O Senado aprovou, em segundo turno, a emenda constitucional que limita o crescimento dos gastos do governo por 20 anos. Economistas veem a medida como importante para equilibrar as contas públicas, mas destacam que, agora, será preciso aprovar a reforma da Previdência para evitar que os gastos com aposentadoria continuem crescendo e, assim, comprimam ainda mais outras despesas.
Embora vista como positiva para garantir o equilíbrio das contas públicas, a aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC) 55, que estabelece um teto para os gastos públicos só terá efeito se atrelada à reforma da Previdência. Na avaliação de economistas, também será necessário um remanejamento extenso do Orçamento que consiga, de um lado, cumprir as novas regras (crescimento das despesas limitado à inflação) e, do outro, atender a necessidades em áreas como saúde, educação e investimento em infraestrutura.
Principal medida econômica do governo de Michel Temer, a PEC foi aprovada em segundo turno ontem pelo Senado, com placar abaixo do esperado — 53 votos a 16, apenas quatro além do necessário. No primeiro turno, haviam sido 61 votos a favor. A medida já havia passado pela Câmara e será promulgada em sessão do Congresso marcada para amanhã. O texto determina que os gastos públicos só poderão crescer o equivalente à inflação do ano anterior por um prazo de 20 anos.
A sessão foi marcada por bate-boca entre parlamentares da base e da oposição, que apresentou várias emendas para tentar mudar o texto. Para conseguir acelerar a votação, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), aplicou um verdadeiro “rolo compressor” e bloqueou as tentativas de obstrução da oposição. A sessão começou às 10h44m, e o texto principal da matéria foi aprovado às 13h32m. Mesmo assim, o clima foi tenso em alguns momentos, com a oposição acusando Renan de “rasgar a Constituição” para aprovar a PEC.
‘SEM AS MEDIDAS DE AJUSTE, SERIA PIOR’
O Palácio do Planalto comemorou o resultado, mas especialistas alertam que a PEC é só uma parte do ajuste fiscal. Isso porque ela não dá conta de controlar gastos que têm regras específicas, sendo as despesas com a Previdência as mais preocupantes. Pela regra, uma alta em determinado gasto deverá ser compensada por cortes em outras áreas. O risco, portanto, é que o Orçamento seja monopolizado pelas despesas previdenciárias.
— A primeira coisa é ter uma reforma dura o suficiente para evitar que as despesas com Previdência continuem crescendo 4% ao ano. Se continuar, os outros gastos vão ter que diminuir. Ao longo de 20 anos, não vai sobrar nada para saúde, segurança, políticas sociais... — resume José Márcio Camargo, professor da PUC-Rio e economista da Opus Gestão de Recursos.
Essa disputa orçamentária impactará em cheio o investimento público. Na avaliação de Claudio Frischtak, presidente da consultoria Inter.B, o governo só irá recuperar espaço para investir no segundo semestre do ano que vem, mas, ainda assim, condicionado à aprovação da reforma da Previdência no primeiro semestre, algo cada vez mais difícil devido ao ambiente político.
— Ainda assim, é pequeno, porque a expansão fiscal com os gastos obrigatórios vai durar ao menos até 2017. Só em 2018 devemos começar a ter uma restrição orçamentária mais dura nesses gastos — avaliou.
Contudo, Frischtak considera positiva a aprovação da PEC, principalmente pelo efeito sobre as expectativas:
— Os investimentos públicos, em especial em infraestrutura, são pequenos, porque os gastos correntes e as transferências são muito grandes. A maior parte do investimento é privado, e os empresários precisam acreditar que o país tem um rumo. Por isso, a trajetória fiscal é importante.
Julio Mereb, pesquisador do Ibre/FGV, ressalta que, mesmo que as medidas de ajuste sejam aprovadas, a recuperação será gradual:
— O investimento caiu muito no terceiro trimestre deste ano, e a base fica muito baixa para 2017. Com a aprovação das medidas de ajuste, cria-se um ambiente de investimento mais favorável. Para este ano, nossa projeção é de uma queda de 10,4% do investimento e, para 2017, ainda projetamos uma queda de 0,15%. Embora fraco, já é menos ruim. Sem as medidas de ajuste fiscal, seria pior.
Alexandre Chaia, professor do MBA executivo do Insper, diz que, para a PEC do teto dos gastos funcionar, será necessário fazer a reforma da Previdência. Ele avalia que a reforma trará credibilidade à PEC 55, numa sequência de expectativas positivas, que estimulam o investimento e fazem o PIB voltar a crescer:
— A PEC 55 mostra que o governo terá de ser comedido em seus gastos e parcimonioso sobre onde colocar o dinheiro. Terá de gerar uma melhor estrutura do gasto. Com a aprovação da reforma da Previdência, o governo ganha mais credibilidade, atrai o investimento e reativa o crescimento do PIB. Sem a reforma, a PEC 55 não funciona e torna-se inviável.
