B3, operadora da Bolsa de Valores brasileira, e Americas Trading Systemp (ATS) chegaram a um acordo que abre espaço para uma nova Bolsa de Valores no Brasil. Segundo comunicado ao mercado publicado nesta segunda-feira (23), a B3 irá oferecer o serviço de transferência de valores mobiliários para o mercado de renda variável, com taxa de 0,26 pontos base. Segundo a B3, uma compra de ação de R$ 10 por outra Bolsa daria R$ 0,026 a empresa, por exemplo.
Com a decisão, a ATS, empresa controlada pela Americas Trading Group (ATG), fica mais perto de ser a segunda Bolsa brasileira.
Segundo agentes do mercado, a concessão do serviço de transferência de valores mobiliários marca a abertura do setor para novas companhias, não só a ATS. Isso porque tal serviço, chamado de CSD, é exclusivo da B3.
Para evitar a concentração do setor, ao aprovar a compra da Cetip pela BM&FBovespa em 2017 que deu origem a B3, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) definiu que a nova empresa teria de abrir seus sistemas para terceiros, particularmente a ATG –que tinha denunciado a Bolsa por abuso de poder ao Cade.
Naquele momento, a ATG afirmou que o preço cobrado pela Bolsa para a transferência de titularidade de papéis (como ações, por exemplo) era 22 vezes maior que a média mundial, algo que a B3 nega.
A conselheira Cristiane Alkmin, relatora do caso no Cade, defendeu então que o tribunal determinasse o preço de acesso aos sistemas da Bolsa, mas foi voto vencido.
A maioria dos conselheiros optou por uma saída “light” porque entendeu não ser função do Cade regular o preço da troca de titularidade. Esse papel é exercido pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Porém, até hoje não existe uma regulação para quem quer entrar no mercado da Bolsa.
Em seu voto à época, Alkmin apresentou sua preocupação sobre a possível prática abusiva de preços. Fez uma comparação com as operadoras de telefonia que, donas da rede de infraestrutura de comunicação, alugam “linhas industriais” para concorrentes que não têm rede própria em locais onde querem prestar o serviço. Durante muitos anos, os preços cobrados inviabilizaram a competição até que a Anatel, agência do setor, criou normais mais duras para regular o preço.
Em vez de atuar nessa frente, o Cade preferiu determinar que a ATS e a B3 resolvessem a questão do preço em uma discussão à parte com prazo de seis meses para acabar. Sem sucesso, ela acabou virando uma arbitragem, na Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CCBC). Após mais de dois anos, o impasse chegou ao fim na noite de sexta-feira (20) e foi comunicado nesta segunda.
Segundo Rafael Cota Maciel, gestor de renda variável da AF Invest, com a concorrência, a B3 reduziria taxas para reter clientes, “o que, no pior cenário, poderia impactar 2,5% da receita total da companhia”, diz. Para ele, no entanto, o cenário não é preocupante, já que o volume de transações e de investidores na Bolsa tem crescido de forma exponencial.
“Com juro baixo no Brasil, sem grande problema político interno ou externo, os volumes de 2020 ficariam ainda maiores, o que compensaria eventuais reduções de taxas, que hoje são caras. O setor precisa de competição”, afirma Maciel.
O mercado aguardava a decisão sobre o CDS desde que a arbitragem foi instalada, em 2017, e vê com bons olhos a abertura do setor.
Acionistas da B3, que tem capital aberto, temem que uma empresa com maior capacidade de investimento que a ATS se interesse pelo setor de valores mobiliários brasileiro, o que poderia ter um impacto maior.
Companhias estrangeiras, como as plataformas DirectEdge e Bats, chegaram a anunciar que pretendiam concorrer com a Bolsa paulista, mas desistiram.
No pregão desta segunda, as ações da B3 chegaram a cair 6,5%, mas fecharam em queda de 4,54%, a R$ 46,87. No ano, a empresa acumulou valorização de 74%, uma das maiores do Ibovespa.
Analistas do Credit Suisse liderados por Marcelo Telles disseram que, embora o reequilíbrio fosse amplamente esperado, uma vez que o processo de arbitragem foi um ponto importante de discussão do caso de investimento da B3, a tarifa de 0,26 bontos base de volumes é cerca de 40% menor que a proposta inicial da B3.
Na visão do analista Luiz Azevedo, do Banco Safra, a entrada da ATG no mercado agora “dependerá da sua própria capacidade de se conectar à B3 e conseguir massa crítica de corretoras para operar em sua plataforma”.
Fundada em 2010 por ex-executivos da corretora Ágora, a ATG vende serviços de negociação eletrônica na Bolsa a corretoras de ações e gestores de recursos, mas ficou mais conhecida dois anos depois quando anunciou planos de criar uma plataforma eletrônica para concorrer com a B3, então BM&FBovespa.
Em 2018, o ex-presidente e principal acionista da ATG, Arthur Pinheiro Machado, foi preso pela Polícia Federal, que investiga sua participação em um esquema de desvios de recursos do Postalis, fundo de pensão dos Correios, que investiu R$ 400 milhões na empresa.
Além disso, no começo de 2016, Milton Lyra, na época conselheiro da ATG, virou alvo de investigação na Operação Lava Jato como operador de propina para o PMDB.
Em nota, a assessoria de imprensa da ATG/ATS informa que Arthur Pinheiro Machado não é mais administrador e nem acionista da ATS e da ATG. Ele se retirou da administração das empresas em abril de 2018 e não é mais sócio desde novembro de 2018. Por FOLHAPRESS .. Leia mais em
portalmixvale 23/12/2019
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