No começo deste ano, tudo indicava que as startups tecnológicas mais valiosas dos Estados Unidos - Uber, Lyft, Airbnb, Pinterest, Slack, WeWork e a empresa de software e serviços de informática Palantir - estavam prestes a realizar triunfantes Ofertas Públicas Iniciais [IPOs nas iniciais em inglês]. Em San Francisco, onde muitas delas têm sede, um punhado de amigos ficou obsessivamente fixado nas maneiras pelas quais uma nova geração de milionários de IPOs se preparava para acabar com a cidade.
Os que tinham sido criados na área da Baía de San Francisco e se lembravam do surto de crescimento tecnológico do fim da década de 1990 previram um ano de festas detestáveis, iates reluzentes e preços dos imóveis ainda mais inalcançáveis. O proprietário do prédio onde moro parecia exultante, e nos orientou a curtir o fato de residir em San Francisco enquanto ainda podíamos nos dar a esse luxo. Um site de notícias qualificou 2019 como um ano da corrida do ouro, enquanto a mídia nacional americana afirmava que a cidade estava em ponto de ebulição.
O Uber tem quase 4 milhões de motoristas. A WeWork se tornou a maior inquilina privada em Londres e Nova York. O Pinterest tem mais de 300 milhões de usuários. Todas receberam avaliações de vários bilhões de dólares de investidores privados. Nenhuma teve lucros
Para muitos, essas riquezas imaginadas desmancharam no ar. A empresa de serviço de corridas Uber deu o tom do que viria depois em maio, quando registrou ações bem abaixo da avaliação esperada de US$ 120 bilhões. O fundador Travis Kalanick e os investidores de primeira hora, mesmo assim, ganharam bilhões de dólares. Mas os investidores posteriores e os funcionários, não. As ações do Uber caíram desde então 33%.
A Lyft, a principal concorrente do Uber, também perdeu cerca de 33% de seu valor. O serviço de mensagens para locais de trabalho Slack pulou uma IPO tradicional e vendeu ações diretamente para o público, mas seus preços também caíram. A startup de espaços de escritório WeWork cancelou sua IPO e teve de lutar por um pacote de socorro. Das startups prontas para entrar em bolsas, quatro se registraram e fracassaram, uma quase faliu e duas ainda estão por se aventurar nesse terreno espinhoso.
Este foi um imprevisto ano de ajuste de contas para as empresas conhecidas como unicórnios. No jargão tecnológico um unicórnio é uma startup com uma avaliação de pelo menos US$ 1 bilhão. Elas eram raras. Quando a capitalista de risco Aileen Lee cunhou o termo, em 2013, a empresa de monitoramento de startups CB Insights contou 43 unicórnios. Agora, existem mais de 400.
A ascensão dos maiores unicórnios remonta à crise financeira mundial e à reviravolta econômica que se seguiu. A primeira versão da Lyft era uma empresa de carona solidária chamada Zimride criada em 2007. O Airbnb veio em 2008. O Uber, em 2009. A WeWork e a Pinterest, em 2010.
A versão do mito do fundador dessa história é a de que só os criadores mais determinados inauguram suas empresas em uma crise, o que as torna mais propensas a terem êxito. Mas eles devem alguma coisa às circunstâncias, também.
Com o avanço da década, mais pessoas passaram a ter smartphones, o que significava que poderiam acessar serviços de empresas como Uber e Lyft com maior facilidade. O alto desemprego que se seguiu à crise criou um exército de reserva de pessoas dispostas a trabalhar sem previdência social ou benefícios. Nova regulamentação aumentou o número de investidores potenciais em startups e os bancos centrais reduziram as taxas de juros radicalmente, o que liberou dinheiro disposto a aceitar risco.
O principal patrocinador de unicórnios foi Masayoshi Son, o executivo-chefe do SoftBank. Armado com um fundo de US$ 100 bilhões para investir em empresas que determinariam os contornos dos próximos 300 anos, ele orientou as startups a priorizar o crescimento.
Juntos, esses fatores criaram empresas enormes. O Uber tem quase 4 milhões de motoristas. A WeWork se tornou a maior inquilina privada em Londres e em Nova York. O Pinterest tem mais de 300 milhões de usuários. Todas receberam avaliações de vários bilhões de dólares dos investidores privados. Nenhuma contabilizou lucros.
Os lucros pareciam não ter importância naquela época, em que as bolsas tinham sido privadas de novas empresas de alto potencial de crescimento nas quais investir. Também pareciam não ter importância as reclamações dos funcionários ou as ameaças dos órgãos reguladores. Mas os prejuízos revelados nos prospectos eram chocantes.
Isso poderia não envolver nada de errado se planos convincentes de conter a sangria de dinheiro também estivessem disponíveis. Mas não estavam. Acrescente-se a isso preocupações em torno de uma possível recessão nos EUA e uma guerra comercial com a China, e essas gigantescas startups que mudavam a cara do mundo começaram a parecer ao mesmo tempo onerosas e perigosas.
Nem todas as IPOs tiveram resultados precários. A fixação de preços mais conservadora, adotada no segundo semestre do ano, deve ter ajudado. Um fundo gerido pela Renaissance Capital que monitora empresas americanas recém-registradas de todos os setores subiu 30% neste ano.
Campeãs setoriais, além disso, estão ansiosas por destacar que muitas ações tecnológicas caem inicialmente. Quando a jornalista do The New York Times Erin Griffith brincou, pelo Twitter, que ações recém-registradas deveriam ser batizadas de Plumps [algo que despenca, em tradução livre] - Publicly Listed Unicorns Miserably Performing [Unicórnios Registrados em Bolsa com Desempenho Péssimo] -, o capitalista de risco (e investidor no Uber) Bill Gurley se apressou em responder que histórias de sucesso tecnológicas como as do Facebook e da Amazon foram todas também negociadas abaixo de seu preço inicial de IPO.
Como essa interação pode sugerir, os investimentos privados em tecnologia não estão desacelerando. Nos últimos meses vi dois fundos soberanos abrindo novos escritórios perto de startups. Está sendo captado dinheiro para novos fundos. San Francisco pode não estar transbordante de festas extravagantes ou de iates novos neste ano, mas a era dos unicórnios está longe de ter terminado. (Tradução de Rachel Warszawski) Elaine Moore é editora do FT.. Leia mais em valoreconomico 19/12/2019
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