A melhora das expectativas tem até potencial para reduzir os juros e, assim, o montante que o país paga mensalmente sobre a dívida, observa Fabio Klein, economista da Tendências Consultoria. Em julho, a dívida pública bruta chegou a 73,7% do PIB, segundo o Banco Central (BC). Esse percentual pode chegar a 80% já no ano que vem, apontam projeções do mercado.
— Mesmo que a conta previdenciária só se equilibre daqui a 20 anos, os efeitos positivos já começam a aparecer nos preços dos ativos — afirmou Klein.
‘VAI SER UMA GUERRA DE FOICE’
Para o presidente do BC, Ilan Goldfajn, a aprovação da PEC é um passo fundamental para o país ter “juros estruturais menores”. Durante seminário na sede da FecomercioSP, ele chegou a pedir à plateia aplausos para a aprovação da medida.
— A crise fiscal precisa ser resolvida como condição necessária, e a PEC do teto vai na raiz do problema — disse Ilan. — Parece que agora há espaço para uma queda dos juros mais sustentável que no passado. Todos nós queremos juros mais baixos. Esse também é um desejo do BC.
Ilan reconheceu, porém, que o país está “vivendo mais incertezas do que gostaríamos no campo político”.
A PEC determina que o novo regime fiscal terá duração de 20 anos. A partir do décimo ano, no entanto, o presidente da República poderá rever os critérios uma vez a cada mandato presidencial. Cada um dos três poderes e seus órgãos terá limites específicos para despesas. O Executivo poderá compensar excessos de gastos dos demais Poderes em até 0,25% do seu limite, nos três primeiros anos de vigência das novas regras.
Segundo estimativas da consultoria de Orçamento, o teto do Executivo para 2017 ficaria em R$ 1,232 trilhão; o do Judiciário, em R$ 39,7 bilhões; o do Legislativo, em R$ 11,5 bilhões, sendo R$ 5,6 bilhões para a Câmara e R$ 4 bilhões para o Senado; o do Tribunal de Contas da União (TCU), em R$ 1,9 bilhão; e o do Ministério Público, em R$ 5 bilhões.
Com esse desenho, definir o que é prioridade vai ser mais difícil, principalmente enquanto as mudanças na Previdência não surtirem efeito. Pelas contas do governo, a reforma só terá impacto a partir de 2018, quando se espera uma economia de R$ 4,6 bilhões. Em dez anos, o valor está projetado em R$ 738 bilhões, caso a reforma seja aprovada nos termos em que foi proposta.
— (O governo) vai contingenciar, vai fazer tudo. Vai ser uma guerra de foice. Uma guerra diária do Ministério da Fazenda com cada item do gasto — afirmou Raul Velloso, especialista em contas públicas.
A maior preocupação, segundo Julio Hegedus Netto, economista-chefe da consultoria Lopes & Filho, é em relação ao ambiente político, que deve dificultar a aprovação de medidas complementares à PEC, como a reforma da Previdência e a melhora do regime tributário:
— Os problemas nas áreas sociais não são de aporte, mas de como eles são aplicados. O governo não está cortando recursos. Saúde e educação são consideradas prioritárias. Os outros gastos terão de ser readequados, e talvez caiba uma revisão dos programas sociais, que são, em alguns casos, mal gerenciados.
Klein, da Tendências, avalia que, do ponto de vista econômico, até faria mais sentido aprovar a reforma da Previdência antes de propor o limite de gastos. Mas a conta política não fecharia. Agora, deve ser mais fácil aprovar as mudanças:
— A reforma da Previdência é mais sensível, e é mais fácil identificar ganhadores e perdedores. Por isso, é mais fácil marcar gol com a PEC do teto. Mas, uma vez que está um a zero, deve ser mais fácil, agora, fazer dois a zero com a reforma da Previdência.
Camargo, da PUC-Rio, concorda. Ele destaca que a aprovação da PEC do teto cria uma necessidade para a aprovação da reforma da Previdência, que deve ser considerada pelos parlamentares.
— Provavelmente não vai ser tão difícil aprovar a reforma da Previdência, porque todos os outros interessados vão se juntar para aprovar uma reforma que seja minimamente razoável, para evitar que os gastos com Previdência dominem todo o cenário. No Brasil, 41,5% do Orçamento federal são para Previdência e assistência social. É um disparate — criticou. — Isso é o começo do processo. Se quisermos crescer de forma sustentável, serão necessárias outras reformas, como trabalhista, tributária, educacional. - O Globo Leia mais em portal.newsnet 14/12/2016
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