“A pressão vem de todos os lados”, avisa Enrico de Vettori, líder da área de saúde da Deloitte. Segundo ele, as inovações serão frutos do trabalho das companhias nativas do setor e também de “estranhas”.
Na rota da transformação estratégica nos cuidados com o paciente, entram gigantes como Apple, Google, Microsoft e operadoras de telecomunicações. Empresas que enxergam nos serviços de saúde a oportunidade de engordar as receitas. Elas possuem aproximação com o paciente, que é um consumidor de seus serviços. “São capazes de capturar dados de comportamento essenciais para gestão de bem-estar e saúde.”
A empreitada digital é resultado da convergência entre os setores de consumo, tecnologia, saúde e telecomunicações. Tendência que aparece em dois estudos divulgados recentemente pela Deloitte: o Global Life Sciences Outlook e o Global Health Care Outlook. Vettori explica que o setor de saúde tem passado por uma série de inovações incrementais, que consolidará as evoluções tecnológicas e científicas dos últimos anos.
A chegada de empresas não tradicionais vai pressionar a remodelagem dos negócios. “Será uma espécie de engenharia reversa, com novos entrantes rompendo os padrões e propondo novas formas de cuidado”, diz. Entre as bases, ele destaca o bem-estar – fator que tem se tornado símbolo de status no mundo moderno –, a tendência do monitoramento remoto e a demanda por médicos de família. “Os pacientes estão indo para casa, não querem ficar longas temporadas nos hospitais.”
O estudo da Deloitte estima que, em 2022, o segmento de saúde movimentará US$ 10 trilhões no mundo, para acompanhar as mudanças demográficas – como o envelhecimento da população – e a maior incidência de doenças crônicas. As estratégias para dar conta do recado estão refletidas no volume de investimentos em tecnologias digitais, que devem somar US$ 280,25 bilhões até 2021.
No filão da indústria farmacêutica, o faturamento com medicamentos prescritos por médicos deve abocanhar US$ 1,2 trilhão em 2024. As farmacêuticas apostam no crescimento de drogas biotecnológicas e em acompanhamento médico remoto – via aplicativos – para incrementar suas margens.
Na área de ciências da vida, o estudo da Deloitte aponta uma acomodação nos orçamentos de pesquisa e desenvolvimento (P&D). “Há uma grande discussão sobre o aumento dos custos para a descoberta científica”, diz Vettori. Segundo ele, os custos de P&D estão em forte escalada. “É preciso entender como aplicar o dinheiro para ser mais efetivo. As empresas vão buscar mais parcerias e colaboração no desenvolvimento científico.”
Em paralelo ao desafio de prover soluções inovadoras, as instituições de saúde lidam com uma questão básica: integrar o conhecimento para obter resultados na operação e no atendimento ao paciente. “Temos de entender o problema e, a partir daí, escolher os recursos mais eficientes para resolvê-lo”, afirma o médico Álvaro Avezum, gerente da unidade de pesquisa em saúde do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Segundo ele, é preciso driblar o assédio dos fornecedores e traçar planos que façam sentido. “Não adianta ter o melhor equipamento, software e leito conectado sem uma estratégia clara de inovação. Além de projetos de transformação digital – como aprimoramento do prontuário eletrônico e o uso estratégico das informações –, a área de pesquisa do Oswaldo Cruz toca 24 pesquisas, 70% delas na área de oncologia.
Para Luiz Verzegnassi, CEO da GE Healthcare para a América Latina, a percepção de Avezum está correta. “Para aproveitar toda a tecnologia disponível e gerar valor, é preciso ligar os pontos.” De acordo com ele, os projetos que integram conhecimento médico e recursos de equipamentos e sistemas são os que terão sucesso. “Já temos produtos com inteligência artificial embarcada. Mas são as instituições que vão inserir as informações e protocolos para ensinar os computadores.” O executivo indica o mapeamento de processos para conhecer e tratar os gargalos na operação. No Hospital de Amor em Barretos, por exemplo, a GE instalou um software capaz de capturar parâmetros das imagens de mamografia e sinalizar, ao fim do exame, se as imagens estão boas para leitura. O índice de reconvocação chegava a 60% antes da implementação. Com a solução de verificação automática, a reconvocação caiu para 5%.
Juan Carlos Gaona, gerente-geral da Abbott no Brasil, lembra que a medicina está migrando para um modelo em que o paciente é ativo na prevenção e no tratamento das doenças. “Isso muda a forma como projetamos.” A integração digital aparece como fator decisivo no desenho de produtos. Como exemplo, Gaona cita um equipamento para medir glicose que utiliza um sensor implantado no antebraço (um procedimento indolor). O sensor livra o paciente da necessidade de furar o dedo para medir o açúcar no sangue. Emite, ainda, relatórios para o celular, que podem ser compartilhados com o médico. “O paciente pode tomar decisões sobre a sua alimentação a qualquer momento. Basta consultar o aplicativo.”
