as de tecnologia, essa é uma vantagem importante comparada ao mercado brasileiro. "Existe uma classe de empresas que ainda não tem tanta demanda no Brasil por serem desconhecidas ou menores. Para esses casos, falta a maturidade que o mercado americano tem", diz o diretor da Santander Corretora André Rosenblit. Além disso, há fundos dedicados a determinadas áreas que não por aqui. Ele lembra que quase 60% dos investidores nos Estados Unidos aplicam em ações enquanto aqui apenas 1,2%.
Mas há outros fatores que têm determinado o desembarque das empresas brasileiras nos Estados Unidos. Um deles é o free float - porcentagem de ações emitidas no mercado. Aqui, as companhias têm de lançar o mínimo de 15% ou 25% se o volume for acima de R$ 3 bilhões, afirma o responsável pelo Investment Banking do Citi Brasil, Eduardo Miras. "Lá fora, não há essa restrição, pode ser 5%, 10%."
No caso da XP, um dos motivos que levaram a instituição a abrir o capital na Nasdaq envolve a diluição da participação dos controladores. Como aqui só há uma classe de ação, os sócios perderiam o controle da empresa. Nos Estados Unidos, há duas classes (A e B) e isso não ocorre, diz Miras.
A opção de manter ações com superpoderes (voto plural) é um dos fatores importantes para se abrir o capital lá fora, explica Fabio Nazari, chefe de mercado de capital de renda variável do BTG Pactual. "As ações com superpoderes garantem aos fundadores de uma companhia os direitos políticos sobre uma empresa, mesmo com a diluição de capital", diz.
Regulação
A B3, bolsa paulista, não está alheia a esse movimento. Para Flavia Mouta, diretora de emissores da B3, um dos pontos principais das ofertas no exterior é a maior valorização que essas companhias conseguem nos Estados Unidos do que aqui no Brasil. "Isso a gente tem menos controle porque é uma questão de conjuntura do mercado e porque essas empresas são de tecnologia."
Mudanças regulatórias aqui no Brasil podem ajudar as empresas a considerar a fazer listagem na Bolsa paulista. Deste fevereiro deste ano, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) permite que as empresas brasileiras façam o registro de pedido de companhia em sigilo, o que só era permitido nos EUA. Também foi colocada em audiência pública a discussão do voto plural (ações com superpoderes). Para Flavia, essas discussões podem ajudar na escolha de empresas brasileiras antes de ir para fora.
"A B3 não quer perder as listagens e está considerando alterações nas regras", diz Eduardo Mendez, chefe de mercado de capitais e renda variável para América Latina do Morgan Stanley. Ele afirma que há empresas no pipeline para abertura de capital no exterior, mas são histórias específicas. "Mas também trabalhamos com muitas listagens aqui no Brasil (ver matéria abaixo)", diz Mendez.
Para ele, o lançamento de ações no exterior não é simples nem barato. O ambiente regulatório americano é bastante oneroso, tem um dinâmica de auditoria e de comunicação em inglês e compromissos assumidos que são caros.
"O sucesso das últimas listagens vai trazer muitas empresas com objetivo de abrir o capital em Nova York, mas quando elas identificarem esses custos vão preferir lançar aqui." Renée Pereira e Mônica Scaramuzzo Estadao Leia mais em terra 31/12/2019
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