Uma das preocupações é com manutenção da exigência de registro de protesto em cartório para que um tomador seja considerado inadimplente
Às vésperas de novo um marco regulatório para crédito mercantil no país, investidores estão acelerando a montagem de centrais para registro de títulos de pequenas e médias empresas, segmento que toma cerca de 1 trilhão de reais por ano em financiamento não bancário.
Pelo menos seis dessas plataformas devem entrar em operação neste ano após regulamentações do Banco Central previstas para abril da chamada duplicata eletrônica e para um sistema para registro de recebíveis como garantia para obtenção de empréstimos.
Essa movimentação inclui nomes como a Serasa Experian e a Boa Vista SCPC, especializadas em informações e análise de crédito; um consórcio de bancos médios reunidos em torno da Associação Brasileira de Bancos (ABBC), a B3, além de uma central nacional de cartórios de registros e de um grupo formado por banqueiros e ex-executivos do mercado financeiro, a Cerc.
Essas centrais, que vão todas se conectar em um sistema unificado do BC, devem funcionar num modelo similar ao da Cetip, plataforma de registro de ativos privados da própria B3, na qual são registrados desde títulos de dívida, como debêntures e notas promissórias, até gravames de financiamento de veículos.
Hoje, as duplicatas são registradas em cartório e o credor pode utilizá-las para obter recursos no mercado. Mas como não há um sistema unificado, uma mesma duplicata pode ser registrada em dois cartórios em regiões diferentes no país, por exemplo. Devido a esses e outros problemas, quem oferece antecipar recursos em troca dos recebíveis cobra caro. Com um sistema unificado no BC, esses riscos tenderiam a sumir.
A expectativa de investidores do setor é que isso revolucione o crédito a empresas menores, segmento em que a combinação de ineficiências, fraudes e informalidade tem como consequência a cobrança de taxas de juros elevadas, esmagando os pequenos negócios, um dos setores mais dinâmicos da economia.
"É um modelo que de uma vez ataca riscos jurídico, de fraude e operacional, o que deve reduzir fortemente as taxas de juros para empréstimos a empresas pequenas e médias", disse o Fernando Kalleder, presidente da CRDC, uma central de registros de direitos creditórios que tem a Associação Comercial de São Paulo (ACSP) como controladora.
O BC ainda vai decidir se as centrais poderão também registrar recebíveis como garantia para obter empréstimos. Esse é um mecanismo muito utilizado por comerciantes para antecipar pagamentos de compras feitas com cartões de crédito.
Mas poderá ser também uma opção para pequenos fornecedores de empresas maiores de vários setores da economia, incluindo varejistas e concessionárias de serviços públicos. Não raro, eles se submetem a cláusulas de exclusividade para antecipação de recursos com os braços de factoring de suas próprias clientes. Com o funcionamento das centrais, a expectativa de especialistas é que os pequenos empresários fiquem livres para registrar os recebíveis de clientes mais fortes, que ficarão visíveis para bancos, FDICs, fintechs, entre outros, criando uma competição de ofertas de taxas.
Além disso, espera-se que a novidade abra espaço para o surgimento de um mercado secundário de negociação de títulos de pequenos emissores, a exemplo do que acontece na Cetip, criando uma alternativa de investidores dispostos a correr mais riscos para obter rentabilidades maiores do que as oferecidas pelo CDI.
"Quando estiver funcionando em velocidade de cruzeiro, o novo sistema terá para pequenas empresas um impacto similar ao que teve o crédito consignado para pessoas", diz Fernando Fontes, sócio fundador da Cerc, plataforma criada em 2015 e que já presta serviços de medição de riscos para bancos.
A Cerca tem uma autorização do BC para operar como registradora de títulos desde agosto passado.Várias dessas plataformas já estão prestando serviços de inteligência de mercado, cruzando informações públicas e privadas para municiar credores, incluindo grandes bancos, sobre o risco de potenciais tomadores de crédito.
CARTÓRIOSMas a evolução recente do marco regulatório para crédito a PMEs, ao mesmo tempo em que aguçou as expectativas de que o melhor está finalmente por chegar, tem levantado dúvidas e críticas sobre o projeto de lei da duplicata eletrônica sancionado em dezembro.
Uma das preocupações é com manutenção da exigência de registro de protesto em cartório para que um tomador seja considerado inadimplente.
O projeto original excluía esse item, atendendo a pedidos de entidades do mercado, que alegam que a própria existência de um sistema unificado torna inócuo o protesto em cartório, além de encarecer todo o processo de concessão de crédito.
Para contornar o lobby dos cartórios contra o projeto, o governo federal trabalhou para que o setor não fosse totalmente alijado do processo. Assim, além de manter a exigência de registro dos protestos nos tabelionatos, o texto sancionado também prevê que todos os cartórios devem constituir eles mesmos uma central nacional.
Outro receio de representantes das centrais tem a ver com quem terá acesso à central do BC. Uma abertura mais ampla poderia por exemplo permitir o acesso de empresas com mais capacidade de investimento em tecnologia.
"Dependendo do volume de dados, isso pode exigir investimentos em tecnologia muito elevados, o que pode acabar limitando repassar ao tomador taxas muito menores do que as praticadas hoje", disse o vice-presidente de informações sobre o consumidor da Serasa Experian, Vander Nagata.
Há ainda questões ligadas à proteção de dados, aprovada no ano passado, mas que entra em vigor no começo de 2020. Devido à complexidade desse conjunto de temas, os especialistas acreditam que o BC tende a não regular as centrais de registro de uma vez, mas de forma gradual. Com isso, a atividade no setor só deve ganhar tração a partir do ano que vem. Por Aluisio AlvesSÃO PAULO (Reuters) - Leia mais em dci 16/01/2019
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