23 fevereiro 2018

Jardim Botânico enfrenta os temas espinhosos (e as ervas daninhas)

Na hora de investir, sintonizados com Larry Fink

Quando as ações da Petrobras implodiram no Governo Dilma, os fundos da Jardim Botânico Investimentos saíram ilesos. Quando o grupo EBX entrou em colapso, a mesma coisa. E quando a JBS se viu no centro dos eventos que abalaram a República, a JBI assistiu de camarote.

No País da Lava Jato e de uma série de abusos contra minoritários, a JBI é uma das poucas gestoras que só compra empresas que passam por um filtro de governança rígido — e implementa este princípio a ferro e fogo.

Fundada há 15 anos pelo ex-presidente da CVM José Luiz Osório e hoje com R$ 350 milhões de patrimônio, a gestora tem um funil de governança que analisa o alinhamento entre controladores e minoritários e faz um escrutínio detalhado de itens como remuneração dos executivos e transações entre partes relacionadas, num trabalho que vai muito além da checklist estabelecida pelos níveis de governança da B3.

Agora, a Jardim Botânico está começando a adotar também critérios sociais e ambientais seguindo a cartilha ESG — sigla para 'environmental, social and governance' — o que a coloca na vanguarda de um movimento que começa a ganhar corpo entre investidores europeus e endowments americanos.

No mês passado, o CEO da BlackRock enviou uma carta pública aos CEOs de empresas listadas. Daqui em diante, disse Larry Fink, a maior gestora do mundo estará mais atenta ao impacto que suas empresas investidas têm sobre o mundo. “A sociedade exige que empresas, tanto públicas quanto privadas, atendam a um propósito social,” escreveu.

Fink disse que o fracasso dos governos em preparar as pessoas para o futuro — em assuntos que vão da previdência social à infraestrutura, da automação à reciclagem profissional — está levando a sociedade a buscar respostas e soluções junto ao setor privado.

“Para prosperar, cada companhia terá que entregar não apenas performance financeira, mas também mostrar como faz uma contribuição positiva para a sociedade. As empresas têm que beneficiar todos os seus stakeholders, incluindo acionistas, funcionários, clientes e as comunidades onde operam.”

A JBI é signatária do Principles for Responsible Investment (PRI) — a cartilha para investimentos responsáveis da ONU — e investe recursos da gestora francesa Sycomore no Brasil. Cerca de 85% de seus investidores são internacionais.

O Brazil Journal conversou com Osório e seu sócio, Eduardo Rezende.

Os critérios sociais e ambientais estão ganhando força mesmo, ou se trata de uma moda?

Osório: Não achamos que seja um modismo. Na Europa, é praticamente uma exigência que os fundos tenham essa preocupação na sua filosofia. Os endowments estão ficando com essa preocupação também. Nesses critérios de ESG, uma de nossas funções é, quando um analista ou sócio sentar com o investidor, fazer perguntas sobre isso.

Como vai funcionar o filtro pelos critérios ESG?

Osório: Estamos na fase de final de elaboração do modelo: serão seis itens para avaliar critérios de sustentabilidade ambiental e quatro para questões sociais. As respostas a esses itens vão gerar um ranking. Empresas com avaliação pior que a média terão um limite máximo de percentual de alocação, ou poderão ser eliminadas do universo de potenciais investidas.


Mas se a empresa não atender a todos os critérios, vocês não vão comprar a ação?

Rezende: O filtro de governança é o único que a gente usa como filtro negativo. Nos outros dois [ambiental e social], o que vai acontecer é que, a não ser que seja uma coisa muito radical, a gente vai ponderar. Imagine um caso em que o Ministério do Trabalho puniu a empresa. Vamos ver o que de fato aconteceu: se foi alguma coisa muito grave, uma coisa recorrente. Se foi um caso pontual e o cara já corrigiu, tudo bem. Mas se for recorrente, o cara vai ser eliminado.

Qual o papel dos investidores em exigir ética das empresas?

Rezende: Os investidores são os grandes mobilizadores de capital do mundo. Não são os bancos, com seus critérios de crédito. Os investidores institucionais, os fundos de investimento, eles também têm responsabilidade de como o capital vai ser alocado e como isso vai ser alocado em prol ou em prejuízo da sociedade. Se você investe numa empresa que polui, você não pode dizer depois que é a favor do meio ambiente.

Diversas empresas com problemas claros de governança, como a JBS e a Petrobras, tiveram um bom desempenho recentemente. Não é complicado mantê-las fora da carteira?

Osório: É uma questão de princípio, mas governança vem de uma história de preservação de capital também. Não adianta você colocar dinheiro numa empresa arriscada para ganhar muito mais. Você evita uma perda de capital. Por exemplo, a OGX hoje vale zero. Esses filtros que a JBI usou foram importantes para evitar problemas com empresas que se tornaram 'cases', como a JBS. Nunca teve JBS na carteira da JBI, o escândalo da Petrobras passou incólume, a mesma coisa para a Eletrobras.

