O economista-chefe do Citibank no Brasil, Leonardo Porto, tem uma visão cautelosa sobre as perspectivas de crescimento da economia brasileira para este ano e para os próximos, apontando motivos cíclicos e estruturais para o ritmo fraco de expansão - do cenário global mais adverso ao efeito contracionista da política fiscal, passando pelo menor PIB potencial.
Para 2019, ele projeta um avanço de 1,4%, estimativa que tem um "inequívoco viés de baixa", prevendo 2% para 2020 e também para 2021.
Segundo Porto, há uma preocupação grande dos investidores estrangeiros com as contas públicas, que passa pela Previdência, mas há "em paralelo uma preocupação adicional quanto ao baixo crescimento do Brasil nos últimos anos".
Porto acredita que a reforma da Previdência será aprovada pelo Congresso no quarto trimestre, com uma economia de R$ 500 bilhões em dez anos consideravelmente abaixo do R$ 1,25 trilhão embutido na proposta original do governo. Nas contas do economista, os R$ 500 bilhões resolvem "mais ou menos um terço" do problema fiscal brasileiro, o que significa que serão necessárias medidas adicionais para completar o processo de consolidação fiscal, como uma nova regra de reajuste do salário mínimo e a contenção dos gastos com o funcionalismo.
É preciso sair de um déficit primário de 1,5% do PIB para um superávit de 2% do PIB, afirma Porto, referindo-se ao esforço requerido para estabilizar a dívida bruta como proporção do PIB, considerando o resultado fiscal sem gastos com juros.
"A reforma da Previdência é uma parte importantíssima desse processo, mas não é suficiente para resolver a questão fiscal", ressalta Porto. Ela tampouco conseguirá destravar sozinha o crescimento, ainda que, se aprovada, vira-se a página de uma incerteza relevante.
Porto nunca teve uma previsão das mais otimistas para o crescimento de 2019 - em novembro de 2018, projetava 2,2%. Houve quem estimasse 3,5%.
O resultado decepcionante da atividade no primeiro trimestre deflagrou uma onda de redução nas previsões - hoje, o consenso de mercado é de 1,23%.
O economista do Citibank lembra que tem havido "um otimismo contínuo" nas expectativas em todo começo de ano, com a aposta de que o crescimento ficará bem acima do que foi no ano anterior. "Para entender isso, existem explicações cíclicas e estruturais", avalia ele. Porto começa pelas estruturais.
A primeira é que o PIB potencial brasileiro caiu significativamente nos últimos anos, diz Porto, falando do ritmo de expansão que não gera pressões inflacionárias.
Ele observa que o aumento da mão de obra caiu pela metade, de 1,8% em 2008 para cerca de 0,9% hoje. No caso do avanço do estoque de capital, a taxa de investimento rodava pouco acima de 20% do PIB e hoje está perto de 15% a 16% do PIB, nota ele. Além disso, há o problema da produtividade. "Se a gente disser que ela está crescendo, já seria um cenário positivo. A dúvida é se a produtividade não está contraindo", afirma Porto, para quem hoje o PIB potencial está em torno de 1% a 1,5%. Em 2008, era de cerca de 3,5%, segundo ele.
"E o crescimento cíclico tem sido mais lento do que se imaginava", diz Porto.
"Com os estímulos monetários, esperava-se que a reação fosse mais rápida do que está acontecendo." Ele enfatiza que, enquanto a política monetária é expansionista, com os juros básicos em níveis historicamente baixos, a política fiscal é contracionista, com União, Estados e municípios segurando gastos. A política de crédito dos bancos públicos também vai na mesma direção.
Para completar, "o crescimento mundial não é tão robusto como foi no período de 2003 a 2008", diz Porto, observando que, nesse quadro, "o vento a favor vindo de fora é menor", não havendo um ciclo de commodities favorável como na década passada. "A expansão mundial esperada para 2019 pelo Citibank é de 2,9%. Foi 3,2% no ano passado e 3,4% em 2017", nota Porto. "Quando você coloca tudo no mesmo pacote, há o vento a favor da política monetária, mas outros ventos contrários mitigam um pouco esse estímulo." Para o resultado do PIB do primeiro trimestre, a ser divulgado amanhã, Porto projeta estabilidade em relação ao trimestre anterior, feito o ajuste sazonal.
