26 outubro 2018

Brasileira cria fundos para startups de biotecnologia e blockchain no Vale

A gestora brasileira Bárbara Minuzzi tem dois fundos com 46 milhões de dólares para investir em startups de nicho no Vale do Silício

A vida de um investidor de risco, como o próprio nome diz, não é uma caminhada no parque – e muito menos para Bárbara Minuzzi. A gestora nem sempre teve experiência com startups e com investimentos. Em dez anos, ela foi de vendedora de roupas a cofundadora de dois fundos de investimentos extremamente especializados no maior centro de negócios inovadores do mundo: o Vale do Silício.

Hoje, Minuzzi é sócia do Babel Ventures e do Ausum Ventures, focados respectivamente em startups de biotecnologia e blockchain. Juntos, ambos possuem 46 milhões de dólares captados. Contando os investimentos em startups que Minuzzi fez antes de inaugurar seus próprios fundos, têm 64 milhões de dólares sob sua gestão.

Com menos de dois anos de operação, o retorno tem agradado os investidores – e, daqui para frente, as apostas da empreendedora e investidora brasileira só irão aumentar.

De vendedora de roupas a venture capitalist

Minuzzi começou a empreender cedo, aos 15 anos de idade, vende roupas na escola e depois com uma loja multimarcas. Cursou uma graduação em Moda e se tornou estilista, criando sua própria marca de roupas femininas.

Aos 20 anos de idade, enfrentou seu primeiro desafio: o empreendimento vendia bastante, mas não dava lucro. Minuzzi começou a buscar outras oportunidades e viu um mercado em ascensão no Brasil, ajudado por programas como Minha Casa Minha Vida: o de imóveis. A empreendedora começou a trabalhar com investimentos na área, conciliando a tarefa com sua grife. Seis meses depois da entrada nos imóveis, em maio de 2010, ela encerraria a marca de roupas.

Em 2011, Minuzzi cofundou o fundo de private equity imobiliário Investhaus. Com o passar dos anos, a investidora percebeu oportunidades de estruturar produtos imobiliários aos brasileiros em Miami, nos Estados Unidos. Passava duas semanas lá e duas semanas no Brasil. Até que, em setembro de 2014, mudou-se definitivamente para os EUA.

“Um ano e meio depois, estava financeiramente independente. Era a hora de achar um propósito”, afirma Minuzzi. Em viagens a Nova York e São Francisco durante 2016, encontrou empreendedores “focados em propósito, em execução e muito colaborativos”. “Tinha muito mais a ver com meu perfil e decidi fazer parte desse universo”, conta.

Minuzzi começou a falar com seus clientes, os brasileiros que investiam em imóveis de Miami, sobre aportar em startups. A resistência era grande, então Minuzzi começou no mais seguro: criou um fundo que investia em outros fundos de startups, diluindo os riscos entre diversos profissionais de venture capital, ou capital de risco. Foi a forma que a investidora encontrou de aprender mais sobre como o Vale do Silício, o maior centro dos negócios inovadores no mundo, e as startups funcionavam.

Aos poucos, Minuzzi foi conhecendo os sócios e as empresas dos seus portfólios – como as gigantes Airbnb, Uber e SpaceX. Em janeiro de 2017, ela lançou a primeira captação para cofundar um fundo no Vale do Silício, chamado Babel Ventures.

Seja no mercado imobiliário ou no de investimento de risco, Minuzzi trabalhou ao lado de homens conservadores e com mais idade – ela possui hoje 29 anos. “Sempre foi difícil explicar por que meus investimentos fazem sentido. No Vale é melhor, já que há cerca de 8% de lideranças femininas em venture capital”, estima. “Aqui acho que meu maior desafio é por ser latina – eles acham que não tenho familiaridade com startups. Quando veem que eu realmente cumpro o que prometo, crio raízes e a colaboração aumenta. Melhorou muito nos meus quase dois anos de fundo.”

Biotecnologia e blockchain

A Babel Ventures é focada em startups de estágio inicial, logo após a passagem por acelerações e incubações. Esses investimentos são conhecidos como semente, ou seed, e precedem um aporte Série A e B. A Babel pode também acompanhar esses investimentos futuros em seus negócios, um movimento conhecido como follow on.

