14 novembro 2017

Em M&As familiares, conflitos entre herdeiros são comuns e podem inviabilizar operações

É fundamental que cada empresa encontre uma forma de conciliar questões profissionais e pessoais

Os embates enfraquecem tanto a família quanto o vendedor na mesa de negociações

Operações de fusões e aquisições que envolvem empresas familiares são delicadas e contêm uma alta carga emocional. Nesses deals, os advogados costumam se preocupar com as relações entre a empresa-alvo e os membros da família, e buscam conciliar os interesses de cada lado. Questões relacionadas a inventários, casamentos, uniões e herdeiros menores de idade exigem grande atenção.

Segundo Carlos Lima, sócio da área empresarial do Pinheiro Neto Advogados, não é raro estruturar uma operação como uma staged acquisition, na qual o comprador adquire inicialmente uma determinada participação, minoritária ou controladora, que pode ser aumentada depois através de uma opção de compra. Em alguns casos, integrantes da família permanecem à frente do negócio ou compartilham a administração da empresa com o comprador até a aquisição de 100%.

Ricardo Madrona, sócio da área de M&A e planejamento sucessório do Madrona Advogados, recorda de uma operação na qual quatro irmãos herdaram uma companhia aberta, que ficou em uma situação difícil financeiramente, com briga de poder interno para capitanear o processo de M&A. Os irmãos tentaram vender a empresa para um fundo de investimento, mas face às brigas internas, só conseguiram fechar negócio com outro fundo, quando a empresa estava em uma situação ainda pior.

Outro cenário frequente são as aquisições com o pagamento de um earn-out. “Em transações desse tipo, não é incomum que membros da família permaneçam, de algum modo, vinculados ao negócio para segurança de que a empresa será administrada de modo a ser atingida a performance pretendida”, justifica Carlos Lima.

Atualmente, as questões de compliance também são fundamentais para os compradores. O advogado destaca que representações amplas, com obrigação de indenização ilimitada para questões de corrupção, tornaram-se padrão no mercado. Além disso, os contratos de consultoria, de fornecimento e distribuição, entre outros, são submetidos a uma análise cuidadosa com os auditores independentes e outros especialistas que participam da operação.

Uma das importações mais recentes e inovadoras em operações envolvendo empresas familiares é a cláusula de hell or high water para fins antitruste, em que o comprador assume todos os riscos decorrentes da aprovação ou não do negócio pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Empresa familiar é tudo igual, só muda de endereço corporativo  

Geralmente, as empresas têm um fundador que ergue o negócio e faz o empreendimento crescer. À medida que ele transfere o controle para as mãos das novas gerações, surgem conflitos, problemas de gestão e divergências entre os membros da família, como o fato de os herdeiros não terem as mesmas aptidões que seus fundadores e gestores.

O sócio do Pinheiro Neto explica que, com o decorrer dos anos, ou a empresa passa a adotar um modelo de gestão profissional, em que a família avança para o nível do conselho de administração e deixa de cuidar do dia a dia do negócio, ou acaba sendo vendida para um terceiro. Não é à toa que problemas de governança como esse tiram o sono das corporações, como aponta a pesquisa “Retratos de Família: um panorama do histórico e perspectivas das empresas familiares brasileiras”, realizada pela KPMG entre novembro de 2016 e janeiro deste ano.

O estudo identificou cinco questões de governança que são prioritárias para as organizações familiares: separação entre os interesses da família e os do negócio, preparação e treinamento do sucessor antes do efetivo início na função, governança estruturada, conhecimento financeiro entre os membros da família e comunicação entre as gerações.

De acordo com Marco Serra, sócio fundador da Pulsar Invest, assessoria que atua na preparação e execução de transações de M&As familiares, o importante é preparar um plano estratégico, para ter uma visão mais clara e de longo prazo da empresa. As faltas de controle financeiro e estratégico devem ser superadas durante a transação.

“As companhias costumam povoar os cargos principais com membros da própria família. Às vezes, isso é um problema, porque eles não têm competência para ocupar posições seniores. Quando a empresa for vendida, a família não vai estar mais lá, então quem tem que dar continuidade à gestão da empresa são profissionais que permanecerão após a venda”, argumenta.

Por vezes, os problemas pessoais vão além da falta de capacidade de gestão. O sócio do Madrona Advogados lidou com um caso, em que três irmãos decidiram vender a empresa para um investidor estrangeiro. “O terceiro irmão bebia e não ia trabalhar. Fiz dois M&As ao mesmo tempo: comprei 100% desse irmão e, ao mesmo tempo, preparei a venda da empresa para o investidor estrangeiro. Foi muito sensível essa operação. O pai tinha tirado uma vez esse irmão do negócio, e ele tinha uma sensação de que não pertencia à família e à empresa”, conta Ricardo Madrona.

Dos entrevistados consultados pela KPMG, que ou eram membros da família proprietária da empresa (48%) ou da diretoria executiva (21%), mais de 90% disseram que possuíam membros da família ocupando cargos internos em seus negócios, e 55% informaram que tinham até três parentes trabalhando na organização.

Gap estratégico

A dificuldade de fazer a conexão entre a atual situação da empresa familiar e a visão de longo prazo de seus líderes, identificada como “gap estratégico” pela 8ª edição da pesquisa sobre empresas familiares da PwC de 2016, gera riscos significativos, principalmente em cenários atuais associados às transformações digitais.

Enfrentar a gestão atual é um desafio maior no caso das empresas familiares, já que significa encarar a própria família. Portanto, é fundamental que cada empresa encontre uma forma de conciliar as questões profissionais e pessoais, e resolva o gap estratégico o mais cedo possível, contratando, por exemplo, CEOs externos para liderar as operações.

Por outro lado, as famílias podem não querer abrir mão do controle, e os CEOs externos correm o risco de terem suas recomendações e decisões ignoradas pela família. O estudo aponta um número elevado de CEOs excluídos de decisões estratégicas, o que demonstra que essas companhias continuam investindo na própria família. Segundo eles, as empresas tomam decisões “ao redor da mesa de jantar” e utilizam os serviços desses profissionais apenas para mediar não oficialmente as diferentes partes do grupo familiar.

Uma das possíveis soluções seria ter processos melhores e uma divisão mais clara de papéis e responsabilidades para a alta administração planejar estrategicamente seus planos. Segundo o feedback da pesquisa, muitas empresas têm um longo caminho a percorrer para entender o valor e o papel de um CEO externo para dar a ele liberdade para trabalhar corretamente. Caso contrário, eles podem desistir da empreitada, e o negócio perde valor.

Há vários tipos de conflitos de interesses entre os fundadores e seus herdeiros, mas o mais comum é entre os herdeiros. Na opinião de Carlos Lima, os embates enfraquecem tanto a família quanto o vendedor na mesa de negociações, porque permitem com que potenciais interessados manipulem alguns herdeiros contra os outros. “Há sempre um clima de desconfiança no ar, e algum herdeiro pode achar que está sendo passado para trás. Se começa um litígio, e a operação passa a ser judicializada, o ativo perde completamente a liquidez e todo mundo perde”, alerta.

O sócio do Pinheiro Neto afirma que muitos M&As são desfeitos antes da assinatura do contrato, porque algumas brigas tornam-se públicas e chegam aos jornais ou aos tribunais. Quando os conflitos estão muito acirrados, os advogados recorrem à uma negociação com cada acionista, exatamente para evitar que o risco de o embate entre seus membros transpareça na frente do comprador e inviabilize a transação. Por Paula Dume Leia mais em lexisnexis 13/11/2017

Nenhum comentário:

Postar um comentário