Compras de firmas de internet lideram ranking de aquisições
Empresas tradicionais de diferentes setores buscam um atalho para se conectar com os novos tempos e conhecer melhor os clientes: a compra de companhias especializadas no mundo digital. O movimento tem se mostrado tão intenso que transações envolvendo companhias de internet lideraram o ranking de aquisições em 2017, diz a consultoria KPMG. E a tendência é que os números continuem em alta e influenciem a criação de novos serviços.
Na última sexta-feira, a L’Oréal, gigante francesa do segmento de cosméticos, anunciou que vai comprar a empresa canadense de tecnologia de beleza ModiFace, num esforço para desenvolver mais serviços digitais, como provas virtuais de maquiagem.
Para Viktor Andrade, sócio líder da consultoria EY (ex-Ernst & Young), há uma percepção geral no mercado de que quem não investir no mundo digital ficará de fora do futuro. Ele cita o caso do setor farmacêutico, com os fabricantes se aventurando em aplicativos de saúde. Recentemente, a Roche anunciou a compra do mySugr, sistema de gerenciamento de diabetes, no qual o usuário controla o nível de açúcar no sangue.
— É preciso tecnologia para estar conectado ao público. Isso é essencial para conseguir sobreviver. Como as empresas tradicionais não têm capacidade de inovação, uma forma é adquirir companhias que já têm essa solução, pulando, assim, etapas de pesquisas e ganhando tempo no mercado, cada vez mais competitivo. Inovar é caro — comenta Andrade.
DE PNEU DE CARRO A CELULAR
Do mundo virtual para o físico e vice-versa. É essa conexão que levou a Multiplan, dona do BarraShopping e de outros 18 empreendimentos Brasil afora, a comprar uma participação de 20% na Fulllab, empresa que desenvolve soluções para e-commerce com sede no Rio. A conversa entre as duas companhias começou há alguns meses, quando a empresa de shoppings contratou a de internet para criar uma solução unindo a experiência digital ao varejo físico. A Multiplan ainda tem opção de adquirir mais 10% das ações.
Segundo Pedro Vasconcelos, cofundador da Fulllab, as empresas tradicionais procuram companhias de tecnologia como forma de complementar o negócio. A busca é por informação sobre os hábitos dos consumidores. A Fulllab tem uma base com dados de 85 milhões de usuários únicos em mais de 400 sites de varejo e 40 aplicativos de compras.
— Sabemos o que esse consumidor compra na internet. Agora, com essa associação com a Multiplan, a ideia é levar essa experiência digital para o mundo real. Ao mesmo tempo, vamos adquirir a experiência que eles têm no mundo off-line. É o vendedor da loja física saber o que quer o cliente, que é o mesmo da internet. Hoje, é mais fácil entender o consumidor com base na sua vida digital — destacou Vasconcelos.
Daniel Peres Chor, gerente de Inovações Digitais da Multiplan, lembra que o investimento em tecnologia visa a melhorar a experiência do consumidor, a prestação de serviço para os lojistas e a gestão corporativa dos ativos:
— Em última análise, desejamos levar para dentro da casa dos consumidores toda a gama de varejo existente no nosso shopping. Empresas referências em seus setores, como a Amazon, estão caminhando para o mundo físico, enquanto nomes como o Walmart investiram nas vendas pela internet, fizeram a indústria entender que o consumo não seria mais uma batalha entre on e off, mas haveria uma complementariedade de um pelo outro.
A indústria também vem mirando o setor digital. A fabricante de pneus Michelin, que pagou € 530 milhões por uma empresa de geolocalização de veículos, já estuda a criação de serviços atrelados à venda de pneus. Para Nour Bouhasson, presidente da companhia para a América do Sul, o movimento é essencial para aumentar o volume de negócios.
— A Sascar, empresa que adquirimos, tem softwares que fazem relatórios mensurando o volume das cargas e o tempo consumido no transporte. É uma base de dados importante, que pode, inclusive, ajudar a criar novos pneus — adiantou Bouhasson.
IMPACTO DE ALGORITMOS
Depois de verificar aumento nas vendas de seus produtos pela internet, a Samsung vem direcionando seus esforços para o investimento em plataformas digitais. No ano passado, 14% dos smartphones da companhia foram vendidos por canais on-line, patamar que deve ultrapassar os 20% até o fim de 2018.
— Como essa área está avançando, vamos procurar parceiros no mercado. É preciso ter uma plataforma robusta para suportar o aumento nas transações — comenta Daniel Couri, diretor de Vendas e E-commerce da Samsung.
Entre as iniciativas feitas ao longo deste ano, Couri cita a parceria com a Google, que resultou na criação de um sistema que permite alterar a campanha publicitária em tempo real de acordo com o que o usuário busca:
— Se a campanha publicitária não está indo bem, com base numa lista de palavras-chave, mudamos o marketing para melhorar o resultado de forma a atrair a atenção do usuário. Essa plataforma é operada pela Samsung. Queremos deixar de ser um fabricante de hardware e ser uma plataforma.
No caso da Roche, a compra da plataforma mySugr visava aos recursos avançados de compartilhamento de dados. De acordo com Talyta Santos, consultora de Comunicação da Roche, por meio de uma integração de tecnologias, o laboratório simplifica as formas de monitorar e controlar a saúde do paciente:
— Com a aquisição, seremos capazes de oferecer soluções acessíveis aos pacientes, dentro de uma plataforma aberta, respondendo de forma personalizada às necessidades de pessoas com diabetes.
Segundo especialistas, geralmente as transações têm valores abaixo de R$ 10 milhões por envolver companhias de médio porte. A Kroton, maior grupo educacional do Brasil, também deu início à sua transformação digital. Ela comprou, por R$ 4,1 milhões, a Studiare, especializada em softwares para educação que usam algoritmos para capturar as deficiências dos alunos com base em seu tráfego pela internet e nos resultados de simulados, que são comparados com os testes de outros estudantes. Hoje, o seu fundador, Felipe Amaral de Mattos, tornou-se diretor de Analytics e Inovação da Kroton. Segundo ele, foi graças a essa aquisição que a empresa passou a ter o elemento digital como chave em sua estratégia:
— A solução criada pela Studiare foi aplicada a todo grupo. Isso vai gerar receita para a companhia com base na criação de serviços. Nossa busca é por serviços inovadores.
Assim, as iniciativas envolvem os mais variados setores. A Duratex, que vende painéis de madeira e louças, pagou R$ 6,2 milhões por uma participação na empresa on-line de decoração e design Viva Decora. No setor de turismo, a CVC, que movimenta mais de R$ 10 bilhões em reservas de viagens, também foi às compras. Um dos principais negócios foi a aquisição do Submarino.
— A busca pelo digital é inevitável. E isso já está acontecendo. Todos esse movimento vem ganhando força com as novas tendências do setor, como a inteligência artificial, a internet das coisas e o uso de algoritmos. Isso tudo vai agregar valor e terá forte impacto nos negócios — afirmou Piero Paolo Minardi, vice-presidente da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital. POR AGÊNCIA O GLOBO Leia mais em epocanegocios 18/03/2018
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