22 novembro 2017

A alma imoral das “start ups”

O rabino Nilton Bonder, em seu livro “A Alma Imoral”, mostra que o ser humano luta constantemente entre duas forças antagônicas: a tradição e a traição.
A primeira leva o homem a privilegiar a rotina, o antigo.
É seu instinto de preservação.
Ao mesmo tempo sua alma é tentada a romper com o passado, buscando o aprimoramento, a evolução.
As “start ups” representam essa faceta revolucionária, traidora. Contudo, o desafio para entendê-las é enorme.

Participei na segunda semana de novembro do 1°Encontro de Valoração de Start ups, realizado pela Universidade de Viçosa e que reuniu consultorias de avaliação, financiadores como a Finep, gestores de fundos e escritórios de advocacia especializados no segmento.

O primeiro desafio é como conceituar uma “start up”? Raphael Mielle da Kick Ventures cita algumas características necessárias para chamar a atenção dos investidores:
i) resolver um problema significativo,
ii) ter resultados recorrentes,
iii) ser escalável,
iv) ser rentável e
v) causar impacto social.
O Uber, uma antiga “start up”, preencheu esses atributos. O aplicativo resolveu um problema significativo: a locomoção das pessoas. Possui uma receita recorrente derivada da taxa cobrada sobre as viagens. Consegue crescer com um investimento marginal pequeno. É rentável, pois suas receitas crescem a um ritmo superior às despesas. E, por fim, causou impacto. Basta ver a disputa na Câmara e no Senado sobre a regulamentação do serviço.

Uma dica dada por Mielle é a de que a empresa nascente deve, em primeiro lugar, buscar ser a melhor do seu bairro, superando a concorrência local. A isso ele chamou de “pequeno monopólio”. Após atingir essa meta, a companhia está apta a se expandir geograficamente. Isso vale tanto para uma pizzaria como para o Facebook. Em seus primórdios, a rede social (chamada na época de Facemash) punha os estudantes de Harvard em dupla na tela para que se escolhesse qual dos dois seria o mais atraente. Esse inocente jogo gerou uma elevada audiência logo nas primeiras horas, indicando que a aceitação do site pelos estudantes de Harvard poderia alçá-lo a voos maiores.

Mas é no “valuation” que a polêmica aflora. Empresas maduras podem ser avaliadas de algumas maneiras, destacando-se a análise por múltiplos e por fluxo de caixa descontado. Mas como utilizar múltiplos para “start ups” ainda sem resultados positivos (ou se positivos, imateriais) e cujo patrimônio é pequeno. Uma alternativa é utilizar o método “venture capital” desenvolvido por William Sahlman, professor da Harvard Business School. Por ele, estima-se o lucro do ano em que o investidor deseja sair da companhia. Depois se traz esse montante a valor presente descontado a uma taxa bem elevada em decorrência do risco do negócio. Por fim, multiplica-o pelo múltiplo atual da indústria na qual a companhia está inserida.

No papel, o cálculo é irretocável. Mas quem garante que a empresa vingará? Mesmo usando uma taxa de desconto elevada de 30% ou mais, o risco ainda permanece ali.

Por isso, a Finep, empresa pública de fomento à ciência, tecnologia e inovação desistiu de avaliar empresas nascentes em um primeiro momento. O valor aportado inicial representa apenas uma opção de compra (call). O percentual que a Finep terá no negócio somente será definido “a posteriori”, quando a empresa possuir porte suficiente para se submeter a um “valuation” tradicional. O valor justo alcançado é então deflacionado por IPCA + 10% ao ano pelo tempo decorrido desde o aporte inicial. O dinheiro investido então é comparado ao valor deflacionado, chegando-se finalmente a participação da Finep na companhia.

Outro aspecto que influencia a avaliação é o grau da informalidade dessas companhias. O advogado Fábio Cendão citou alguns erros cometidos pelos empresários:
(i) enquadramento do produto em uma categoria diversa da que deveria para fins tributários,
(ii) empregados informais,
(iii) confusão entre bens dos sócios e da sociedade,
(iv) uso indevido de dados dos concorrentes,
(v) práticas abusivas contra os consumidores e outros.
Essas contingências podem reduzir o valor da empresa e até mesmo inviabilizar a negociação de venda ou incorporação a outra empresa.

Contudo, uma das grandes questões na avaliação de “start ups”, em especial as de tecnologia, reside em como quantificar o capital intelectual. As medidas tradicionais de “valuation” passam ao largo dessa questão. Tratei desse tema no artigo “Contratar o Einstein é custo ou investimento?”, de março de 2015.

Empresas tradicionais e “start ups” devem coexistir, influenciando-se mutuamente e transformando-se continuamente. As “start ups” são fundamentais para a inovação e o incremento da produtividade. Sem elas, a economia estagnará. Concluiremos enfim que a tradição sem a traição significa a morte.  por Andre Rocha Leia mais em estrategista 21/11/2017

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