O pessoal fala, volta e meia, que Petrobras está barata, negociando com desconto. Não importa. A gente não quer entrar numa empresa que, mudando as pessoas, pode mudar a forma como vão tocar a empresa daqui para a frente. O Pedro Parente e todo o conselho da Petrobras estão fazendo um trabalho excepcional, mas ele não determina toda uma cultura empresarial, o poder dele vai até um certo limite.

Há quem diga que é melhor entrar numa empresa com problemas e ajudar a melhorá-la do que ficar de fora. O que vocês acham?

Rezende: Isso é verdade para um contexto americano e europeu, onde você tem uma posição que faz a diferença, numa corporation. Se você quer de fato mudar por dentro, tem que ter poder econômico para dizer o seguinte: 'se você não quiser mudar, eu vou juntar um grupo e vou tirar você'. No Brasil, é muito difícil. E mesmo numa corporation, o management às vezes é muito forte -- e isso é uma questão de governança mais importante até, porque o management não tem um stake tão grande mas manda muito mais que os outros, domina o conselho.

Até que ponto vocês de baseiam nos níveis de governança da B3? Uma companhia estar no Novo Mercado é, de fato, sinal de boa governança?

Osório: Tem empresas que podem estar no Novo Mercado e que a gente não gosta, que têm questões societárias. E empresas que estão no nível tradicional e que a gente investe porque gosta. OGX, por exemplo, era Novo Mercado e todas as X. E acabou tendo um problema de governança seríssimo.

Rezende: É difícil para a B3 e o Novo Mercado exigir demais, senão você barra as empresas. Aí é um trabalho nosso. A questão da remuneração, por exemplo. Não é a Bolsa que tem que mexer. Somos nós que temos que exigir. Ver se faz sentido o percentual de variável, de fixo. O que eles têm que exigir é transparência, é a primeira coisa. Equidade é uma coisa que tem que ter, mas equidade cada um tem a sua. O que é justo para um não é justo para outro. Aí o gestor tem que ser responsável, avaliar, que é o nosso trabalho ex ante.

Como o histórico brasileiro é muito ruim, tivemos que ter um período mais restrito, menos flexível, com a criação do Novo Mercado, para criar essa ideia de governança. Mas daqui a pouco vai começar a ceder um pouco. No fim do dia, eu posso chegar e falar: eu quero que o David Neeleman tenha mais ações que eu, quero que ele toque esse negócio aí porque eu não sei tocar não. Eu aceito receber um tag along mais baixo e um dividendo mais alto. A escolha é minha como investidor. Lá fora é isso, é aberto, um contrato entre duas partes.

Quais são os pontos mais sensíveis quando falamos em governança?

Rezende: Partes relacionadas em geral, remuneração. Quando a gente olha uma empresa, o que é comum? Uma remuneração fixa do conselho, independentemente se o EBITDA subiu ou caiu 50%. Isso é justo? Por que o conselho também não sofre com a má performance da empresa? Tem também a questão dos conselheiros independentes. Como você determina quem é o conselheiro independente? Pra mim, o cara que já está lá há 10 anos não é independente mais. Tem que analisar e conhecer cada empresa muito de perto.

Como está o portfólio de vocês hoje?

Rezende: Nossa principal posição é Itaúsa, por causa do Itaú. A gente acha que o ROI deles ainda é muito alto. Eles estão ganhando ainda mais mercado, acho que o crédito volta a subir razoavelmente neste ano. Temos Pão de Açúcar, que sofreu por um bom tempo, mas estão aí, recuperando mercado. Acho que eles fizeram uma reestruturação correta. E a gente tem um pouco de Via Varejo. Somando os dois é a nossa segunda maior posição. BRF é a terceira, caiu muito mas aproveitamos para comprar, porque o ciclo está voltando. As pessoas estão olhando com pessimismo, mas todos os fundamentos estão lá.

Aí temos alguns outros nomes menores, como Hermes Pardini. A gente tinha Fleury, mas vendemos e compramos Pardini com desconto. Acho que tem mais crescimento e é uma ótima empresa num setor que cresce. A gente tem ainda Marcopolo na carteira; Tegma que subiu bastante e a gente mantém. Compramos Fibria no ano passado quando vimos que acabou a construção de Horizonte II no momento em que o mercado começou a subir. E a gente acha que pode ter uma fusão. Houve um movimento bem explícito de namoro entre Suzano e Fibria. [Nesta semana, as duas empresas confirmaram que estão em negociações] Geraldo Samor e Natalia Viri Leia mais em braziljournal 23/02/2018


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