O resultado do PIB nos primeiros três meses do ano confirmou a letargia da atividade econômica brasileira, que há mais de dois anos tenta engatar uma recuperação mais firme. No primeiro trimestre, a economia encolheu 0,2% em relação ao trimestre anterior, feito o ajuste sazonal, arrastada por mais uma queda forte do investimento, de 1,7%, e pela perda de fôlego do consumo das famílias, que teve alta de apenas 0,3%. Combinados, esses dois componentes da demanda, com peso de cerca de 80% no PIB, recuaram pelo segundo trimestre consecutivo.
No acumulado em quatro trimestres, o PIB cresce apenas 0,9%, o pior resultado nessa base de comparação desde a queda de 0,1% do terceiro trimestre de 2017.
Pelo lado da oferta, chamou a atenção o tombo de 6,3% da indústria extrativa, reflexo do colapso da barragem da Vale em Brumadinho, em Minas Gerais. O PIB industrial caiu 0,7%, e o do segmento de transformação, 0,5%.
Com o mau resultado do PIB nos primeiros três meses do ano e as informações desanimadoras sobre o segundo trimestre, vários analistas cortaram as estimativas para o crescimento em 2019 para menos de 1% - menos que o 1,1% registrado em 2017 e também em 2018. Para crescer 1% neste ano, o PIB precisa avançar a um ritmo de cerca de 0,5% em cada um dos três trimestres restantes do ano, na comparação com o trimestre anterior, diz Bráulio Borges, economista-sênior da LCA Consultores. É uma taxa que o Brasil tem dificuldade em atingir na pífia recuperação iniciada no começo de 2017.
A incerteza na economia continua elevada, em boa parte por causa de dúvidas sobre o andamento da reforma da Previdência, tida como fundamental para corrigir o desequilíbrio das contas públicas. A crise na Argentina, por sua vez, atrapalha a indústria, por afetar as exportações de manufaturados. Além disso, há fatores estruturais que travam a economia, como o nível de investimento muito baixo.
A queda de 0,2% foi o primeiro recuo trimestral do PIB desde o quarto trimestre de 2016, o momento que marcou o fim da recessão iniciada no segundo trimestre de 2014. Como o PIB do quarto trimestre de 2018 teve a sua variação mantida em 0,1% - havia quem apontasse o risco de revisão para o terreno negativo -, a economia não entrou em recessão técnica, fenômeno caracterizado por retração em dois trimestres seguidos.
Para o diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, contudo, a sensação na economia é quase de recessão, já que a combinação do consumo das famílias e do investimento caiu, sim, por dois trimestres seguidos. Nos últimos quatro, houve baixa em três.
Borges vai na mesma linha, dizendo que a demanda "privada" entrou em recessão técnica, o que não ocorria desde 2016, embora as quedas tenham sido modestas. Segundo ele, o conjunto formado por consumo das famílias e o investimento recuou 0,5% no quarto trimestre de 2018 e 0,4% no primeiro trimestre deste ano, em termos anualizados. Borges observa que a combinação desses dois componentes é uma aproximação da demanda privada, porque a formação bruta de capital fixo (FBCF, medida do que se investe em máquinas e equipamentos, construção civil e inovação) inclui o investimento público e o das estatais.
O investimento continua a mostrar um desempenho especialmente ruim. Com a incerteza política, a grande ociosidade e a demanda anêmica, o setor privado investe pouco. O investimento público é ainda menor, dada a situação de penúria das contas públicas da União e de muitos Estados e municípios. A formação bruta de capital fixo está 28,5% abaixo do nível alcançado no segundo trimestre de 2013.
Nos primeiro trimestre, a taxa de investimento ficou em 15,5% do PIB, um pouco acima do 15,2% do PIB do mesmo período do ano anterior. No entanto, é um nível bem inferior aos 20,7% do PIB dos primeiros trimestres de 2011 a 2014.
O consumo das famílias desacelerou. Depois de crescer 0,6% e 0,5% nos dois trimestres anteriores, avançou apenas 0,3% no primeiro trimestre deste ano, num cenário marcado pela fraqueza do mercado de trabalho - o número de desempregados é de 13,4 milhões de pessoas. O consumo do governo, por sua vez, cresceu 0,4%, depois de quatro quedas consecutivas. Foi uma alta inesperada num quadro de controle dos gastos públicos.