Para atrair empreendedores e demonstrar foco, Minuzzi resolveu delimitar seu fundo em apenas uma área: biotecnologia. A cada trimestre a investidora de risco escolhe uma tese ainda mais específica. No trimestre passado e neste, a Babel Ventures focou em proteína limpa; anteriormente, olhou para cannabis e equipamentos médicos.

Escritório da Babel Ventures Escritório da Babel Ventures
Escritório da Babel Ventures (Babel Ventures/Divulgação)
Com nove meses de operação, o fundo investiu em 12 startups. O cheque mínimo nos negócios é de 200 mil dólares e pode chegar a 3 milhões de dólares. Mensalmente, a Babel Ventures recebe de 70 a 200 inscrições de startups e 10% delas vão ao comitê de análise mais profunda do negócio.

Para os investidores, a cota mínima de participação é de 150 mil dólares. Seus clientes são em sua maioria brasileiros, que querem ser expostos ao “melhor em disrupção”, e por isso a opção da empreendedora pelo Vale. “Investir em tecnologia já é arriscado, e muito pior em um mercado desacostumado com empreendedorismo inovador, com ainda é o Brasil. Mas claro que, se vir um ótimo empreendedor brasileiro que bata com minhas teses, irei investir nele.”

A primeira rodada de captação da Babel foi focada nos brasileiros, enquanto a segunda olhou mais para os próprios investidores americanos. “Mesmo com um câmbio mais desfavorável, acho que os brasileiros continuarão investido, porque nosso retorno projetado é alto para o risco mesmo assim”, defende Minuzzi.

Em novembro de 2017, a investidora cofundou a Ausum Ventures, fundo de venture capital focado em blockchain. A Ausum começou a operar em abril deste ano e já investiu em 13 startups do ramo, além de comprar tokens de outras 12 startups.

Juntando os dois fundos, Minuzzi captou 46 milhões de dólares. 26 milhões de dólares estão no fundo de biotecnologia, sendo que mais de 5 milhões de dólares já foram usados para investir nas startups, enquanto 20 milhões de dólares estão no fundo de blockchain, distribuídos em compras de tokens, aportes em startups e reservas para investimentos futuros. Contando os fundos de fundos que a investidora ainda possui, são 64 milhões de dólares investidos.

Para o futuro, Minuzzi espera aplicar 4 a 10 milhões de dólares em biotecnologia e 3 a 4 milhões de dólares em blockchain por ano, nos próximos quatro anos. Caso os tokens se valorizem, também irá vendê-los e migrar as alocações para participações nas startups de blockchain.

A taxa interna de retorno, que mostra o crescimento que as empresas investidas tiveram em valor de mercado e projeta-o para fluxos de caixa futuros, foi de 104% no primeiro ano de operação do fundo de biotecnogia. O fundo de blockchain ainda não fechou um ano de operação e não divulga a mesma taxa ainda.

”Os investidores ficam empolgados com esses números, mas muitas dessas empresas podem quebrar. A taxa pode ir lá para baixo, e temos de ter isso em mente”, alerta Minuzzi. A Babel cobra uma taxa de administração de 2%, enquanto a Ausum cobra, 2,5%. Há também uma taxa de sucesso de 20%, cobrada apenas no momento de realização do fundo (quando a startup é vendida ou faz uma oferta pública inicial de ações, por exemplo).

Entre Babel e Ausum, são 12 funcionários. Nos dois fundos Minuzzi possui parceiros especializados, que trazem acesso a negociações interessantes e conhecimento técnico. Seu diferencial como gestora, afirma, está na capacidade de investir nos fundadores certos.

“Tive muita exposição a negociações e você fica quase um psicólogo. Os melhores venture capitalists que conheço aqui no Vale, novos ou experientes, possuem essa qualidade de ler as pessoas. Não tem um investimento que façamos sem conhecer pessoalmente a equipe por trás da startup”.

A habilidade, diz, foi desenvolvida desde seu tempo como vendedora de roupas. Ser empreendedora, investidora, mulher e brasileira são todas experiências valiosas – e, para investimentos de risco, quanto mais conhecimento melhor. Por Mariana Fonseca  Leia mais em exame 22/10/2018


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