A transação — que transformou muitos sócios da XP em multimilionários no papel — também injetou otimismo e confiança em empreendedores de outras fintechs e pavimentou o caminho para uma leva de novos investimentos nesse nicho.
Mas a percepção por setores do mercado de que a entrada do Itaú no capital da corretora vai agravar um quadro agudo de concentração bancária tem colocado pressão no Banco Central para a adoção de remédios adicionais aqueles já adotados pelo CADE.
Para uma análise desapaixonada do caso — e o que ele de fato representa para a concorrência — é preciso primeiro entender a estrutrura da transação, que se divide em basicamente duas etapas.
Na primeira — já aprovada pelo CADE — o Itaú ficará com 49,9% do capital votante da XP, permitindo a saída completa dos fundos de private equity que investiram na corretora. Esta etapa termina em 2022.
Finalmente, a partir de 2024, Guilherme Benchimol e seus sócios têm a opção de vender todas as suas ações ao Itaú, que aí passaria a ser controlador. Pela lei, o exercício dessa ‘put option' terá que ser notificado ao CADE e BC como se fosse uma nova transação. (Segundo uma pessoa que teve acesso ao contrato, ele prevê que, se o CADE ou o BC vetarem o exercício da put, o Itaú é obrigado a achar outro comprador para dar liquidez aos sócios da XP, colocando o banco na posição desconfortável de entregar um negócio redondo a um concorrente.) E, se esta 'put' não for exercida, o Itaú tem uma 'call option' a partir de 2033: o direito de comprar as ações dos sócios.
O preço pelo qual todas essas fatias adicionais serão vendidas ao Itaú está ligado à geração de caixa da XP, garantindo que — apesar do ceticismo de muitos — a XP continuará tentando roubar clientes dos bancos, incluindo o Itaú, e gerando valor para seu negócio. Qualquer atitude diferente equivaleria a tirar de Benchimol para dar a Setúbal.
Apesar desta lógica econômica, muita gente boa ainda não está convencida. Armínio Fraga deu a senha para os opositores do negócio quando, numa entrevista ao Valor, disse que “seria um erro eliminar a maior ameaça concorrencial [aos bancos] que surgiu em muito tempo”.
De certa forma, a XP é refém de seu próprio sucesso. Num país onde as tarifas e os juros altos fazem a sociedade pedir a cabeça dos bancos, a última coisa que as pessoas querem é ver o maior símbolo de inovação e sucesso do mercado financeiro ser engolido por um dos três grandes bancos privados que restaram. Na cadeira dos réus está não o destino da XP, mas o sentimento da sociedade em relação à chamada concentração bancária.
Mas as causas e consequências da concentração bancária têm pouco ou nada a ver com a XP continuar independente.
Para o economista Marcos Lisboa — casado com a economista-chefe da XP, Zeina Latif — a concentração bancária tem a ver com uma regulação pesada que distorce a atividade bancária. “Metade do crédito no Brasil é direcionado e tabelado. Com isso, o custo de fazer crédito é muito alto, e em vez de ganhar dinheiro com crédito os bancos ganham dinheiro com serviços,” diz. Lisboa defende que a melhor forma de estimular a concorrência é aumentar o acesso à informação do histórico de crédito dos clientes dos bancos.
Um eventual veto do BC não mudaria em nada esta situação, mas poderia ter efeitos adversos justamente sobre aquilo que mais se deseja proteger: o potencial de inovação no mercado financeiro. Desde o ano passado, uma sucessão de atores vem tentando replicar o sucesso chancelado pelo Itaú: a Fosun comprou a Guide, a Advent entrou no capital da Easynvest, e a Globo investiu na Órama.
Hoje, além destas plataformas independentes, bancos como BTG Pactual, Brasil Plural, Modal, Pine, Inter e Agibank — para citar apenas alguns — estão investindo em plataformas abertas, e os próprios Itaú e Bradesco começaram a abrir suas prateleiras a produtos de terceiros.
Antes de aprová-la por 5 votos a 2, o CADE fez suas diligências para avaliar o potencial anticoncorrencial da transação: enviou mais de 100 ofícios a 64 participantes do mercado e partes interessadas, como bancos, outras corretoras e agentes autônomos. A partir destes questionários, o CADE desenhou nove remédios para fortalecer a independência da XP tendo o Itaú como minoritário. Estes remédios foram então submetidos a 11 partes interessadas, 10 das quais se disseram satisfeitas.
Ainda assim, as dúvidas permanecem. Um respeitado economista antitruste (que se opõe à transação) disse ao Brazil Journal que, “se a XP quiser virar banco amanhã, o Itaú poderia barrar isso.”
Na verdade, a XP já obteve do BC autorização para montar um banco. Segundo um porta-voz da corretora, o Banco XP terá dois objetivos principais: emprestar dinheiro para os clientes da XP — por exemplo, adiantando os recursos de um resgate de um fundo D+90 — e permitir que a XP dê garantia firme a clientes corporativos para obter mandatos em IPOs, M&As e emissão de dívida. Ambas as iniciativas devem colocar a XP em mais concorrência com o Itaú.
A pergunta lógica, então, é por que o Itaú faria um investimento sobre o qual terá influência mínima agora e, no melhor cenário, uma chance indeterminada de aprovação no futuro, quando a questão do controle for enfrentada pelo CADE e BC. Não haveria aqui alguma jogada sinistra, um subterfúgio ao contrato, uma forma do banco mandar na XP apesar de todas as garantias e remédios já criados?
A resposta mais provável aqui parece ser que o Itaú fez (apenas) a transação que dava para fazer: um hedge do seu negócio em face à dificuldade — comum à maioria das grandes empresas — de fomentar a inovação dentro de casa, onde os processos, a inércia e a burocracia retardam decisões e inibem a tomada de risco.
Isto não quer dizer que o BC não possa subir ainda mais a parede que protege a XP. O contrato entre a corretora e o banco dá ao Itaú o direito a 23 vetos no relacionamento com sua investida. Como é comum neste tipo de contrato, a maioria dos vetos deve envolver proteções básicas ao investimento do banco, mas é possível que o BC encontre alguma gordura.
Como parte do acordo para a aprovação do negócio, a XP se comprometeu a não exigir exclusividade no relacionamento com seus agentes autônomos; não criar incentivos ou condições para que esta exclusividade exista de fato; não exigir de seus agentes tempo mínimo de permanência na casa; não exigir exclusividade na distribuição de qualquer produto financeiro; e oferecer condições de isonomia a emissores bancários e gestores com quem mantiver relação comercial, entre outras provisões.
Já o Itaú se comprometeu a distribuir seus produtos “por plataformas abertas concorrentes às da XP de forma não discriminatória”, e a não direcionar seus clientes para as plataformas da XP, “seja por meio de recomendação oficial ou institucional, por campanha publicitária ou qualquer meio de comunicação”.
Os termos do acordo parecem garantir que a 'Chinese wall' entre investidor e investida — que costuma ser porosa no mercado financeiro — existirá de fato neste caso, jogando um eventual veto de Brasília para 2024, quando os sócios podem decidir vender tudo e ser aposentar aos 40 e poucos anos.
Mas, daqui a seis anos, talvez a força hegemônica do sistema financeiro não seja mais os grandes bancos de hoje, e sim o Alipay, o Wechat Pay, o Apple Pay… who knows?
A concorrência e a inovação vieram para ficar e, felizmente, o nome delas não é só XP. Geraldo Samor Leia mais em braziljournal 234/04/2018
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