Ele vai revisar a sua projeção para o PIB de 2019 depois do anúncio das contas nacionais. "Se o PIB apresentar uma queda mais pronunciada -- e aí eu não estou falando de um recuo de 0,1%, 0,2%, porque isso é em torno de zero -, um cenário de um crescimento menor que 1% começa a entrar na mesa", afirma ele. A média das projeções de 32 analistas consultados pelo Valor Data é de baixa de 0,2% na comparação com o trimestre anterior.
Porto lembra que o PIB tem crescido a uma média de 0,3% por trimestre desde o primeiro trimestre de 2017. "É um crescimento bem baixo, em torno de 1,2% anualizado. Qualquer vento contrário que aconteça no meio do caminho, essa economia pode estagnar", diz ele, enumerando então alguns pequenos obstáculos que atrapalham o país desde os últimos meses do ano passado.
O primeiro foi a revisão para baixo de crescimento do PIB mundial, que começou a partir do quarto trimestre, afirma Porto. "O segundo vento contrário é a questão da Argentina, que se intensificou. Se a gente pegar a exportação de automóveis para lá, ela caiu brutalmente a partir de meados do ano passado." O terceiro é a situação do mercado de trabalho. Segundo Porto, ela "vinha melhorando desde março de 2017, com quedas contínuas [da desocupação]", mas, a partir de outubro, novembro, os dados de desemprego ficaram oscilando em torno de um mesmo nível. Além disso, o salário real (descontada a inflação) dá sinais de que cresce cada vez menos. Outro ponto é que a taxa média de empréstimos do Sistema Financeiro Nacional, que caiu por vários trimestres de modo sistemático, parou de recuar e começou a mostrar leve alta a partir de dezembro, diz Porto.
Por fim, as tensões comerciais entre EUA e China voltaram a aumentar neste mês. O governo americano elevou as tarifas de importação sobre produtos do país asiático, e os chineses fizeram o mesmo com os bens comprados dos EUA. "Houve uma escalada das tensões comerciais, mas nós não esperamos que haja novas escaladas para frente nem acreditamos que vai haver um acordo sustentável no curtíssimo prazo. Ou seja, a incerteza fica presente, de certo modo", afirma ele, notando que isso tende a ser prejudicial para os preços de commodities.
Com a aprovação de uma reforma da Previdência de R$ 500 bilhões em dez anos, Porto acredita que não haveria um efeito significativo sobre os preços dos ativos brasileiros (como câmbio, bolsa e risco-país), nem para melhor nem para pior. Já se passar uma versão mais robusta, que poupe algo como R$ 1 trilhão, o impacto pode ser expressivo. O dólar, por exemplo, tenderia a cair com força, e também poderia haver a redução do juro real de equilíbrio (o que permite a economia crescer sem acelerar a inflação), dada a percepção de maior sustentabilidade das contas públicas no longo prazo. O espaço para cortes maiores dos juros básicos aumentaria e haveria um efeito positivo sobre a confiança um cenário propício para uma expansão mais forte da economia.
Não é esse, porém, o cenário-base de Porto. Na sua hipótese central, não haverá redução da Selic no curto prazo. Ele estima que a taxa vai permanecer em 6,5% ao ano até o quarto trimestre de 2020, apesar da combinação de crescimento mais baixo e inflação sob controle. Porto vê quatro restrições a um corte dos juros no curto prazo: a atual comunicação do BC, que aponta para uma Selic parada como cenário mais provável; o fato de haver uma nova diretoria na instituição, tentando estabelecer a sua credibilidade; o espaço limitado para baixar a taxa - inferior a 1 ponto percentual, na visão do Citibank; e a elevada indefinição sobre o impacto fiscal da reforma da Previdência. Haveria 30% de chance de corte da Selic na segunda metade do ano, diz Porto, avaliando que os obstáculos relativos à comunicação da política do BC, à credibilidade da diretoria e a incerteza sobre a Previdência podem perder relevância. Jornalista: Sergio Lamucci e Arícia Martins Fonte:Valor Econômico .. Leia mais em portal.newsnet 29/05/2019
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