A combinação entre conectividade e contabilidade distribuída (blockchain) vai acelerar os projetos de prontuário eletrônico. O blockchain, explica Gaona, permite criar um registro médico on-line para anotar exames, consultas e até os dados capturados por sensores. A vantagem está no fato de o paciente ser o dono das informações. “É ele quem dá acesso aos médicos e instituições de saúde.” Para a área de medicamentos, a Abbott construiu um centro de desenvolvimento farmacêutico na cidade do Rio de Janeiro, com investimento de R$ 20 milhões. A meta é desenvolver 15 medicamentos de marca por ano em áreas como cardiologia, saúde da mulher e sistema nervoso central. “Há oportunidades de inovação em moléculas que já conhecemos”, diz Gaona. Entre elas, estão fórmulas de liberação lenta no organismo. “Em vez de tomar o antibiótico de oito em oito horas, o paciente toma uma dose que age por 24 horas.”
A área de fármacos – intensiva em investimentos em P&D – utiliza a inovação para transformar seus negócios. A Roche Farma aposta na medicina personalizada como estratégia para seus negócios. No ano passado, comprou a Foundation Medicine, especializada em análise genômica para tratamento de câncer por US$ 2,4 bilhões. A empresa deu origem a uma nova área na Roche. Marcelo Oliveira, que dirige o time no Brasil, explica que a Foundation Medicine surgiu do trabalho de dois cientistas americanos, que identificaram 238 mutações no DNA de células tumorais. A publicação baseou o desenvolvimento de testes para identificar o padrão genético dos tumores e, a partir daí, aplicar a terapia e as drogas mais eficientes para combater a doença. Hoje, mais de 300 mutações estão mapeadas. “É uma medicina de precisão, que beneficia o paciente e o sistema de saúde.”
Na Beneficência Portuguesa (BP) de São Paulo, o mapeamento genético tornou-se uma prática no tratamento de câncer do pulmão. Segundo o dr. William William, diretor-médico de oncologia clínica e hematologia do Centro Oncológico da BP, 2,3 mil pacientes já se beneficiaram de testes genéticos, tendo acesso a tratamento personalizado. “É uma revolução. Há dez anos, tínhamos um protocolo único de terapia.” O médico explica que as alterações moleculares já são identificadas em 20% dos casos de câncer. A sobrevida dos pacientes com acesso à nova terapia é superior em 30%, quando comparada aos tratados de forma tradicional.
A aposta do Laboratório Cristália está no aumento dos investimentos em biotecnologia. O médico Ogari Pacheco, presidente do conselho de administração do laboratório, destaca a descoberta de uma bactéria – retirada do solo brasileiro – capaz de produzir colágeno sem o uso de componentes animais. “Ela se alimenta de proteína vegetal para produzir o colágeno. É um produto vegano”, explica. O colágeno extraído do meio vegetal é utilizado no tratamento de feridas e queimaduras. O laboratório registrou patente mundial. “A técnica elimina qualquer risco relativo à cultura animal, como a doença da vaca louca, nos medicamentos biotecnológicos que utilizam colágeno.”
Já o treinamento médico tem recebido reforço da realidade virtual (RV). Elisabete Murata, diretora sênior de educação da Johnson & Johnson Medical Devices para a América Latina, explica que os simuladores imersivos têm agradado aos cirurgiões. Com o uso de técnicas de videogame, a técnica permite ao profissional da saúde executar procedimentos complexos, como uma cirurgia ortopédica. “É possível rever e refazer o procedimento diversas vezes.” A tecnologia também amplia o acesso a treinamentos e reduz o custo. Em vez de levar um centro cirúrgico completo, basta carregar o computador, óculos de realidade virtual e luvas especiais que simulam a operação de aparelhos médicos como pinças e bisturis.
André Petribu, cirurgião do aparelho digestivo e coordenador administrativo do núcleo de cirurgia experimental do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), destaca os diferenciais da ferramenta. “Conseguimos simular o ambiente, submeter o corpo clínico a testes e criar situações muito próximas do real. Tudo isso sem realizar uma cirurgia de verdade”, explica. No ambiente virtual, os médicos podem errar sem causar danos a ninguém e depois discutir o procedimento. “No final, a equipe sai melhor treinada.” Fonte: Valor Online Leia mais em panoramafarmaceutico 27/06/2019
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