Ramos enfatiza a fraqueza da atual recuperação, a mais lenta desde que há registro. O PIB per capita ainda está 9,1% abaixo do pico anterior, atingido no primeiro trimestre de 2014, nota ele.
Ramos diz que a retomada fraca reflete o efeito da incerteza elevada sobre decisões de gastos, mas avalia que podem ser mais importantes os "danos estruturais aos principais motores do crescimento ocorridos nos últimos anos". Segundo ele, a recuperação também tem sido limitada pelo declínio do estoque de capital da economia, dado o tombo forte do investimento, pelos níveis elevados de endividamento, em especial do governo e das famílias, e pelo efeito do alto desemprego por um período prolongado sobre as habilidades dos trabalhadores.
As exportações também foram mal, num cenário marcado pela grave crise na Argentina, que prejudica as vendas de manufaturados brasileiros. No primeiro trimestre, elas caíram 1,9% em relação ao trimestre anterior, enquanto as importações subiram 0,5%.
No primeiro trimestre, pelo lado da oferta, a agropecuária, a exemplo da indústria, também ficou no vermelho, com queda de 0,5% em relação ao trimestre anterior. Apenas os serviços tiveram alta, de 0,2%.
A construção, por sua vez, caiu 2% nos três primeiros meses de 2019. Com isso, o setor se encontra ainda 32% abaixo do pico anterior, alcançado no primeiro trimestre de 2014. Para o pesquisador Leonardo Carvalho, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a crise da construção se arrasta além do previsto, travando o investimento e a recuperação do emprego. Ao mesmo tempo, a paradeira prolongada do setor acende um alerta para um crescimento mais forte da economia, sobretudo pelo atraso na solução de gargalos de infraestrutura, diz ele. "A construção emprega muito e poderia, no curto prazo, ajudar a melhorar o mercado de trabalho formal."
Vários analistas reduziram ontem mesmo as suas projeções de crescimento para 2019. Foi o que fez o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, que cortou a sua estimativa de 1,1% para 0,9%. "O segundo trimestre não tem dado sinais de melhora", observa ele, em relatório.
"Parece ficar claro que a reforma da Previdência é uma condição necessária, mas cada vez mais longe de ser suficiente para que a economia comece a se recuperar", diz Vale. Por isso, 2020 tende a ter crescimento maior do que 2019, mas não muito, diz ele. "Os 2% esperados para o ano que vem estão arriscados, pois, além das dificuldades políticas do governo, há riscos que surgem do cenário internacional."
O Citi Brasil, por sua vez, reduziu a sua estimativa de 1,4% para 0,9%. "Olhando adiante, ainda consideramos que o PIB não apenas continuará a crescer, mas também a acelerar em relação aos trimestres anteriores, refletindo o estímulo monetária já em andamento", afirma o banco. "Dito isso, reconhecemos que desde o quarto trimestre de 2018 há mais sinais de que a economia tem enfrentado ventos contrários internos e externos, reforçando a perda de força" da atividade.
No cenário externo, o Citi Brasil destaca a desaceleração da economia mundial e a recessão argentina. No cenário interno, além do colapso da barragem de Brumadinho, os economistas mencionam as recuperações gradual e cíclica dos mercados de trabalho e crédito, que também desaceleraram desde o fim do ano passado.
O desempenho da economia no segundo trimestre tem sido fraco, com queda da confiança de empresários e consumidores. Ainda que não se espere uma nova queda do PIB no período, as estimativas com base em indicadores divulgados até agora não são animadoras. A estimativa preliminar do Itaú Unibanco é de alta de 0,1% sobre o trimestre anterior, o que coloca em risco a projeção da instituição de crescimento de 1% em 2019, diz o economista Luka Barbosa. - Valor Econômico Jornalista: Sergio Lamucci, Hugo Passarelli, Thais Carrança, Estevão Taiar Leia mais em portal.newsnte 31/05/2019
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